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Geopolítica entre Estados Unidos, China e Brasil na crise da saúde pública por causa do coronavírus: questões industriais, de comércio exterior, tecnológicas e de segurança nacional

por Ericson Scorsim

maio 15, 2020

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.

 

A crise de emergência no setor da saúde pública, devido à pandemia do coronavírus, merece a necessária reflexão. Há diversas questões inter-relacionadas, desde a própria saúde pública a industrial, o comércio internacional de remédios e equipamentos médicos, tecnologias de vigilância sanitária e a proteção à privacidade dos dados pessoais, segurança nacional, entre outras.

A crise emergencial na saúde pública

Primeiro, a questão da saúde pública.  Há o impacto da crise no setor da saúde pública, mostrando-se a vulnerabilidade do Brasil, em relação às infraestruturas hospitalares (leitos de UTI e respiradores mecânicos), falta de insumos para testes laboratoriais para detectar o coronavírus,  falta de equipamentos de proteção individual (máscaras, luvas, roupas) dos profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, equipes de limpeza, etc).  A crise mostra a vulnerabilidade das infraestruturas de atendimento à saúde, bem como a vulnerabilidade da dependência do País em relação a medicamentos e equipamentos importados.

Segundo, a questão industrial. A desindustrialização nacional em relação à fabricação de medicamentos, reagentes químicos para testes laboratoriais. O Brasil posicionou-se como um mero importador de produtos e equipamentos de outros países no setor da saúde.  Esta questão não é de responsabilidade do governo atual, mas de governos anteriores que descuidaram da proteção e dos incentivos à indústria nacional. O quadro atual demonstra a dependência do Brasil da importação de medicamentos, máscaras, ventiladores mecânicos, entre outros equipamentos de proteção, trazidos da China. É evidente a impossibilidade de qualquer país no mundo ser a autossuficiência na questão da produção de medicamentos e equipamentos médico-hospitalares. Porém, é possível a redução da vulnerabilidade do Brasil em relação à cadeia global de suprimentos (supply chain), mediante a diversificação da matriz de fornecedores.  Em relação aos medicamentos, especialmente aqueles destinados aos pacientes com doenças crônicas há a dependência em relação à Índia.[1] Este problema é comum ao Brasil e os Estados Unidos, o qual também depende de produtos e equipamentos provenientes da China e medicamentação da Índia. Os Estados Unidos, diferentemente do Brasil, conta com mecanismos institucionais, para buscar a mitigação da dependência com a China no setor industrial (medicamentos e equipamentos médicos). Ao menos, nos Estados Unidos, já existem diagnósticos avançados sobre o tema com recomendações, ainda que não implementadas. Na crise da pandemia, os Estados Unidos encaminharam aviões cargueiros para buscar medicamentos, máscaras e ventiladores mecânicos da China. Portanto, os Estados Unidos utilizaram seu poder econômico para se adiantar na aquisição de insumos necessários ao combate ao coronavírus, diante de outros países, afinal America First. Alguns até acusaram os Estados Unidos de terem retido equipamentos destinados a outros países. Mas, os Estados Unidos negaram as acusações. Apesar de existirem diversos mecanismos em proteção à saúde, bem como disponibilidade de recursos, os Estados Unidos e sua população mostraram-se extremamente vulneráveis à pandemia do coronavírus, inclusive no setor de suprimento de alimentos.

Comércio internacional de medicamentos e equipamentos médicos

Terceiro, a questão do comércio exterior. O Brasil tornou-se um país dependente de importações de produtos e equipamentos produzidos por terceiros. Recentemente, o governo federal reduziu as tarifas para importação de produtos necessários ao combate do coronavírus.  A Europa, por exemplo, anunciou medidas para controlar a exportação de equipamentos de proteção médica, mediante a necessária de prévias autorizações.[2] O Banco Mundial sugeriu algumas medidas para a gestão de risco em relação à cadeia suprimentos nas medidas de combate à pandemia do coronavírus, para facilitar o comércio exterior.[3] Em abril, o Brasil, também, adotou uma lei para impedir a exportação de produtos e equipamentos médico-hospitalares relacionados ao combate do coronavírus.[4]

Controle Nacional de Medicamentos e Equipamentos Médicos

Quarto, a questão do controle do estoque nacional de medicamentos, biofármacos e  equipamentos médico-hospitalares. Nos Estados Unidos, há, por exemplo, o Strategic National Stockpile, órgão responsável pelo suprimento de remédios, vacinas e produtos biológicos. Este órgão foi criado após os ataques terroristas aos Estados Unidos, para fins de proteção à saúde pública diante do risco de ataques bioterroristas. Apesar da existência desta agência federal, os órgãos relacionados ao governo dos Estados Unidos não possuíam estoques suficientes de máscaras e equipamentos de proteção aos profissionais da saúde e à população em geral. Também, os Estados Unidos possuem a legislação denominada Drug Quality and Security Act (DQSA), o qual possibilita o controle governamental, mediante o rastreamento dos medicamentos. O objetivo é controlar a cadeia logística de suprimento de produtos farmacêuticos. E, ainda, a lei denominada Coronavirus Aid, Relief, and Economic Security Act ou Cares Act trata das medidas parar  monitorar a segurança na cadeia de suprimentos, especialmente para verificar a dependência dos Estados Unidos, tanto o setor governamental quanto o setor privado, de medicamentos críticos que originários de fonte ou seja produzidos fora dos Estados Unidos. Assim, o Secretário de Saúde deve apresentar relatório sobre sobre a segurança dos Estados Unidos quanto à cadeia de suprimento de produtos médicos/hospitalares, bem como recomendações para enfrentar as vulnerabilidades na cadeia de suprimentos ou potencial de disrupção que possam ameaçar a saúde pública ou segurança nacional e as medidas para fortalecer a fabricação doméstica dos equipamentos médicos, inclusive considerando-se os impactos econômicos. Na referida lei, atribui-se a responsabilidade ao National Stockpile para incluir novos produtos médicos em sua lista, como os equipamentos de proteção aos profissionais da saúde e testes laboratoriais.

Tecnologias no setor da saúde: a prevenção de doenças, monitoramento de riscos da epidemia e tratamento à saúde.

Quinto, a questão das tecnologias no setor da saúde. Os Estados Unidos aprovaram a lei denominada Coronavirus Aid, Relief, and Economic Security Act ou Cares Act. Dentre as medidas aprovadas, há a alocação de recursos para o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention – CDC) de, no mínimo, $ 500.000.000 (quinhentos milhões de dólares), de que esta quantia seja utilizada em serviços de detecção e resposta emergencial ao Coronavírus. E, desta quantia, os recursos devem ser aplicados para os serviços de vigilância de dados da saúde pública e modernização da infraestrutura de análise. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças deve informar ao Congresso norte-americano o desenvolvimento das medidas de vigilância na saúde pública, bem como os sistemas de coleta de dados relacionados ao coronavírus no prazo de 30 (trinta) dias da publicação da lei. O tema tornou-se um nicho para empresas de tecnologias especializadas no setor da saúde pública que oferecem aplicações de monitoramento, prevenção, detecção e controle da disseminação da epidemia do coronavírus. Mas, ao mesmo tempo, há a preocupação quanto aos limites para aplicação destas tecnologias, em respeito aos direitos à privacidade e confidencialidade das comunicações dos cidadãos e consumidores. De fato, há na lei menção às regras de proteção às informações pessoais sobre saúde dos pacientes. Além disto, há medidas para incentivar os serviços de telemedicina. A propósito, a Federal Communication Comission contém um programa de apoio à liberação de frequências para a utilização em serviços de telemedicina.  Com efeito, os serviços de telemedicina tem grande potencial de extensão dos serviços de atendimento à saúde, de modo remoto, inclusive ensejam a criação de novos modelos de negócios, baseadas na construção de infraestruturas digitais adequadas à realização deste serviço de atendimento ao público. Como ponto de atenção, a questão da proteção à privacidade dos dados dos pacientes, para evitar o risco de exposição indevida de dados pessoais.

A saúde pública e a segurança nacional

Sexto, a questão da segurança nacional. Ao que tudo indica, será fundamental em futuro próximo o debate sobre a biodefesa nacional, isto é, um conjunto de medidas em proteção à saúde pública nacional em hipóteses de pandemias e desastres naturais.  Neste aspecto, a segurança nacional está associada também à saúde pública nacional.  Alguns especialistas sugerem a realocação de recursos do setor de defesa para o setor da saúde pública. Neste tema da conexão entre saúde pública e saúde nacional, os Estados Unidos já contam com legislação mais avançada sobre o tema, comparando-se ao Brasil. Há inclusive projetos de lei norte-americanos que atribuem a responsabilidade à agência federal sobre alimentos e medicamentos (FDA) para controlar o estoque nacional de produtos, medicamentos e equipamentos no setor da saúde pública. Portanto, de lege ferenda, é importante atualizar a legislação brasileira neste aspecto. Em especial, é importante a atuação coordenada da Federação brasileira (governos federal, estaduais e municipais), em medidas de prevenção à pandemia do coronavírus, bem como de sincronização das medidas de política pública de vigilância sanitária.

Conclusões

A pandemia global do coronavírus representa forte abalo na liderança global dos Estados Unidos, o país sairá com o maior número de mortes.  Mas, a China será ainda o maior fornecedor global de medicamentos e equipamentos de proteção individual à saúde (máscaras, ventiladores mecânicos). Não se sabe exatamente qual será a posição estratégia do Brasil diante dos Estados Unidos e da China, em defesa dos interesses nacionais de proteção ao povo brasileiro.  Neste contexto, em qualquer país, para além da atuação dos governos, é fundamental a atuação das empresas em soluções eficientes para equacionar os problemas relacionados à pandemia.  Estas soluções devem advir de diversos segmentos industriais (biofarmacêutico – testes laboratoriais de identificação do vírus, medicamentos e vacinas), empresas de logística de suporte à distribuição de mercadorias, empresas de tecnologia que oferecem tecnologia de monitoramento e rastreamento do vírus, empresas fornecedoras de ventiladores mecânicos e máscaras de proteção, empresas fornecedores de produtos de higienização, entre outras. O tema mostra a necessidade urgente para o despertar da nação brasileira quanto às questões associadas à cadeia global de suprimentos de remédios e equipamentos de proteção à saúde, bem como a geopolítica e geoeconomia envolvidas e necessidade de fortalecimento da indústria doméstica nacional

[1] Sobre as políticas de desenvolvimento da indústria farmacêutica da India, ver: Françoso, Mariane, Santos e Strachman, Eduardo. A indústria farmacêutica no Brasil e na India: um estudo comparativo. Revista de Economia, v. 39, p. 91-112, jan/abril 2012, Editora UFPR.

[2] Comission implementing regulation (EU) 2020/402 of 14 de march 2020 making the exportation of certain products subject to the production of an export authorization.

[3] Managing risk and facilitating trade in the COVID – 19 Pandemic.

[4] Lei n 13.993, de 23 de abril de 2020, que dispõe sobre a proibição de exportações de produtos médicos, hospitalares e de higiene essenciais ao combate à epidemia de coronavírus no Brasil. Dentre os produtos objeto de proibição de exportação: equipamentos de proteção individual (luva látex, avental, óculos de proteção, máscara cirúrgica, protetor facial), ventilador pulmonar mecânico e circuitos, camas hospitalares e monitores multiparâmetro.