Análise
Reforma do Estado brasileiro demanda a reforma do exército e demais corporações militares para o bem do Estado Democrático de Direito
Nas últimas semanas a mídia brasileira noticiou o presidente da república em palanque com um general do exército. O exército após abrir um processo administrativo decidiu por não punir o general, ao arrepio do regulamento disciplinar da instituição. O resultado foi inquérito classificado como sigilo por 100 (cem) anos. Este fato desencadeou um movimento nacional de alerta para as instituições democráticas quanto aos riscos de indisciplina e insubordinação militar. Afinal, o exército é uma corporação militar dedicada ao Brasil ou aos próprios membros? Que tipo de corporação militar é esta? Atende apenas a fins pessoais ou serve ao interesse público nacional? A partir deste contexto, analisam-se as relações civis e militares.
A análise é feita a partir da famigerada reforma do Estado divulgada como uma das soluções a redução das despesas públicas com o pagamento de remunerações e pensões. O alvo são os funcionários públicos civis. Tempos atrás, o Ministro da Economia Paulo Guedes declarou que os funcionários públicos civis são parasitas. Ora, há evidentemente uma campanha oficial e perante a sociedade para estigmatizar funcionários públicos civis, degradando-se esta carreira de estado. Diante disto, fica a pergunta: o porquê do tratamento discriminatório contra servidores civis?
Diferentemente, os militares têm um tratamento preferencial neste governo. Houve o aumento de sua remuneração e privilégios especiais. Não seriam os militares também parasitas do erário nos termos da declaração do Ministro Paulo Guedes? Aliás, há o maior número de militares neste governo desde os regimes militares que causaram a ruptura com a democracia. Os militares aumentaram sua influência política no governo e perante a sociedade. Alguns participam do governo, outros sobem em palanques ao lado do presidente da república.
Em outro lugar, escrevi sobre a necessidade da sociedade brasileira urgentemente acordar para a falta de efetivação do controle civil sobre as forças armadas, especialmente sobre o exército. Ver: Neomilitarismo e governo do Brasil, Abusos de poder militar e de influência por agentes do exército: medidas de contenção dos abusos em garantia da democracia, perda de cargo e patente de general por prática de atos anti-democráticos contra o Brasil, publicados no Portal Direito da Comunicação.
Esta falta de controle civil implica em riscos de práticas de atos anti-democráticos, com o apoio de alguns membros do exército. Em países de democracia avançada está enraizado o princípio do controle civil das forças armadas, com a contenção da influência dos militares na política doméstica. No Brasil, diante diversos atos inadequados da parte de alguns militares, o Congresso Nacional está propondo uma proposta de emenda constitucional para proibir a participação de militares no governo. Mas, precisamos avançar muito mais no tema. Vamos imaginar que um candidato a presidente receba o apoio das forças armadas. Após, eleito em contrapartida ao apoio eleitoral recebido, decide por nomear militares para seu governo. Ao que parece, esta prática política é ilegítima, imoral e antidemocrática. Aliás, ao que tudo indica como se diz na gíria popular o buraco é mais embaixo.
O estudioso Francisco Teixeira aponta para a politização dos quartéis, mas sua preocupação central é com as polícias militares, milícias e grupos privados de segurança armada, conforme entrevista ao jornal Valor Econômico, na data de 7.6.2021. Na visão do analista estes grupos militares e paramilitares representam a massa de manobra do presidente da república em seu projeto de poder pessoal político-eleitoral. Alerta o analista que se houver um risco de golpe este é representado pelas polícias militares e por grupos privados. Ou seja, há sintomas graves de riscos de politização das forças armadas e polícias militares, com riscos de insubordinação e quebra da hierarquia.
Em síntese, há o risco de formação de vários “partidos fardados” por diversos pontos do território brasileiro, com riscos flagrantes à democracia.
Advogo pela afirmação do Estado Democrático de Direito e, neste contexto, a formatação de um exército com educação constitucional, democrática e profissional. Deste modo, acredito que o próprio tamanho do exército deve ser repensado em tempos de paz. Com as novas tecnologias militares é possível ter-se um exército menor, mais eficiente e altamente capacitado. Assim, evita-se que os quartéis tornem-se o palco eleitoral para a difusão de candidaturas de militares e/ou apoiadas por militares. Outro aspecto é em relação ao custo de manutenção do exército em tempos de paz. Assim, é importante a conscientização da sociedade civil quanto à manutenção de uma força armada em tempos de paz. Afinal, é o povo, através do pagamento de impostos, quem paga as despesas do exército. Aliás, em tempos de pandemia, mostrou-se a inutilidade da força armada.
Em situações graves de ameaça à saúde pública, o país mais de médicos, enfermeiros, hospitais e profissionais de saúde do que militares. Por isso, é importante a readequação do exército, com a instalação de unidades menores mais profissionalizadas e com tecnologias avançadas, com capacidade de deslocamento imediata. Aliás, atualmente, em países avançados é comum a utilização de veículos autônomos não tripulados, robôs e armamentos inteligentes no teatro de batalha. Infelizmente, o exército está sendo capturado politicamente para fins políticos-eleitorais, algo nocivo à democracia. Este é um sintoma do subdesenvolvimento institucional. De nada adianta o governo querer ingressar em OCDE, com este tipo de prática de instrumentalização do exército. O abuso do poder presidencial quanto à instrumentalização do exército para fins políticos-eleitorais deve ser objeto de repulsa pela sociedade civil brasileira organizada. Este é um exemplo de liderança presidencial tóxica a ser repudiado.
Assim como militares cúmplices com este tipo de prática presidencial merecem todo o repúdio da sociedade civil organizada. É oportuno o debate sobre a reforma do exército, de modo a conter a influência política, bem como sobre sua vinculação estreita ao Estado Democrático de Direito. Afinal, a corporação militar não está acima da Constituição, da Lei e da Ética Militar. Precisamos reformar o Estado, sim, a começar pelo estado militar, especialmente a reforma do exército e das demais corporações militares.
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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.
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