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A infeliz visão do Brasil através do retrovisor histórico. Breve diferenciação entre regime democrático e autoritário

por Ericson Scorsim

mar 31, 2020

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.

Para quem não sabe ou finge ignorar há uma distinção básica entre regime democrático e regime autoritário.

No regime democrático, vigora o princípio da soberania popular expressada no voto, mediante eleições livres e periódicas. Também, há  a separação nuclear entre o princípio do governo civil e a subordinação das Forças Armadas à Constituição Federal. Existe, também, a diferenciação entre a Presidência da República e as Forças Armadas. Há mandatos públicos que expressam a vontade popular. Vige, também, o princípio da estrita legalidade, aonde o Parlamento define as regras do jogo, com a participação do Presidente da República. Em regime democrático, não se deve falar em atos institucionais, atos de vontade ou atos de vontade arbitrária pessoal.

A Constituição e a lei são os verdadeiros comandantes da nação. A ambição de poder, algo às vezes maquiavélico, perverso e diabólico, é freada pela Constituição da República. No regime democrático, há o império da lei e não o da arma.  Aliás, as armas de fogo no momento da pandemia do coronavírus não inúteis.  Homens fracos valem-se de armas e de discursos sobre armas. Em vigorosas democracias, as palavras são as únicas armas para conquistar a mente e o coração dos cidadãos. No regime democrático, há o império das liberdades, liberdades políticas e o respeito à liberdade de expressão, informação e comunicação e liberdade de imprensa. Regimes autoritários têm como foco repressão e utilização de força, para manter a fórceps a coesão social, corroída crises.

A utilização da força armada para conter conflitos sociais é a maior prova da fraqueza de um País.

Em regimes democráticos, a vontade popular expressa na eleição do Presidente é respeitada. Em regimes antidemocráticos aí sim ocorre a destituição de Presidentes sob o pretexto de ameaça de comunismo, inclusive com apoio de outros países. Em regimes democráticos, torturas e execuções sumárias são crimes devidamente apurados e condenados os responsáveis. Em regimes democráticos, a soberania popular é o fiel da balança, sendo a representação da nação. Uma mera instituição corporativa, ainda que dedicada à defesa nacional, tem seus interesses corporativos que não necessariamente coincidem com o interesse nacional.

Em regimes realmente democráticos, o Ministério da Defesa é ocupado por civis. Em regimes democráticos, não há politização das Forças Armadas, os limites institucionais, a hierarquia, a unidade e a lealdade à Constituição devem vigorar sobre relações pessoais. Em regimes democráticos, a soberania nacional é o pilar central de organização estatal. O Estado, o governo e suas respectivas instituições devem servir ao povo. Acordos de cooperação internacional com outros países ou a alienação de patrimônio público não podem servir para entregar o Brasil para países estrangeiros.

Assim, o alinhamento automático do Brasil com os Estados Unidos na área militar é deveras preocupante diante da soberania nacional, tema que deve ser melhor aprofundado diante da Constituição e controlado pelo Congresso Nacional. Na democracia, deve valer as razões republicanas e não meras palavras de ordem e retóricas baseadas em moralismo perverso, invocando-se de modo profano as figuras religiosas. Enfim, o diálogo institucional e a política são os medicamentos para manter a saúde da democracia. Infelizmente, vivemos em era de culto à personalidade autoritária, em detrimento das instituições democráticas; mas a cegueira cobrará seu preço histórico. A insanidade da liderança gera o alto risco de autodestruição mútua, principalmente de um País, algo intolerável no ambiente democrático. E, ainda, a visão do Brasil, através do retrovisor, daquele do “movimento de 64” como denominam alguns é grave retrocesso.

O ano de 2020 e vindouros requer novas lideranças à altura dos desafios e do tamanho do Brasil, com visão do presente, para revolver a grave crise econômica e da saúde pública, e que represente uma visão do futuro de união dos brasileiros. O Brasil será grande se suas autoridades assumirem de fato e de direito a responsabilidade para com a liderança do interesse nacional, para além de interesse de alguns, não se escolhendo nas urnas líderes pequenos.

A propósito, a frase publicada no site do Ministério da Defesa, referente à Ordem do Dia Alusiva aos 31 de março de 1964, deveria ser refeita, em respeito à história nacional e ao povo brasileiro, para os seguintes dizeres: “O Movimento de 1964 foi um marco negativo para democracia brasileira”. Caso não refeito a declaração, a dinâmica da história demonstrará a perda da legitimidade institucional dos grupos armados e correlatos.

O Brasil somente caminhará para frente se aprender com os erros do seu passado, justamente para evitar cometer os mesmos erros históricos, tendo a visão do presente e do futuro, com ações práticas para superar a grave crise nacional na saúde pública e na economia.  No ambiente democrático saudável, a Pátria é construída e mantida pela solidez da cidadania e da soberania popular.