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Guerra na Ucrânia e as infraestruturas de comunicações. Algumas lições da tragédia para o Brasil

por Ericson Scorsim

mar 10, 2022

No jogo geopolítico entre Rússia, OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e Estados Unidos surgiu a maior vítima: o povo da Ucrânia.[1] A guerra iniciada por Putin agrediu a soberania da Ucrânia. O objetivo geoestratégico de Putin é conquistar a região leste da Ucrânia e o acesso ao Mar e, indiretamente, contar a expansão da OTAN na região.

Na versão de Presidente Putin da Rússia, a OTAN avança em áreas de influência da Rússia, por isto a necessidade de contenção, mediante a guerra. Outra motivação oculta é que o possível sucesso econômico e democrático da Ucrânia pode incentivar ao povo da Rússia para promover mudanças em seu sistema político.  A Rússia quer expandir sua influência sobre a Europa e a Ásia. Como armas geoeconômicas, a Rússia mantém em estado de dependência para seu óleo e gás a Europa, principalmente a Alemanha (recebe aproximadamente 40% – quarenta por cento do gás russo).

Os Estados Unidos dependem apenas 10% (dez por cento) do gás russo. O Presidente Binden dos Estados Unidos anunciou a suspensão da importação do gás da Rússia. A Rússia quer dominar áreas geográficas da Ucrânia e as infraestruturas de conectividade: portos e as redes de gasodutos, um atentado à soberania da Ucrânia. Os Estados Unidos têm contribuído com o compartilhamento de inteligência militar com a Ucrânia, bem como no treinamento de militares ucranianos, resistência civil da população e fornecimento de armas.  Diversos países anunciaram uma série de sanções econômicas contra a Rússia. Empresas globais também anunciaram inúmeras medidas para suspender negócios na Rússia.

Neste cenário de guerra entre Rússia e Ucrânia mostra-se algumas reflexões sobre as infraestruturas de comunicações e o impacto da guerra. Usualmente, alvos militares são portos, aeroportos, refinarias, instalações militares, indústria bélica, instalações nucleares, entre outros. Mas, também, as infraestruturas de comunicações podem, também, ser qualificadas como alvos militares. As infraestruturas de internet, telecomunicações e radiodifusão são essenciais para as comunicações de um país.

 Estas infraestruturas de comunicações são consideradas dual-use, isto é, têm funções civis e militares. Também, servem para a coleta de sinais de inteligência militar.  Por isto, no contexto de guerra, estas infraestruturas de comunicações podem ser consideradas como alvos militares. Deste modo, torres de telecomunicações, redes de fibras óticas, redes de cabos submarinos, satélites, entre outros, podem ser objeto de operações militares.  Sistemas de comando e controle das comunicações militares dependem do acesso ao espectro de radiofrequências. Estas podem ser alvo de operações militares para fins de disrupção do sistema de comunicação militar. Além disto, no contexto de guerras híbridas, operações cibernéticas podem causar a disrupção dos sistemas de comunicações.  Operações cibernéticas podem comprometer os sistemas de comunicações da população, dos sistemas de comando e controle das comunicações militares e inclusive os sistemas de comando e controle dos sistemas de armas nucleares e das usinas nucleares.

Estes temas são abordados em dois livros de minha autoria: Jogo geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o impacto no Brasil e Geopolítica das Comunicações, ambos de edição autoral, publicado na Amazon.

Por outro lado, Elon Musk da Star Link ofereceu sinal de internet por satélite para a Ucrânia, mediante a entrega de terminais terrestres para acessar aos sinais de telecomunicações. Este ato produz dois riscos. Primeiro, o terminal de acesso à internet pode ser geolocalizado e rastreado pelas forças militares russas e, assim, ser considerado um alvo militar. Segundo, o próprio satélite pode se tornar um alvo das forças russas e, assim, objeto de disrupção e/ou destruição. Também, a utilização de drones, os quais utilizam a faixa de radiofrequências, para produzir inteligência militar e atacar alvos russos, pode ser objeto de geolocalização. Forças militares russas têm derrubados sites governamentais da Ucrânia. Registre-se que a disrupção do sistema de comunicações impede o acesso aos serviços de emergência na Ucrânia, em prejuízos ao socorro aos feridos de guerra. Especialistas debatem a respeito se um ataque cibernético pela Rússia a um país membro da OTAN seria considerado um ato de guerra.

Os especialistas entendem que se o ataque militar for significativo, então a operação cibernética seria qualificada como um ato de guerra. Outro tema é a utilização de redes sociais em campanhas de desinformação da população, com a disseminação de notícias falsas. Operações de desinformação, de influência e psicológica são utilizadas pelas forças russas em larga escala. Um dos primeiro alvos das operações militares é a infraestrutura associada à cognição da população. Por isto, as redes sociais são, também, alvos militares. A reputação dos líderes é objeto de campanhas de difamação online, bem como há medidas para sabotar a economia do País. No tema da mídia, a Rússia adotou legislação para controlar a informação divulgada pela mídia russa e redes sociais.

Outros países baniram a divulgação de informações por agências de mídia estatais da Rússia. A manipulação da opinião da pública é um dos objetivos da guerra e manipulação dos fatos e da verdade, isto é, a guerra informacional e o controle das narrativas divulgadas dentro do seu território e para o mundo.

Resumindo-se: o Brasil tem muito a aprender a trágica guerra entre Ucrânia e Rússia. Algumas lições. Primeira, é a aprendizagem é a percepção da essencialidade da infraestrutura de comunicações à economia do País e a sociedade.  Segunda, é o fortalecimento da segurança cibernética do País, especialmente a segurança cibernética das infraestruturas de redes de comunicações. Também, o Brasil deve se engajar mais internacionalmente para a aprovação de normas de responsabilidade cibernéticas pelos países.   Terceira, a percepção do impacto da campanhas de desinformação realizadas em redes sociais e os riscos à democracia, com os riscos à dimensão cognitiva da população. Quarta, o objetivo geoeconômico para redução da dependência geoeconômica do País com os fertilizantes oriundos da Rússia (cerca de 90% – noventa por cento). Quinta, a demanda por inovações no setor de defesa, especialmente com as tecnologias emergentes.  Sexta, a necessidade de reforço à integridade do sistema democrático e a integridade do sistema eleitoral contra operações de influência, psicológicas e de desinformação com objetivo de manipular a vontade política.

** Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil, Amazon. Autor do livro Geopolítica das Comunicações, Amazon.


[1] O Estado do Paraná tem uma das maiores comunidades ucranianas do Brasil. Por isto, a nossa solidariedade com o povo da Ucrânia, vítima da agressão causada pelo Presidente Putin da Rússia.

Crédito de Imagem: Olhar Digital