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Responsabilidade institucional do Congresso Nacional na contenção de abuso presidencial. A proteção ao princípio democrático, independência do Poderes Legislativo e Judiciário e à integridade do sistema eleitoral

por Ericson Scorsim

jul 19, 2021

Nas últimas semanas assistimos a um descalabro em declarações do Presidente da República no sentido de em 2022 de ameaçar e que poderá não haver eleições, bem como insinuações de que houve fraudes em eleições passadas. Além disto, o Presidente da República ofendeu pessoalmente um Ministro do Supremo Tribunal Federal.  

O Ministro Luis Barroso, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral declarou que impedir a realização de eleições é um crime de responsabilidade. Para agravar o quadro, o Ministério da Defesa buscou intimidar o Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga aquisições irregulares de vacinas, bem como a falta de vacinas no país. Todos estes gravíssimos fatos sinalizam para um estado de alerta máxima para o Congresso Nacional quanto à sua mobilização em defesa da democracia e das instituições democráticas.

Há pelo Presidente da República a tentativa desmoralização do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, as instâncias finais garantidoras da democracia. E o que é pior tudo isto mediante a politização das Forças Armadas, as quais diversos de seus integrantes integram o governo civil, em número maior do que no regime de ditadura militar. O Presidente Bolsolini inaugurou uma mobilização popular via “motociatas”. Aqui, é importante a análise histórica. Na França, foi criado este tipo de movimento denominado “moblots”, isto é, integrantes que pertencem à guarda móvel, atualmente polícia rodoviária, posteriormente foram incorporados à guarda nacional.[1] Neste aspecto, é importante a investigação para identificação dos participantes deste ato público, para apurar se há agentes públicos envolvidos ou não. É importante a transparência quanto ao tipo de apoio público, no qual está envolvido o Presidente da República.

Por isso, é fundamental que o Congresso, por intermédio de deputados e senadores, respondam firmemente à altura de seu compromisso com a Constituição da República. Não é admissível em um país democrático tolerar-se abusos contra as instituições vigentes. Está em andamento um processo de corrosão democrática capitaneado pela liderança tóxica do Presidente da República. É preciso impor os limites constitucionais aos desvios de função do governante de plantão.

Neste contexto, é fundamental a participação do Ministério Público Federal para fiscalização das regras do jogo democrático, para coibir abusos praticados pelos governantes. Registre-se que no início de janeiro deste ano Donald Trump buscou dar um golpe ao impedir a posse de Joe Biden, em apoio a atos de invasão do capitólio, estimulando-se movimento de extremistas. Diversos criminosos foram presos e investigados. Especialistas, dentre eles: o professor Robert Pape mostra o perfil dos extremistas de direita: brancos, classe média, empresários e profissionais liberais. Há um Departamento de Ciência Política na Universidade de Chicago que estuda violência política (núcleo segurança e ameaça) durante o período do governo Trump e que traçou o perfil dos extremistas.

O Congresso norte-americano chegou a abrir processo de impeachment para apurar a responsabilidade do ex-Presidente Donald Trump no episódio, inclusive para cassar seus direitos políticos. A Câmara dos Deputados concluiu pela responsabilidade presidencial e pela cassação dos direitos políticos. No entanto, o Senado em decisão política absolveu o ex-Presidente. Por outro lado, o atual governo do Presidente Joe Biden, através do Departamento de Justiça, está monitorando os movimentos extremistas dentro dos Estados Unidos e sua participação na política doméstica. O Presidente da República Bolsolini inspira-se em táticas políticas de seu ídolo político norte-americano. Já adiantou, como referido acima, que poderá não haverá eleições em 2022. Como é notório, há diversos pedidos de impeachment contra o Presidente Bolsolini. Mas, a Câmara de Deputados tem se recusado a abrir as investigações.

Há razões muitíssimos mais graves para a abertura de um impeachment devido de graves condutas presidenciais dolosas e culposas cometidas em relação ao enfrentamento da pandemia do coranavírus. Em 2016, o Congresso, por razões menores, declarou o impeachment da ex-Presidenta Dilma Roussef. Precisamos saber que o Congresso adotará dois pesos e duas medidas neste caso atual. Se o Congresso adotar um duplo padrão de julgamento em processo de impeachment, então é um sinal de retrocesso democrático. Em um caso condena (por uma razão mais fraca), em outro caso absolve e sequer julga (sendo que há mais fatos gravíssimos). Vamos ver se o órgão legislativo está à altura do desafio democrático de proteção das instituições ou se covardemente diminuir a sua responsabilidade institucional de contenção de abusos presidencial.  

Enfim, há sérios riscos institucionais de golpe presidencial contra o sistema democrático e eleitoral. Por isso, o Congresso Nacional deve adotar táticas para prevenir, conter, impedir e reprimir qualquer tipo de ameaça ao Estado Democrático de Direito. Também, é importante que o Congresso começa a debater as hipóteses de cassação de direitos políticos por abuso de poder presidencial contra a democracia. Igualmente, o Congresso deve iniciar o debate sobre as hipóteses de cassação de direitos políticos e militares e ex-militares, a fim de evitar que “partidos fardados” dominem o cenário da política doméstica.

O melhor antídoto para a cura das patologias políticas dos abusos presidenciais é a prevenção, contenção e repressão de atos de liderança tóxica.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.


[1] Sobre o tema, ver: Courbin, Alain e outros. História da virilidade. O triunfo da virilidade. O século XIX. Petrópolis, Editora Vozes.P. 239