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Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) analisa ato de concentração econômica entre AT&T e Time Warner, com repercussão na Sky Brasil
Ericson M. Scorsim
Em síntese, como bem definido pelo Cade, o caso referente a aquisição pela AT&T da empresa Time Warner envolve a questão concorrencial (aplicação da lei 12.529/11), bem como a questão da regulação setorial (interpretação do art. 5º da Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual de acesso condicionado, lei 12.485/11).
No Brasil, as duas empresas AT&T, empresa de telecomunicações, e a Time Warner, empresa de licenciamento de canais de programação de TV por assinatura, ambas sediadas nos Estados Unidos da América, requereram a aprovação do ato de concentração econômica perante o Cade.
A aquisição pela AT&T da empresa Time Warner ocorre em diversos países, e repercute também no Brasil. Aqui, a Time Warner é licenciadora de canais de programação e a Sky é empresa de TV por assinatura.
O Cade decidiu, por unanimidade, pela aprovação da concentração econômica das operações de aquisição pela AT&T da empresa Time Warner, com fundamento na Lei da Concorrência (lei 12.529/11, art. 88).
Outro fundamento utilizado para justificar a atuação do Cade no caso em questão foi a Lei de Geral de Telecomunicações que contém regra expressa sobre a sua competência para apreciar atos de concentração econômica no setor de telecomunicações, conforme art. 7º, §1º, §2º e §3º.
A autoridade antitruste brasileira entendeu que a operação de aquisição societária entre a AT&T e Time Warner não traz riscos significativos de fechamento do mercado de TV por assinatura. Na análise concorrencial, foram considerados os mercados de licenciamento/programação (mercado upstream) e o mercado de distribuição/operação dos serviços de TV por assinatura (mercado downstream). Daí a possibilidade de concentração econômica no mercado de TV por assinatura na perspectiva do direito concorrencial.
Além disto, como tópico analisado, no voto do conselheiro relator Gilvandro Vasconcelos C. de Araujo foram apresentadas algumas considerações a respeito da evolução das tecnologias na produção e distribuição de conteúdo audiovisual, com o surgimento das empresas OTTs (over-the-top) – ex: Netflix, Amazon, Apple TV, entre outras.
Também, no voto do relator a sugestão da revogação da proibição legal de verticalização entre os segmentos da TV por assinatura, contida na Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual de acesso condicionado, diante da evolução das tecnologias no setor audiovisual.
Esta sugestão no sentido de atualização da regulação setorial com a flexibilização da regra sobre os limites entre programadoras dos canais de TV por assinatura e as operadoras dos serviços de TV por assinatura também foi recomendada pela conselheira Cristiane Alkin Junqueira Schmidt, a qual inclusive recomendava a aprovação da operação societária em análise sem restrições.
Mas, o voto do conselheiro relator impôs algumas condições no ato de controle da concentração econômica a seguir analisadas.
Uma das obrigações é a manutenção pela AT&T da Sky Brasil e das programadoras de canais Time Warner como pessoas jurídicas separadas, com estruturação de administração e governança próprias.
Outra obrigação é no sentido de que as programadoras de canais Time Warner ofereçam às empacotadoras e aos prestadores de serviço de TV por assinatura não-afiliadas todos os canais de programação licenciados à Sky, mediante condições não-discriminatórias. Ou seja, os canais de TV por assinatura da Time Warner devem ser ofertados às empresas concorrentes no segmento da TV por assinatura, em condições não discriminatórias entre os agentes econômicos.
Sobre este aspecto, houve o compromisso de nomeação de consultor independente para auxiliar o CADE no monitoramento das obrigações estabelecidas no acordo de concentração econômica.
E, também, a previsão da arbitragem para solucionar eventuais conflitos entre as empresas programadoras de canais de programação ou prestadoras dos serviços de TV por assinatura não afiliadas à AT&T ou Sky e estas mesmas empresas.
Ao final, o voto do conselheiro relator consigna:
“Dessa forma, entendo que a aprovação da Operação pelo Cade não significa que tenha reconhecido a licitude da integração perante o art. 5º a Lei do SeAC. Caso haja manifestação das Agências pela violação do referido dispositivo, não haverá ofensa à coisa julgada administrativa formada pela decisão do Cade”.
Neste aspecto, importante registrar trecho esclarecedor do conselheiro Alexandre Barreto de Souza:
“Outro ponto fundamental verificado no presente Ato de Concentração foi o entrelaçamento de questões concorrenciais com questões de outras agências governamentais. Nesse sentido, Notas Técnicas tanto da Agência Nacional de Telecomunicações quanto da Agência Nacional do Cinema expuseram entendimento de que a operação apresenta indícios de violação ao art. 5º da Lei n. 12.485, de 12 de setembro de 2011 (Lei do SeAC).
É importante deixar claro que a atuação do CADE no presente Ato de Concentração limitou-se aos aspectos concorrenciais propriamente ditos, não considerando questões de competência de outras agências reguladoras.
Ressalto, ainda, que os remédios propostos buscam justamente solucionar os possíveis problemas concorrenciais da operação. A apreciação de questões de fora do âmbito de defesa da concorrência, inclusive possíveis violações à Lei do SeAC, ficará a cargo da ANATEL e da ANCINE. Assim, enfatizo que o processo de concentração ora em análise dependerá, para sua consumação, da autorização das citadas agências, conforme suas respectivas responsabilidades legais”.
Em sua literalidade na certidão de julgamento como resultado da decisão do CADE no ato de concentração 08700.001390/2017-14: “O Plenário, por unanimidade, conheceu da operação e aprovou-a condicionada à celebração e ao cumprimento de acordo em controle de concentrações, nos termos do voto do Conselheiro Relator”.
A princípio, o CADE entendeu que o ato de concentração econômica entre a AT&T e Time Warner nos mercados de programação e operação de TV por assinatura pode ser realizada sob a perspectivo da legislação concorrencial. Mas, como remédios a título de contrapartida à concentração econômica no mercado de TV por assinatura, impôs as condições acima citadas no procedimento do acordo de controle de concentrações econômicas.
Na sequência, a Anatel, através de sua Superintendência de Competição, deve analisar o caso, sob a perspectiva da legislação setorial, especialmente da Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual de acesso condicionado, lei 12.485/11 (art. 5º)1.
Como ponto central, a interpretação legal a ser promovida pela Anatel em relação ao art. 5º, da lei 12.485/11 que trata do limite à divisão estrutural entre as empresas de telecomunicações e as empresas de licenciamento e distribuição de conteúdo audiovisual no mercado de TV por assinatura.2
Em tese da intepretação da legislação setorial, duas soluções possíveis na perspectiva da regulação setorial da comunicação audiovisual, a ser aplicada pela Anatel, no exercício de sua competência legal.
Primeira, a Anatel pode aprovar a aquisição pela AT&T da empresa Time Warner, por entender que não há ofensa à lei brasileira da TV por assinatura, especialmente porque não há ofensa ao art. 5º que trata da separação estrutural entre os mercados de licenciamento, programação, distribuição de pacotes de canais de TV por assinatura e operação de serviços de TV por assinatura.
Segunda, em tese, a Anatel pode determinar a separação estrutural entre as empresas de telecomunicações e as empresas de licenciamento e distribuição de canais de programação de TV por assinatura, diante da possível vedação legal à verticalização entre os segmentos de programação, empacotamento, distribuição e operação de canais de TV por assinatura, conforme previsão do art. 5º, da lei 12.485/11. Mas, nesta hipótese, são necessárias provas efetiva de que a operação societária é ofensiva à referida lei setorial.
Portanto, a possibilidade, em tese, de a Anatel reconhecer a ilegalidade da operação da aquisição pela AT&T da Time Warner, determinando que a AT&T venda a empresa Sky para possível terceiro interessado. Nesta hipótese de possível alienação da Sky, também esta operação societária deverá ser objeto de análise pelo Cade, para fins de verificação da licitude do ato de concentração econômica.
Por outro lado, destaque-se que o mencionado art. 5º da lei 12.485/11 foi objeto de impugnação por Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal3. Mas, há o voto do relator ministro Fux no sentido da constitucionalidade do referido artigo legal4. Até o presente momento, o caso aguarda solução final de mérito no Supremo Tribunal Federal, pois o julgamento das referidas Adis foi suspenso. Por ora, há a presunção da constitucionalidade do art. 5º da lei n. 12.485/11.
Eventual revogação do referido limite à participação societária entre os segmentos de licenciamento de canais de programação e os serviços de distribuição destes mesmos canais de TV por assinatura depende de aprovação perante o Congresso Nacional.
Por outro lado, a Ancine também se manifestará sobre o caso. Nos termos da lei setorial, a competência legal da Ancine é a regulação e fiscalização das atividades de programação e empacotamento.
Destaque-se, ainda, que a competência regulatória sobre a interpretação da lei 12.485/11 cabe à Anatel, eis que nos termos desta lei, em seu artigo 29, parágrafo único: “a Anatel regulará e fiscalizará a atividade de distribuição”.
De todo modo, é fundamental a coordenação da interpretação da lei setorial pela Anatel e pela Ancine, sob pena de existirem conflitos na interpretação legal, em detrimento da segurança jurídica na aplicação do direito.
Eventualmente, há o risco da judicialização do caso sobre a interpretação da regulação setorial do mercado da TV por assinatura, em relação às decisões do Cade, Anatel e/ou Ancine, com eventual impugnação à aquisição pela AT&T da Time Warner. Com efeito, é possível o questionamento das competências legais da Anatel para eventualmente impor a obrigação de venda da Sky, competência esta mais naturalmente vocacionada ao Cade.
Em síntese, como bem definido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o caso referente a aquisição pela AT&T, empresa de telecomunicações, da empresa Time Warner, que atua no segmento de licenciamento de canais de programação de TV por assinatura, envolve a questão concorrencial (aplicação da lei 12.529/11), bem como a questão da regulação setorial (interpretação do art. 5º da Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual de acesso condicionado, lei 12.485/11).
Em breve, a Anatel e Ancine se manifestarão sobre este interessante caso que envolve a interpretação da legislação setorial da comunicação audiovisual brasileira.
______________
1 Conforme a lei 12.485/11:
“Art. 5º. O controle ou a titularidade de participação superior a 50% (cinquenta por cento) do capital total e votante de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo não poderá ser detido, direta, indiretamente ou por meio de empresa sob controle comum, por concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e por produtoras e programadoras com sede no Brasil, ficando vedado a estas explorar diretamente aqueles serviços.
2 Sobre estes limites legais sobre a concentração empresarial nos mercados de programação e operação dos serviços de TV por assinatura, ver: Scorsim. Ericson M. Direito das Comunicações. Telecomunicações. Internet. TV por radiodifusão e TV por assinatura. Curitiba: Edições do Autor, 2016, Amazon.
3 Ver: Adis 4.679, 4.759. 4.747 e 4.923.
4 Votaram com o Min. Relator até o momento: saudoso Ministro Teori Zavascki, Rosa Weber e Edson Fachin. Ver: Scorsim. Ericson M. Temas de Direito da Comunicação na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Edição do Autor, 2017. Amazon.
Artigo publicado no Site Jurídico Migalhas em 27/10/2017.
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