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Tecnologia de 5G e os riscos geopolíticos para o Brasil e empresas de telecomunicações. Opções geoestratégicas do Brasil, para além dos Estados Unidos e da China, com outras alianças internacionais.
Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito da Comunicação, com foco nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Ebooks sobre Direito da Comunicação.
O governo brasileiro está para definir a sua posição geoestratégica em relação à tecnologia de 5G da Huawei. Ao que parece, a decisão ficará para 2021, conforme divulgou a mídia. Em outros artigos expliquei o contexto desta controvérsia sobre a tecnologia de 5G entre Estados Unidos e China.[1] No presente artigo, o foco é explicar os riscos geopolíticos para o Brasil no tema de sua própria segurança nacional e à sua economia nacional. Ora, a tecnologia de 5G está relacionada aos riscos da atuação dos serviços de inteligência tanto dos Estados Unidos quanto da China, os quais têm por finalidade coletar dados e comunicações. Portanto, o Brasil e os brasileiros podem se tornam alvo dos serviços de inteligência dos Estados Unidos e China.
Para o Brasil, o governo federal, estadual e municípios, brasileiros e as empresas brasileiras há riscos geopolíticos em relação aos Estados Unidos. Atualmente, as empresas globais de tecnologia norte-americanas moldam o ecossistema digital do Brasil e as redes de comunicações. Google, Microsoft, Amazon, YouTube, WhatsApp, Twitter, Apple definiram novas formas de relações no ambiente digital[2] Ocorre que estas empresas de tecnologia norte-americana estão submetidas à legislação norte-americana e às agências norte-americanas. Há, inclusive, sistemas de cooperação entre estas empresas e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Por exemplo, o Google é obrigado a assinar um termo de cooperação com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos em relação à instalação de um cabo submarino que conecta os Estados Unidos a Hong Kong, para permitir a inspeção dos cabos.
A questão central em relação à tecnologia de 5G refere-se à capacidade de coletar sinais de inteligência, motivo pelo qual os Estados Unidos impuseram restrições à empresa chinesa Huawei, sob o fundamento do risco à sua segurança nacional. Segundo os Estados Unidos, a Huawei é obrigada a colaborar com os serviços de inteligência nacional, conforme determina a Lei de Inteligência Nacional da China. Para o governo norte-americano, há o risco de a Huawei fornecer equipamentos de telecomunicações encobertos, com backdoors, isto é, a porta dos fundos com capacidade para realizar espionagem. Por isso, algums especialistas argumentam que os equipamentos são Huawei são verdadeiros “trojan horses”, isto é, cavalos de Troia, um presente dado por Atenas ao povo Troia. Acontece que dentro da estátua do cavalo havia soldados atenienses que atacaram os troianos. Por isso, é o cavalo de troia é considerado um presente de grego, isto é, uma armadilha dada ao inimigo.
Mas, destaque-se que um dos objetivos centrais da política externa dos Estados Unidos é conter o avanço da China na tecnologia de 5G.
A ironia é que os Estados Unidos, também, possuem legislação com capacidade de obrigar as empresas de tecnologia a colaborem com os seus serviços de inteligência nacional, bem como com o Departamento de Defesa. Além disto, há capacidade extraordinária da National Security Agency para interceptar comunicações em qualquer lugar do globo, bem como para realizar espionagem eletrônica contra qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Conforme explica o economista norte-americano Jeffrey Sachs: “Ironicamente, embora previsivelmente, as reclamações do EUA refletem em parte as próprias atividades de vigilância da América em casa e fora. O equipamento chinês da Huawei poderá tornar mais difícil a vigilância secreta pelo governo americano. Mas, uma vigilância ilegítima por qualquer governo deveria acabar. O monitoramento independente pela Organização das Nações Unidas (ONU) para restringir essas atividades deveria se tornar parte do sistema global de telecomunicações. Em resumo, deveríamos escolher a diplomacia e as salvaguardas institucionais e não uma guerra tecnológica”.[3]
Em resumo, a tecnologia de 5G está diretamente relacionada à capacidade de coleta de sinais de inteligência pelos governos. Este método de inteligência refere-se à extração de dados, por hardware, software, redes de internet, redes de telecomunicações, cabos submarinos, satélites, celulares, televisores, dispositivos eletrônicos. Os Estados Unidos tem esta capacidade de coletar sinais de inteligência, conforme demonstra o histórico da National Security Inteligence (NSA). Além disto, por ora, os Estados Unidos é o país líder global na tecnologia de microchips, insumos essenciais à tecnologia das áreas centrais e periféricas da rede de 5G. A Huawei detém a tecnologia de 5G tanto das áreas centrais quanto das periféricas. As outras empresas concorrentes são a Ericcson e a Nokia. Ora, a empresa e/ou agência de inteligência com capacidade de coletar de sinais de inteligência detém a capacidade de extração de dados, infiltração de dispositivos de espionagem eletrônica, análise de dados, descriptografia de dados e armazenamento de dados, bem como capacidade para a retenção e deletar os dados. Há capacidade para modificar os fluxos de dados transportados pela internet, bem como alterar a rota de tráfego dos pacotes de dados. É o que o governo norte-americano suspeita em relação à China Telecom e à China Mobile, acusadas de desviarem a rota das comunicações norte-americanas para dentro da China. Diante disto, há a proposta de cassação das licenças destas empresas chinesas.
Para os Estados Unidos, a China é considerada um país adversário, pois ameaça a sua liderança global. Logo, a Huawei é classificada uma empresa com ligações com o governo de um país adversário. Ora, para o Brasil a China não é um país adversário, ao contrário há boas relações comerciais entre os dois países. Deste modo, não há, a princípio, razão para se desconfiar da Huawei. Ao contrário, por décadas a Huawei é a principal fornecedora das empresas de telecomunicações no Brasil na tecnologia de 4G.
Mas, outro fator nesta história não devidamente esclarecido. Trata-se do contexto dos Estados Unidos e de aplicação de sua legislação de modo extraterritorial, com o exercício de sua jurisdição quase de modo universal, especialmente se tratando de serviços de inteligência nacional.
A atual política do governo brasileiro de alinhamento automático com o atual governo dos Estados Unidos ignora este fato, algo que prejudicial aos interesses nacionais. Porém, o Estado brasileiro não pode desconhecer esta realidade com potencial de danos colaterais à economia nacional e à segurança nacional do Brasil. A aproximação do Brasil com o atual governo dos Estados Unidos até pode produzir efeitos positivos na economia nacional, mas não é possível ignorar os riscos geopolíticos para o Brasil, sua soberania e sua jurisdição.
Assim, para o Brasil, governo, empresas, cidadãos e instituições brasileiros, há o risco geopolítico de aplicação extraterritorial da legislação norte-americana: Leardership 5G Act (lei sobre a liderança norte-americana no 5G, o que incluiu a definição de padrões técnicos do 5G), Build Act (Better Utilization of Investments Leading to Development Act of 2018[4]), Foreign Intelligence Surveillance Act (FISA, capacidade dos serviços de inteligência dos Estados Unidos realizarem vigilância eletrônica de governos e autoridades estrangeiros e empresas), National Intelligence Law (aplicação pela National Security Agency de medidas de interceptação das comunicações eletrônicas de estrangeiros, bem como requisitar que empresas norte-americanas forneçam dados e metadados dos usuários de aplicativos, redes sociais, infraestruturas de redes de cabos de fibras óticas submarinos e satélites, dentre outros), Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA – requisitos técnicos dos fabricantes de telecomunicações para facilitar a interceptação das comunicações), Cloud Act (Clarifying Lawful Overseas Use of Data Act – autorização para que autoridades norte-americanas acessem ao conteúdo das comunicações privadas armazenadas por por empresas[5]), Cyber Intelligence Sharing and Protection Act, Agriculture Improvement Act of 2018 (incentivos à instalação de internet em áreas rurais, sistema de coleta de dados de plantações, padrões de tecnologia geoespacial, etc.[6]), National Defense Authorization Act (regras de controle da venda de armamentos, bem como de treinamento militar para o Brasil, com a previsão de relatórios da previsão de abusos contra direitos humanos pelas forças de segurança brasileiros), US Patrioct Act (medidas de combate ao terrorismo), Geospatial Data Act (lei que trata das medidas de coleta, processamento, armazenamento de dados geoespaciais)[7], Tratado de Cooperação Internacional de compartilhamento de inteligência (Five Eyes), e Foreign Corrupt Practices (lei anticorrupção dos Estados Unidos com potencial incidência sobre empresas brasileiras[8]), Foreign Investment Risk Review Modernization Act of 2018, Export Control Reform Act of 2018, Lei de Controle de Armamentos[9], entre outras.
Há um rol de inúmeras autoridades de agências federais norte-americanas que podem atuar e impactar os interesses nacionais do Brasil: Presidência dos Estados Unidos, Departamento de Defesa[10], Departamento de Justiça[11], Departamento de Energia[12], National Security Agency (NSA[13]), Central Intelligence Agency (CIA[14]), FBI[15], Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA[16]), National Geospatial-Intelligence Agency (NGA[17]), National Reconnaissance Office (NRO[18]), Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA[19]), Comitte on Foreign Investiment in the United States (CIFUS[20]), Federal Telecomunication Comission[21], Security Exchange Comission, Foreign Intelligence Court[22], Securities on Exchange Comission[23], Bureau of Economic and Business Affairs, Cyber Infrastructure (CISA), Comando Sul das Forças Armadas (U.S South Command[24]), entre outros.
Acredito, também, ser de interesse das empresas de telecomunicações que atuam no Brasil avaliarem os riscos geopolíticos da posição do governo brasileiro em relação à tecnologia de 5G. Qualquer movimento equivocado do governo brasileiro pode comprometer o nível de investimentos em tecnologia de 5G no País. Igualmente, as empresas fornecedoras de tecnologia de 5G para as empresas de telecomunicações devem avaliar estes riscos geopolíticos, relacionados à posição do Brasil. Toda e qualquer empresa com atuação global tem responsabilidade com seus investidores, razão para a necessidade de análise dos riscos políticos, relacionados ao governo do Brasil, dos Estados Unidos e da China, em relação à tecnologia de 5G.
Em resumo, com o domínio da evolução tecnológica, os Estados Unidos possuem a capacidade de acessar dados extra territorialmente, inclusive para fins de extensão de sua jurisdição quase que de modo universal (via serviços de inteligência e/ou outros). Assim, compete ao Brasil, em fundamento em sua soberania, adotar medidas de autodefesa nacional, impedindo-se de se subordinar integralmente à política externa dos Estados Unidos em detrimento dos interesses nacionais brasileiros.
O Brasil tem outras opções geoestratégicas interessantes em relação à tecnologia de 5G que vão além dos Estados Unidos e China. O Brasil poderia firmar parcerias com a União Europeia para incentivar a produção da tecnologia de 5G dentro do território brasileiro, afinal as principais fornecedoras desta tecnologia são europeias. Também, o Brasil poderia realizar parcerias com países asiáticos para o desenvolvimento da tecnologia aqui, como potenciais parceiros: Japão, Coréia do Sul, entre outros. Enfim, o Brasil poderia se tornar um grande líder internacional na tecnologia de 5G se firmar parcerias com parceiros adequados e souber preservar os interesses nacionais, com clara posição de defesa nacional contra espionagem seja dos Estados Unidos ou da China. O Brasil não pode ficar refém dos interesses geoestratégicos dos Estados Unidos e/ou da China ou de qualquer outro país. É fundamental a defesa da soberania nacional, com a afirmação à proteção de dados pessoais e dados não pessoais (dados industriais, dados financeiros, dados comerciais, dados das riquezas nacionais, dados geoespaciais, etc.), bem como a proteção às infraestruturas nacionais digitais críticas essenciais à conectividade do País.
[1] Scorsim, Ericson. A tecnologia de 5G da Huawei nas redes de comunicações: o alvo geoestratégico da lawfare imposta pelos Estados Unidos contra a empresa e China, publicado no Portal: www.direitodacomunicacao.com, 8 de junho de 2020.
[2] A título exemplificativo, a Petrobras recusou-se a fornecer combustível a dois navios cargueiros de bandeira do Irã, sob o fundamento das sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos contra o Irã, através do Office of Foreign Assets Control (OFAC) e da lei Countering America’s Adversaries through Sanctions Act. Um dos navios fazia o transporte de ureia, o outro milho. Os responsáveis pelos navios ingressaram na Justiça brasileira. Ao final, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os navios iranianos não tinham seus nomes na “lista negra” do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, a qual consta os alvos de seus embargos econômicos. Destaque-se que os Estados Unidos em relação ao Irã utiliza mecanismos de lawfare, isto é, utiliza de sua legislação para alcançar objetivos estratégicos semelhantes aos resultados de uma guerra. Em outro caso, a Petrobras, acusada de ter violado Foreign Corrupt Practices, fez acordo com o Departamento de Justiça dos EUA. Neste acordo, a empresa ficou proibida de invocar a cláusula de soberania nacional, a fim de descumprir o acordo.
[3] Sachs, Jeffrey. A guerra contra a tecnologia chinesa. Valor Econômico, 14 de 15 de novembro de 2019.
[4] Lei que autoriza o governo norte-americano a financiar atividades de interesses norte-americanos no exterior. O Embaixador norte-americano no Brasil afirmou a possibilidade de se utilizar o Build Act para o financiamento da tecnologia 5G no Brasil, condicionando-se a imposição de proibição da participação da Huawei.
[5] Por exemplo, acesso por autoridades norte-americanas a conteúdo de e-mails, redes sociais e/ou aplicativos armazenados em servidores no exterior.
[6] Risco de potencial coleta de dados da agricultura brasileira pelas agências federais norte-americanas.
[7] Potencial de coleta de dados geoespaciais do território brasileiro por agências federais norte-americanas.
[8] A Foreign Corrupt Practices Act prevê punição a qualquer empresa que se utilize infraestrutura dos Estados Unidos (sistema bancário ou de comunicações) para pagar propina a agentes públicos. E, a título de referência histórica, nas últimas décadas, empresas brasileiras vivenciaram período de ascensão com obras de infraestruturas na América Latina. Porém, foram abatidas pelas investigações da Lava Jato. O professor de Harvard Mattew Stepheson nega a hipótese de utilização geopolítica da FCPA pelos Estados Unidos. Mas, fica a suspeita sobre a instrumentalização da FCPA para fins geopolíticos dos EUA. Ver: Kall, Kevin, Herdy, Thiago e Amado Guilherme, Ex-diplomata revela a visão dos Estados Unidos sobre a Laja Jato e projeto de poder do PT. Revista Época, de 8 de julho de 2019. Além disto, Congressistas democratas norte-americanas questionaram em carta ao Departamento de Justiça a colaboração de autoridades americanas com autoridades brasileiras, no âmbito das investigações da Lava Jato.
[9] O atual governo do Presidente Jair Messias Bolsonaro tem incentivado a instalação de fábricas de armamentos no Brasil, razão pela qual tem flexibilização da legislação. Agora, em se tratando de empresas norte-americanas que vierem a se instalar aqui, há a potencial aplicação da legislação norte-americana de controle de exportação e transferência de armamentos. A propósito, o National Defense Authorization Act dispõe sobre a avaliação do impacto de equipamentos e treinamentos militares dos Estados Unidos para as forças de segurança do Brasil e os riscos de abusos contra direitos humanos. E, ainda, a título ilustrativo, o Wassenaar Arrangement Agreeement trata do controle de exportações de armas e produtos e tecnologias denominadas dual-use. O objetivo do acordo é contribuir com a segurança e estabilidade regional e internacional dos países. Os Estados Unidos fazem parte deste tratado, porém o Brasil não.
[10] Autoridade responsável pela segurança nacional dos Estados Unidos.
[11] Capacidade para investigar empresas brasileiras acusadas de terem cometidos crimes na perspectiva da lei norte-americana.
[12] Com capacidade para mapear a capacidade energética do Brasil.
[13] Agência de Segurança Nacional com capacidade de vigilância eletrônica e interceptação das comunicações eletrônicas em qualquer lugar do globo.
[14] Agência de Inteligência com capacidade para promover ações encobertas, em redes sociais, aplicativos, etc.
[15] Agência federal responsável pela investigação de crimes federais.
[16] Agência desenvolvedora de produtos de inteligência e de defesa.
[17] Com capacidade por satélites de coletar imagens de terra, mar e espaço aéreo.
[18] Com capacidade de reconhecimento de navios, aviões, objetos, superfícies, veículos, instalações, etc.
[19] Com capacidade por satélites de promover “varreduras” por imagens do mar territorial brasileiro, o que aconteceu naquele episódio de derramamento de petróleo em praias brasileiras.
[20] Agência federal para avaliar investimentos estrangeiros nos Estados Unidos.
[21] Agência federal de telecomunicações.
[22] Corte Federal responsável por avaliar pedidos de vigilância eletrônica de estrangeiro.
[23] Agência federal responsável pela fiscalização das transações de títulos mobiliários (ações em bolsa e outros ativos).
[24] No U.S Command South foi indicado um general brasileiro para fazer parte deste Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos. A propósito, vídeo recente no U.S South Command atestou a subordinação de General brasileiro ao comando de General dos Estados Unidos. No episódio narra a colaboração da autoridade brasileira no combate ao narcotráfico, juntamente com os Estados Unidos.
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