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Brasil e a questão da tecnologia 5G nas redes de telecomunicações. Análise atualizada do contexto da disputa geopolítica entre Estados Unidos e China
Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor no Direito à Comunicação, com foco em tecnologias, mídias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Ebooks sobre Direito da Comunicação.
O Brasil ainda não definiu sua posição geoestratégica a respeito do fornecimento de tecnologia de 5G nas redes de telecomunicações, especialmente em relação ao fornecimento de tecnologia pela empresa chinesa Huawei. Em questão, a afirmação da soberania brasileira sobre as infraestruturas de redes de comunicações e proteção à segurança cibernética, diante de pressão internacional dos Estados Unidos para banir a empresa chinesa Huawei do fornecimento da tecnologia de quinta geração – 5G. As infraestruturas de redes de telecomunicações são consideradas infraestruturas nacionais críticas vulneráveis a ataques físicos e/ou cibernéticos conduzidos por agentes nacionais e/ou estrangeiros. Daí a necessidade de forte proteção destas redes de telecomunicações diante de riscos ataques cibernéticos, sabotagens, destruições, degradação e/ou disrupção. Segundo informações divulgados pelo mercado: OI (núcleo da rede móvel – Huawei e Nokia; rede de acesso móvel – Ericsson, Huawei e Nokia), Claro (núcleo da rede móvel – Ericcson e Huawei, rede de acesso móvel – Ericsson, Huawei e Nokia), TIM (núcleo da rede móvel – Huawei – Ericcson, rede de acesso móvel – Ericsson, Huawei e Nokia), Vivo (núcleo da rede móvel – Ericcson, Huawei, rede de acesso móvel – Ericson e Huawei).1 O governo brasileiro estuda adotar uma política de segurança cibernética com limites à Huawei no fornecimento de tecnologia de 5G para as empresas de telecomunicações que atuem em território nacional. O Decreto Federal n. 10.222/2020 que aprova as diretrizes de segurança cibernética há simplesmente à menção da necessidade de serem aprovadas regras de segurança nas redes 5G. E, grande parte das comunicações brasileiras passam por roteadores internacionais que atravessam território norte-americano. Além disto, empresas globais de tecnologia, principalmente aquelas sediadas nos Estados Unidos, coletam dados de brasileiros e empresas brasileiras. Também, destaca-se que em 2013 foi Brasil (ex Presidente da República Dilma Roussef, Petrobras, Ministério da Energia, entre outros)foi alvo espionagem conduzida pela National Security Agency (NSA) dos Estados Unidos, conforme comprova a Comissão Parlamenta de Inquérito do Senado Federal.
O episódio entre o governo dos Estados Unidos e a Huawei é sintomático a respeito das relações geopolíticas no século 21, em relação à disputa sobre a liderança global econômica, militar política, tecnológica e cultural. Em questão, a geoeconomia, isto é, a utilização do poder econômico para garantir o acesso estratégico a mercados, logística, conectividade, recursos naturais, etc. Também, há a geoestratégia digital em relação às operações cibernéticas, com o desenvolvimento de capacidades de defesa e de ataque cibernéticos pelos estados. E, ademais, a geotecnologia adotada por um país pode ser determinante em suas relações externas com outros países, ficando relações de dependência tecnológica.
Os Estados Unidos pressionam o Brasil e países aliados para que excluam a Huawei do fornecimento da tecnologia de 5G, sob o fundamento dos riscos quanto à segurança nacional, inteligência e espionagem. Os Estados Unidos declararam que a Huawei é o cavalo de troia colocado pela China dentro dos países, o que implica em riscos de vulnerabilidade das infraestruturas nacionais críticas. Assim, se os países adotarem a tecnologia de 5G da Huawei, os Estados Unidos alega que este fato pode comprometer as parceiras de defesa mútua. Na política externa dos Estados Unidos há geoestratégia de para manter a sua liderança na competição no espaço cibernético. Quem controlar o 5G controlará a economia digital, a internet das coisas e a inteligência artificial. Daí a preocupação dos Estados Unidos quanto à ascensão da China no setor da tecnologia 5G. Além disto, os Estados Unidos consideram as infraestruturas de rede dual-use, isto é, elas permitem o uso civil e o militar. A título ilustrativo, os semicondutores utilizados na tecnologia de 5G são fornecidos por empresas norte-americanas para Huawei. Assim, o governo norte-americano impõe forte controle das exportações destes produtos para a Huawei. Também, há o controle dos investimentos realizados por empresas chinesas em companhias norte-americanas. Mas, esta política externa causa danos às empresas norte-americanas na medida que elas são privadas de obter receitas com a venda de produtos para Huawei. Sobre o tema, a Federal Communications Comission (FCC) explica: “According to article 7 of the Chinese National Intelligence law (NIL), ‘all organizations and citizens shall, according to the law, provide support and assistance to and cooperate with the State intelligence work, and keep secret that Chinese intelligence agencies to take control of an organization’s facilities, including communications equipment. The Chinese NIL is extremely broad, applying to Chinese citizens residing outside of China. This broad authority to compel support and assistance to Chinese intelligence agencies is particularly troublesome, given the Chinese government’s involvement in computer intrusions and attacks as well as economic espionage. As a consequence, our primary focus in this report and order is entities that are subject to the NIL – Huawei and ZTE”.2 De fato, a National Intelligence Law da China dispõe o seguinte: “Art. 7. All organizations and citizens shall, according to the law, provide support and assistance to and cooperate with the State intelligence work, and keep secret the State intelligence work that the know”.
Assim, há a preocupação quanto à invasão das redes de telecomunicações norte-americanas por agentes sob o comando de governos estrangeiros, especialmente no contexto de guerras cibernéticas. Mas, segundo declaração oficial da Huawei a respeito de interceptação de comunicações a existência de backdoor (porta dos fundos nas redes): “As evidenced by the Snowden leaks, the United States has been covertly asssing telecom network worldwide, spying on other countries for quite some time. The report by the Washington Post this week about about how the CIA used an encryption company to spy on other countries for decades is yet additional proof”. Destaca a empresa Huawei a realização pelos Estados Unidos de ações encobertas de acesso às redes de telecomunicações globalmente, para fins de espionagem, conforme noticiado por Edward Snowden. E, prossegue, a nota: “US allegations of Huawei using lawful interception are nothing but a smokescreen – they dont’ adhere to any form of accepted logic in the cyber security domain. Huawei has never and will never covertly acess telecom networks, nor do we have the capability to do so. The Wall Street Journal is clearly aware that the US government can’t provide any evidence to support their allegations, and yet it still chose to repeat the lies being spread by these US officials. This reflects The Wall Street Journal bias against Huawei and undermines its credibility”. Além disto, a declaração oficial esclarece os padrões de segurança para a realização das interceptações lícitas: “Huawei’s role as telecom vendor is to provide equipment that follows 3GPP/ETSI standards, just like every other vendor. We are obligated to follow industry – wide lawful interception standards like 3GPP’s TS 33.107 standard for 3G networks, and TS 33.128 for 5G. This is where Huawei’s obligations with regards to lawful interception end”. Como se observa, a Huawei menciona a adesão ao protocolo internacional de interceptação das comunicações, de modo lícito, quando solicitado pelas autoridades governamentais. Assim, ela segue os padrões internacionais, tal como as demais empresas fornecedoras de produtos de telecomunicações.
Sobre a interceptação lícita: “The actual administration and use of lawful interception interfaces is conducted solely by carriers and regulators. Interception interfaces are always located in protected premises on the operator-s side, and they are operated by employees who are vetted by the government in the countries where they operate. Operators have very strict rules to operate and maintain these interfaces. Huawei doesn’t develop or produce any interception equipment beyond this”. E, ainda, acrescenta o seguinte: “Huawei is only an equipment supplier. In this role, acessing customer networks without their authorization and visibility would be impossible. We do not have the ability to bypass carriers, acess control, and take data from their networks without being detected by all normal firewalls or security systems. In fact, event The Wall Street Journal admits that US officials are unable to provide any concrete details concerning these so-called ‘backdoors”. Ou seja, destaca a Huawei que não detém o controle do acesso às redes de telecomunicações, algo sob o controle das empresas de telecomunicações. Ademais, sobre a questão da segurança cibernética a empresa afirma: “Cybersecurity and privacy protection are Huawei’s top priorities. The remarks made by U.S officials completely ignore the huge investment and best practices of Huawei and carriers in cyber security risk management. We are very indignant that the US government has spared no efforts to stigmatize Huawei by using cyber security issues. If the US does discover Huawei’s violations, we again solemnly request the US to disclose specific evidence instead of using the media to spread rumors”. Em síntese, a empresa argumenta que tem realizado investimentos intensos em segurança cibernética, não havendo provas de riscos de segurança às rede de telecomunicações.
Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA) dos Estados Unidos.
É importante esclarecer a legislação dos Estados Unidos sobre a questão das telecomunicações. A lei denominada Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA) trata da interceptação das comunicações a serem realizadas pelas empresas de telecomunicações. Assim, a lei trata da capacidade das empresas que operem ações de interceptação das comunicações. Segundo a lei: “Sec. 103. Assistance capability requeriments. (a) capability requeriments. Except as provided in subscetions (b), (c), and (d) of this section 108( a) and 109 (b) and (d), a telecomnunications carrier shall ensure that its equipment, facilities, or services that provide a customer or subscriber with the ability to originate, terminate, or direct communications are capable of (1) expeditiously isolating and enabling the government, pursuant to a court order or other lawful authorization, to intercept, to the exclusion of any other communications, all wire and electronic communications carried by the carrier within a service area to or from equipment, facilities, or services of a subscriber of such carrier concurrently with their transmission to or from the suscriber’s equipment, facility, or service, or at such later time as may be acceptable to the government; (2) expeditiously isolating and enabling the government, pursuant to a court order or other lawful authorization, to acess call identifying information that is reasonably available to the carrier”.
E, segundo a lei intitulada Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA) as agências federais não podem impor exigências quanto ao design das configurações dos sistemas de interceptação das comunicações: ”Limitations – (1) design of features and systems configurations to be adoppted by any provider of a wire or electronic communication service, any manufacturer of telecommunications equipment, or any provider of telecommunications support services; or (b) to prohibit the adoption of any equipment, facility, service or feature by any provider of a wire or electronic communication service, any manufacturer of telecommunications equipment, or any provider of telecommunications support services”.
Há disposições específicas sobre as exigências de interceptações das comunicações pelos operadores de serviços de telecomunicações móveis. E, ainda, há regra de cooperação dos fabricantes de equipamentos de telecomunicações: “Sec. 106. Cooperation of equipment manufacturers and providers of telecommunications support services. (a) consultation – A telecommunications carrier shall consult, as necessary, in a timely fashion with manufacturers of its telecommunications transmission and switching equipment and its provider of telecommunications support services for the purpose of ensuring that current and planned equipment, facilities, and services comply with the capability requirements of section 103 and the capacity requirements identified by the Attorney General under section 104”.
E prossegue a lei Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA): “Cooperation. Subject to sections 104 (e), 108 (a), and 109 (b) and (d) a manufacturer of telecommunications transmission or switching equipment and a provider of telecommunication transmission or swithching equipment and a provider of telecommunications support services shall, on a reasonably timely basis and at a reasonable charge, make available to the telecommunication carriers using its equipment, facilities, or services such features or modifications as are necessary to permit such carriers to comply with capability requirements of section 103 and the capacity requirements identified by the Attorney General under section 104”.
Além disto, a lei denominada Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA) define os padrões técnicos a serem seguidos pelos operadores de telecomunicações:
“Sec. 107. Technical requirements and standards, extension of compliance date. Consultation. To ensure the efficient and industry wide implementation of the assistance capability requirements under section 103, the Attorney General, in coordination with other Federal, State, and local law enforcement agencies, shall consult with appropriate associations and standard-setting organizations of the telecommunications industry, with representatives of users of telecommunications equipment, facilities and services, and with State utility comissions. Compliance under accepted standards. A telecommunications carrier shall be found to be in compliance with the assistance capability requirements under section 103, and a manufacturer of telecommunications transmission or switching equipment or a provider of telecommunications transmission or switching or a provider of telecommunications support services shall be found to be in compliance with section 106, if the carrier, manufacturer, or support service provider is in compliance with public available technical requirements or standars adopted by the Comission under subsection (b), to meet the requirements of section 103”.
E, prossegue a lei Commmunications Assistance for law enforcement act (CALEA): “Absence of standards. The absence of technical requirements or standards for implementing the assistance capability requirements of section 103 shall not (a) preclude a telecommunication carrier, manufacturer, or telecommunications support services provider from deploying a technology or (b) relieve a carrier, manufacturer, or telecommunications support services provider from deploying a technology or service’ or (b) relieve a carrier, manufacturer, or telecommunications support services provider of the obligations imposed by section 103 or 106 as applicable”. Ademais, a lei trata das decisões de execução da lei de interceptações das comunicações da seguinte forma: “Sec. 108. Enforcement orders. Grounds for issuance. A court shall issue an order enforcing this title under 2522 of title 18, United States Code only if the court finds that – (1) alternative technologies or capabilities or the facilities of another carrier are not reasonably available to law enforcement for implementing the interception of communications or acess to call identifying information; and (2) compliance with the requirements of this title is reasonalby achievable through the application of available technology to the equipment, facility, or service at issue or would have been reasonably achievable if timely action had been taken”.
Ao que aparece, se os equipamentos de redes de telecomunicações na tecnologia de 5G (celulares, antenas e torres), forem fabricados pela Huawei na China, não há como os Estados Unidos embutir software de intercepção das comunicações, conforme determina o Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA).
Para o Brasil o alinhamento com os Estados Unidos tem riscos geopolíticos. De um lado, o risco de perder competitividade de sua economia ao demorar para participar do mercado internacional de 5G e o risco de aumentos significativos dos custos se restringir o acesso ao mercado pela Huawei. Há estudos demonstrando que a exclusão total e/ou parcial da Huawei dos mercados implica em perda da produtividade da economia e elevação de custos.3 Também, há eventuais de riscos de retaliação da China, em relação a investimentos no País, bem como na aquisição de commodities nos setores da agricultura, energia e minérios. De outro lado, o risco de perder o compartilhamento de informações de inteligência com os Estados Unidos se permitida a entrada da Huawei. Também, em andamento, o acordo de cooperação entre Brasil e Estados Unidos no setor aeroespacial, para fins de utilização pelo Estados Unidos da Base de Alcântara, no Maranhão. Há, ainda, declarações de intenções de acordos de cooperação no setor de defesa. Assim, há possíveis riscos destes acordos no setor aeroespacial e de defesa não serem executados, dependendo da posição geoestratégica do Brasil em relação à Huawei. Destaca-se que Brasil e os Estados Unidos são competidores nos setores de agricultura e energia. Por sua vez, o Brasil é fornecedor de alimentos e energia para a China. Assim, as economias do Brasil e China são complementares; o Brasil aproveita de suas vantagens comparativas em relação à China no comércio internacional, ao vender alimentos e petróleo para a China. Por sua vez, Brasil e Estados Unidos são concorrentes no setor de energia e de soja, como já referido. Os demais países avaliam as políticas em relação à tecnologia de 5G. Há táticas de exclusão total da Huawei das redes de 5G, exclusão parcial, sem restrições.4 Por outro lado, cumpre destacar que o Brasil foi alvo dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, mediante ação da National Security Agency (NSA). A CPI do Senado Federal detectou ações de espionagem da NSA contra alvos brasileiros: ex Presidente da República Dilma Roussef, Ministério de Minas e Energia e Petrobras, entre outros. Assim, cumpre ao Estado brasileiro adotar medidas de proteção às infraestruturas nacionais críticas de telecomunicações, a proteção da confidencialidade e privacidade das comunicações dos brasileiros, para mitigar os riscos de ações encobertas de espionagem realizadas por agentes estrangeiros e/ou governos estrangeiros, seja a mando dos Estados Unidos ou da China ou qualquer outro país. Para além disto, é preciso a política de segurança cibernética para mitigar riscos de disrupção ou degradação das redes de comunicações. Esta é uma questão fundamental para a afirmação da soberania brasileira diante de qualquer governo estrangeiro. Diante do cenário de riscos geopolíticos existem ainda interessantes oportunidades. Por que o Brasil não poderia aproveitar o episódio sobre a tecnologia de 5G e se transformar de um país dependente de tecnologia importado em um país produtor e exportador de tecnologia de 5G? Por que não criamos aqui no Brasil uma indústria de tecnologia 5G para competir globalmente? Por que não atrair investimentos internacionais de empresas europeias e chinesas para instalarem fábricas e/ou ampliar as eventualmente existentes no Brasil? O Brasil pode se utilizar de uma geoestratégia inteligente para ter ganhos significativos no jogo geopolítico entre as duas potências globais: Estados Unidos e China.
Por ora, em termos regulatórios, o Brasil conta apenas com o Decreto n. 10.222, de 5 de fevereiro de 2020, que aprova a Estratégia Nacional de Segurança Cibernética e dispõe o seguinte a respeito das ações estratégicas do governo federal: “estabelecer requisitos mínimos de segurança cibernética que assegurem o uso pleno, responsável e seguro da tecnologia de quinta geração de conexão móvel – 5G”.
Enfim, os Estados Unidos e China estão disputando a liderança econômica e tecnológica no século 21. Os Estados Unidos têm uma geoestratégia clara de imposição de custos crescentes à China como tática para inibir a economia chinesa. Mas, como consequência, há a redução do crescimento econômico global.
No contexto desta disputa, os Estados Unidos proibiram a empresa chinesa Huawei de fornecer equipamentos de rede de telecomunicações na tecnologia 5G para empresas prestadoras de serviços de telecomunicações em território norte-americano. Mas, também, os Estados Unidos pressionaram países aliados para que não adquirissem produtos da empresa Huawei. A empresa Huawei é acusada pelo governo norte-americano de ter ligações com o governo da China e, assim, compartilhar informações de inteligência. Também, acusa-se a empresa de práticas de espionagem econômica e furto de propriedade intelectual. Assim, os Estados Unidos ameaçaram países aliados de não mais compartilhar informações de inteligência se forem adotados equipamentos da Huawei. A empresa nega as acusações do governo norte-americano. A FCC (Federal Communications Comission) determinou a proibição da utilização de fundos federais para a aquisição de equipamentos da Huawei, bem como determinou a remoção de seus equipamentos das redes de telecomunicações.
Regras do Reino Unido restringem a participação da Huawei no mercado de 5G, definindo limites
Em 2020, o governo do Reino Unido decidiu por restringir, mas não proibir a participação da empresa Huawei no fornecimento de equipamentos de 5G. Assim, a Huawei não poderia participar do fornecimento de equipamentos relacionados às áreas centrais da rede de 5G (core). Mas, ela poderá fornecer equipamentos em áreas periféricas. A decisão considera a Huawei como um fornecedor de tecnologia de alto risco. Apesar disto, optou-se por mitigar os riscos no setor de telecomunicações com a presença da Huawei no fornecimento de produtos de 5G. Estrategicamente, o governo britânico buscará a diversificação na oferta da tecnologia de 5G. Deste modo, o Reino Unido adota uma nova posição geoestratégica no contexto de sua saída da União Europeia e o redirecionamento de sua política externa em relação aos Estados Unidos, na medida em que não seguiu a orientação do governo norte-americano em relação à tecnologia do 5G. Assim, a decisão representa um realinhamento do Reino Unido em relação aos Estados Unidos e, consequentemente, em relação à China.
As Regras da União Europeia sobre o 5G não excluem necessariamente a Huawei
Por sua vez, a União Europeia definiu as regras de segurança cibernética para o 5G.5 Em destaque, há imposições de padrões de segurança cibernética em proteção às redes de telecomunicações.
Mas, aos estados-membros da União Europeia competem decidir pela exclusão ou não de fornecedor de alto risco nas redes de 5G. Deste modo, os estados-membros poderão excluir a Huawei ou impor restrições à sua entrada no mercado do 5G. Em verdade, na Recomendação da Comissão Europeia denominada Cybersecurity of 5G networks de 26.3.2019 há esta previsão: “This Recommendation should be without prejudice to the competences of the Member States regarding activities concerning public security, defence, national security ant the activities of the State in areas of criminal law, including the right of the Member States to exclude providers or suppliers from their markets for national security reasons”.
A União Europeia já ofereceu inclusive parcerias com o Brasil, no sentido de contribuir com programas de certificação de equipamentos de rede de 5G. As empresas de telecomunicações, sediadas no Brasil, contam com tecnologias da Ericcson, Nokia e Huawei.
Há, ainda, estudos econômicos sobre os custos significativos decorrentes da decisão de se proibir o fornecimento da tecnologia de 5G pela Huawei. A empresa chinesa possui produtos com preço acessível e qualidade. Assim, os estudos indicam a perda da produtividade das economias se restringido o fornecimento pela Huawei, bem como a elevação dos custos.6 A medida de restrição do fornecimento de tecnologia de 5G pela Huawei mostra que a ação é antieconômica. Mas, se considerada unicamente, a perspectiva da geoestratégia dos Estados Unidos, ao proibir a Huawei em seu território nacioal e pressionar países aliados a se alinharem à sua posição, a imposição de custos no cenário global é uma tática de inibição à expansão da tecnologia de 5G da Huawei.
De um lado, os Estados Unidos pretendem manter sua liderança global econômica, política, tecnológica e militar. Neste contexto, encontra-se a tecnologia de quinta geração, aplicável no setor de telecomunicações, mas com efeitos sobre diversas indústrias e mercados. A perda da liderança e influência pelos Estados Unidos significará a perda de acesso a mercados, infraestruturas, recursos naturais, controle sobre a conectividade global, controle sobre território, etc. A infraestrutura digital tem dois aspectos. Por um lado, representa a capacidade cibernética acentuada. Mas, por outro lado, também pode mostrar a vulnerabilidade de um País altamente conectado. Neste contexto, os Estados Unidos são mais vulneráveis do que a China no aspecto da infraestrutura digital.7 A título exemplificativo, o espectro de radiofrequências é um recurso estratégico na prestação dos serviços de telecomunicações tanto na modalidade 5G quanto em outras modalidades. Assim, riscos de acesso não autorizado ao espectro de radiofrequências podem comprometer a integridade e a segurança das comunicações. Assim, quem controla o espaço aéreo e o espectro de radiofrequência controla a rede de fibras óticas e satélites controla as comunicações de um País. O historiador Yuval Noah Harari a respeito do controle exercido por Israel sobre a Palestina afirma: “Os palestinos podem administrar algumas cidades e aldeias na Cisjordânia, mas os israelenses controlam o céu, as ondas de rádio e o ciberespaço. Por isso é surpreendentemente pequeno o número de soldados israelenses que controlam cerca de 2,5 milhões de palestinos na Cisjordânia”.8
De outro lado, a ascensão da China no cenário global, devido ao seu expressivo crescimento econômico e ao tamanho de seu mercado interno, com projetos de expansão de sua influência para Ásia, Europa, África e América Latina, através seu programa Belt and Road. A China investiu pesadamente em pesquisas e desenvolvimento, daí como um dos resultados a emergência da Huawei como líder global de 5G.
Visão do Comandante das Forças Armadas do Atlântico Sul sobre a influência da China na América Latina
Na visão do Comandante das Forças Armadas para o Sul (USOUTHCOM”), em seu relatório anual para o Congresso norte-americano comenta sobre a influência da China sobre a América Latina:
“Beyond like-minded throughout Latin America and the Caribbean, the region is home to 25% of all U.S exports and key global infrastructure like the Panama Canal, sea lanes, and deep water ports that provide acess to both the Atlantic and Pacific Oceans”, E, prossegue: “Last year, the Chinese government absorved three more Latin American countries into its One Belt One Road Iniciative, bringing the regional total to 19 – more than half of all countries in the region. Beijing now has 29 government exchange programs with Latin America and the Caribbean, and continues to expand offers of professional military education, equipment donations, and funding for infrastructure projects”. E, também, comenta sobre a presença da Rússia na região: “Russia once again projected power in our neighborhood, establishing a military footprint in Venezuela; deploying (for the first time) its most advanced nuclear-capable warship: and sending a research ship capable of mapping and cutting undersea cables, as well as two other naval research vessels to operate near our homeland”. E, prossegue: “These malign state actors are part of a vicious of threats that deliberately erode stability and security in the region. This vicious circle is framed by systemic issues of young democracies, often weak governance and porous legal frameworks, exacerbated by a propensity towards patronage and corruption that is deliberately exploited by transational criminal organizations (TCOS), external, state actors (such as the PRC and Russia), and violent extremist organizations (VEOs) to advance their own ends at the expense of U.S. and partner national security. This vicious circle continues to negatively impact our homeland, most acutely in the form of illegal immigration and illicit drug flows, but also in other, more harmful ways. Due to high levels of insecurity and frustation with government corruption, support for democracy and democratic institutions in Latin America and the Caribbean is at its lowest levels in 15 years, providing further openings for malign state actors to increae their influence. A number of countries are experiencing democratic backsligind, with orders sliding towards outright authoritianism”.
Além disto, adiciona o relatório a respeito da influência da empresa chinesa Huawei no setor de telecomunicações na América Latina: “With telecommunication projects in 16 countries, Huawei and ZTE provide the backbone of commercial and government communication systems, providing a backdoor for the Chinese government to monitor or intercept official inforamtion we share with our partners. Beijing is also gaining real-time, street-level situational awareness by selling surveillance techonology through its ‘Smart Cities” iniciative – the same technology the Chinese Comunist Party uses to monitor and repress its citizens”. Ademais, destaca: “We conduct cyber training and capacity building with partners like Chile, Argentina and Brazil in an effort to build defensive cyber capabilities and establish shared cyber situational awareness in the region. We continue to work closely with other U.S combatant commands and the Joint Staff to ensure globally integrated plans, operations, and exercises reflect the threats and opportunities in this hemisphere”.9 Destaca ainda o Comandante do US South Com as vantagens de posição estratégica da China em relação ao Canal do Panama e a estação de observação espacial na Argentina, bem como as infraestruturas de tecnologias de informação e comunicações na América Latina.
Em síntese, a disputa entre os Estados e a China no setor da tecnologia de 5G tem reflexos no Brasil. Os Estados Unidos sentiram a vulnerabilidade da falta de uma indústria local de fornecimento de tecnologia 5G e sua dependência em relação à tecnologia de outros países. Daí a busca por soluções a este problema que lhe afeta inclusive a segurança nacional. Cabe ao Brasil afirmar a sua soberania em proteção à segurança cibernética de suas redes de telecomunicações, para mitigar riscos de espionagem política, econômica e/ou de inteligência, sabotagem e/ou disrupção das redes; e, respectivamente, para proteger as comunicações dos brasileiros, sem, no entanto, se curvar os interesses dos governos estrangeiros.
1 Telesíntese. Política de E-Ciber fará Anatel limitar em 35% (trinta e cinco) por cento da presença da Huawei no 5G, dizem fontes.
2 FCC. Fact Sheet. Protecting Against National Security Threats to the communications suplly chain through FCC programs, October 29, 2019. What the Report and Order would do: i) adopt a rule that prospectively prohibits the use of USF funds to purchase or obtain any equipment or services produced or provided by a company posing a national security threat to the integrity of communications networks or the communications supply chain (covered company); ii) initially designate Huawei Tecnologies company and ZTE corporation as covered companies for purposes of this rule and establish a process for designating additional covered companies in the future”. What the further notice would do: “i) propose to require USF recipients that are eligible telecommunications carriers (ETCS) to remove existing equipment and services produced or provided by covered companies from their networks; ii) propose to establish a reimbursement program to offset reasonable transition costs and make the requirement that ETCS remove covered equipment and services contingent on the availability of a funded reimbursement program”.
3 5G – Restricting Competition in 5G Network Equipment – An Economic Impact Study. December 2019. Oxford Economics.
4 Munich Security Report 2020. Munich Security Conference.
5 European Comission. Brussels, 29.1.2020, Communication from the Comission to the European Parliament, the Council, the European Economic and social Committee and the Committee of the regions. Secure 5G deployment in the EU – implementing the EU toobok.
6 5G – Restricting Competition in 5G Network Equipment. An Economic Impact Study. December 2019. Oxford Economics.
7 Por sua vez, o episódio do Corona Vírus mostra a vulnerabilidade global, especialmente à China.
8 21 lições para o século 21. São Paulo: Companhia das Letras, p. 93. A propósito o “plano de paz” dos Estados Unidos para Israel e a Palestina apresenta diversos projetos em áreas de infraestruturas digitais, com a expansão de redes de internet, data centers e serviços digitais.
9 US Posture Statement of Admiral Craig S. Faller Commander United States Southern Command, before the 116 th Congress – Senate Armed Services Committee, january, 30, 2020.
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