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Análise

Análise da decisão da Anatel sobre o leilão de frequências de 5Ghz

por Ericson Scorsim

mar 11, 2021

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção de Ebooks sobre Direito das Comunicações, publicados na Amazon.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deliberou a respeito da formatação do edital do leilão de frequências do 5 GHz (cinco gigahertz).

Trata-se de uma importante decisão que contribui para a integração econômica nacional, mediante conectividade digital. Como principais vantagens da tecnologia de 5GHz (cinco gigahertz) aplicada às redes de telecomunicações: a ampliação da velocidade do transporte de pacotes de dados (há estudos prevendo o aumento de 100 (cem) vezes comparando-se com as redes de 4GHz (quatro gigahertz), com a redução do tempo de retorno entre os canais de comunicações, a eficiência na utilização do espectro de frequências, o aumento do número de dispositivos conectados às redes, eficiência energética dos equipamentos. O denominado tempo de latência (tempo de resposta) será diminuído. Por isso, a tecnologia de 5GHz (cinco giga hertz) facilitará operações de diversas naturezas em tempo real.

 Como pontos principais da decisão da agência reguladora: i) a utilização da faixa de frequências de 700 MHz (setecentos megahertz), 2,3 GHz (dois vírgula três giga hertz)  3,5 GHz (três vírgula cinco giga hertz),  26 GHz  (vinte e seis giga hertz) com a definição de blocos nacionais e regionais; ii) compromissos mínimos de instalações de estações radio-base com objetivo de redução de desigualdades regionais; iii) obrigação de instalação de rede privativa da administração pública federal; iv) ressarcimento dos custos de limpeza de faixa do espectro de frequências de 3,5 GHz); v) obrigação de cobertura de serviços de telecomunicações e internet em rodovias federais; vi) a criação de uma entidade administradora da faixa de frequências de 3,5 (três vírgula cinco) GHz, responsável pela implantação do programa Amazônia integrada e sustentável e a construção da rede privativa de comunicação da administração pública federal, bem como para lidar com questões do ressarcimento de custos da limpeza quanto à ocupação da faixa do sinal de TV por satélite. O tema do 5 GHz (cinco giga hertz) tem quatro aspectos principais: a) o acesso às frequências do espectro, b) as infraestruturas de rede de comunicações, c) os investimentos privados, d) a regulação setorial e riscos de litigiosidade contra o edital do leilão; e) o potencial econômico das redes 5GHz (cinco giga hertz).

Padrão técnico do 5G

A Anatel, por maioria de votos, votou pelo padrão pleno da tecnologia 5G, denominado Release 16. Neste aspecto, houve divergência entre os votos dos conselheiros. Mas, a exigência imediata do formato 5GHz standalone foi a proposta vencedora. Neste padrão completo, há exigências técnicas quanto à virtualização das redes de telecomunicações, fatiamento da rede, aplicações de inteligência artificial em tempo real e distribuição em computação em nuvem. Ficou vencido o Conselheiro Presidente da Anatel, a qual propunha que o padrão completo fosse exigido tão-somente a partir de 2025.  Este voto foi seguido pelo Conselheiro Emanoel Campelo. Esta proposta vencida foi sugerida para compatibilizar o funcionamento do 5GHz (cinco giga hertz) com os atuais smartphones. Assim, a sugestão garantiria uma transição gradual e segura, havendo obrigatoriedade imediata do padrão completo do 5GHz (cinco giga hertz) nos termos da proposta do Presidente da Anatel. Caberia às empresas de telecomunicações definir a melhor modelagem tecnológica para a questão e não à Anatel. Em síntese, o debate na Anatel foi entre o padrão de redes autônomas – standalone (denominado SA) ou redes não autônomas (non-standalone). Em termos técnicos, o 5G NR release 15 permite duas opções para o funcionamento das redes de telecomunicações, o modo autônomo e o não-autônomo. No entanto, o 5G NR release 16 permite apenas a operações das redes e modo autônomo. O Relator propôs a configuração de rede 5GHz, sem o compartilhamento de recursos da rede de 4Ghz. Segundo explicações do voto do Conselheiro Presidente, na operação com autonomia, a estação radio-base de comunicação sinaliza e controla a rede e a transferência de informações aos usuários com a utilização exclusiva da arquitetura do núcleo da nova geração (5G packet core). Diferentemente,  em modo não-autônomo, o controle é realizado pelo núcleo periférico (4G envolved packet core), enquanto as informações ficam sob encargo do núcleo 5GHz.

Acesso às frequências do espectro

A faixa de frequências do 5Ghz é objeto de licenciamento pela Anatel. Frequências do espectro são consideradas um bem público. Assim, o seu uso depende de licenciamento. Por isso, a empresa interessada em prestar serviços de telecomunicações e internet nesta faixa necessidade de autorização da Anatel. O acesso às frequências do espectro eletromagnético é essencial para a prestação dos serviços de comunicação móvel. Além disto, os serviços de telecomunicações são considerados essenciais, acentuada esta essencialidade no contexto da pandemia. Na disputa do frequências, há as empresas de telecomunicações e as empresas provedores de pequeno porte, as quais possuem menos de 5% (cinco) por cento do território nacional. Foi considerada a finalidade não arrecadatória do leilão de frequências do 5G. Por isso, o edital do leilão busca cobrar um valor justo para remuneração do direito de uso destas frequências. Há diversas faixas de frequências complementares à faixa de 5 GHz (cinco giga hertz) objeto do leilão. As faixas de frequências de 700 MHz (setecentos mega hertz), 2,3 GHz (dois vírgula três giga hertz), 3,5 GHz (três vírgula cinco giga hertz), 26 GHz (vinte e seis giga hertz).  Cada faixa de frequência tem utilidades específicas em sua capacidade de transmissão de dados. Por isso, são necessárias arquiteturas de redes diferentes conforme o tipo da frequência. Uma são melhores para a propagação de distâncias mais curtas e outras para adequadas mais distâncias longas.

Fases do leilão

A proposta do edital do leilão do 5GHz tem as seguinte fases:

Faixa de 700 Mhz

Primeira rodada –Bloco 10 + 10 em âmbito nacional, com a previsão de compromissos em localidades sem 4G e rodovias federais.

Segunda rodada – 2 blocos de 5 +5 regionais, mas com compromissos em localidades sem 4GHz e rodovias federais.

Há limite à participação nesta faixa de frequências de empresa controladora, controlada ou coligada que já possua na mesma área geográfica autorização de uso de radiofrequências em caráter primário na faixa de 698 Mhz a 806 Mhz, conforme Resolução n. 703/2018.

Faixa de 3,5 Ghz

Primeira Rodada. Blocos regionais de 80 (oitenta) Mhz, compromissos de instalação de redes de transporte (backhaul) em municípios relacionados pela Anatel, instalação de estações radio-base que permitam oferta de serviços móvel pessoal com padrão igual ou superior ao 5G NR release 16 do 3GPP, na proporção de uma estação para cada 10 (dez) mil habitante, ressarcimento de soluções para interferência na recepção do sinal de televisão aberta e gratuita, transmitidos por satélite via banda C, conforme Portaria n. 1924, do Ministério das Comunicações.

Segunda rodada (na hipótese de não houver interessados na primeira rodada), blocos de 20 Mhz. Teto máximo de 100 MHz para o conjunto de lotes da faixa de 3,5 GH, limitação para arrematação de mais de dois blocos regionais.

Faixa de 2,3 GHz.

Primeira rodada. Bloco de 50 MHz e de bloco de 40 Mhz regionais, com compromisso de cobertura de 95% da área urbana dos municípios sem 4G. teto máximo de frequências de 50 Mhz para o conjunto compreendo os lotes da faixa de 2,3 Ghz respeitando-se os limites da Resolução 703/2018.

Faixa de 26 GHz.

Primeira rodada. Cinco blocos nacionais e três blocos regionais de 400 Mhz, sem compromissos.

Segunda rodada. Até 10 blocos nacionais e 6 regionais de 200 Mhz que não forem vendidos na rodada anterior, sem compromissos. Teto máximo de frequências: 1 GHz para o conjunto compreendendo os lotes da faixa de 26 Ghz.

Investimentos em equipamentos de redes em tecnologia 5G e backhauls

As empresas de telecomunicações investirão em tecnologia de 5Ghz em suas redes de telecomunicações. A princípios, há estimadas que os valores serão de mais de R$ 30 bilhões de reais. A princípio, foi afastada qualquer proibição ao fornecimento de tecnologia conforme a origem do país. Por isso, as empresas de telecomunicações podem escolher livremente seu fornecedor de tecnologia de equipamentos de rede de 5GHz. Não houve nenhuma restrição à empresa chinesa Huawei. Todo e qualquer fornecedor de tecnologia deve, no entanto, seguir as regras de segurança cibernéticas, definidas pela Anatel. Portanto, segue-se às regras do livre mercado quanto à participação de empresas fornecedoras de equipamentos de redes de telecomunicações, observados os critérios de segurança cibernética.

Rede Privativa de Comunicações do governo federal

O edital do leilão fixou a obrigação de instalação do vencedor do leilão arcar com a instalação da rede privativa do governo federal. Esta rede de comunicações trata com dados e informações sensíveis contém requisitos de segurança cibernética mais rígidos do que as redes comuns. Debate-se a respeito da possível exclusão do fornecimento de tecnologia pela empresa chinesa Huawei. Por ora, não há uma decisão definitiva. Estima-se que o custo da construção desta rede privativa do governo seja de aproximadamente mais de R$ 700 (setecentos) milhões de reais.  Este é um ponto sensível. As redes de comunicações do governo devem ser parâmetros de segurança altamente confiáveis contra riscos de espionagem política e econômica. Os indicadores de ataques cibernéticos às redes de comunicações governamentais são alarmantes. Dados de cidadãos são alvos de ataques por hackers e, assim, “vazados” na internet. Há hackers que atuam sozinhos, mas há hackers que atuam para governos estrangeiros.  Há a banalização de vazamentos de dados dos cidadãos brasileiros. Por isso, é fundamental o reforço na segurança cibernética das redes governamentais, consideradas infraestruturas nacionais críticas. 

Ressarcimento Empresas exploradoras de satélite nacional e estrangeiro

Diante da necessidade de realocação do espectro de frequências na faixa de 3.625 Mhz a 3.700 Mhz, ocupado tradicionalmente pelos serviços de TV por satélite (TV por parabólica), haverá o ressarcimento dos custos com a limpeza do espectro. Para obter a indenização, as operadoras de satélites deverão comprovar que as estações receptoras operam nesta faixa de frequências, bem como a quantidade de estações receptadoras de sinais de TV por satélite.

Entidade Administradora da Faixa de 3,5 GHz

A Anatel deliberou pela atribuição da entidade administradora da faixa de frequências de 3,5 GHz (EAF) a responsabilidade pelo saneamento de eventuais interferências no sinal de TV por satélite, decorrentes da implantação da tecnologia de 5Ghz. Ao que parece, esta entidade também terá a responsabilidade quanto à destinação de recursos do leilão do 5G para a implantação dos programas Norte Conectado e Amazônia Integrada e Sustentável, conforme análise a seguir.

Programa Norte Conectado e Programa Amazônia Integrada e Sustentável – PAIS

O Ministério das Comunicações definiu dois programas de governo  denominados Programa Amazônia Integrada e Sustentável – PAIS e Programa Norte Conectado. O tema é tratado na Portaria n. 1.924/2021 do Ministério das Comunicações. O programa da Amazônia conectada integra o programa Norte-conectado. Trata-se de um projeto de infraestrutura de rede de telecomunicações e internet, mediante uma rede de fibras óticas instaladas em rios amazônicos. O objetivo é levar conectividade digital à região amazônica e ao norte do país. Uma das empresas responsáveis pela instalação dos cabos fluviais é a empresa italiana Prysmian, especializada inclusive no setor de defesa, com o fornecimento de cabos militares. Na parte operacional, o exército brasileiro é comanda a supervisão das operações do programa Amazônia conectada. Houve o debate na Anatel sobre a destinação dos recursos para a implementação destes dois programas de governo. Uma corrente defende que os recursos sejam alocados em entidade a ser designada pelo Ministério das Comunicações. Outra linha de entendimento sustenta que a destinação dos recursos seja destinada para a entidade administradora da faixa de frequências de 3,5 (três vírgula cinco) GHz.

Riscos de litigiosidade quanto à impugnação do edital

 A Anatel buscou se antecipar a eventuais riscos de litigiosidade do tema do pagamento de custos decorrentes da desocupação da faixa de 3,625 MHz a 3.700 Mhz. Neste sentido, a agência antevê riscos de litigiosidade administrativa e judicial. Por isso, prevê as medidas de suspensão, interrupção ou revogação na hipótese de litigiosidade. Há, inclusive, a disposição de excluir da faixa de frequências de 3.625 MHz a 3.700 Mhz, a fim de prosseguir a licitação com os demais lotes.

Potencial econômico das redes 5Ghz

Há estudos econômicos que indicam o valor econômico da faixa de frequências do 5Ghz. E, ainda, estudos que apontam que a utilização desta faixa de frequências tem o potencial de agregar valor econômico ao produto interno bruto. Grande parte de áreas rurais não contam com internet, por banda larga. Assim, com a tecnologia 5GHz, juntamente com o 4Ghz, tem o potencial para levar à conectividade ao campo. Além disto, a cobertura de 5GHz em rodovias federais também possibilitará a expansão do comércio, bem como o rastreamento de cargas em tempo real. Há inúmeras aplicações de 5Ghz: agricultura de precisão, automatização em portos e aeroportos, serviços de telemedicina, teleducação, automatização de operações em minas e plataformas de petróleo e gás, transportes e logística, entre outros. Um dos potenciais do 5GHz é a implantação de redes de internet das coisas (comunicações máquina a máquina), caracterizados basicamente por sensores que podem ser utilizados em serviços de telemetria, entre outras aplicações.

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