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Anatel

Balanço do leilão de frequências para 5G realizado pela Anatel

por Ericson Scorsim

nov 08, 2021

O leilão para a outorga do direito de uso de frequências para aplicação das redes de telecomunicações móveis na modalidade 5G (quinta-geração) tem diversos significados.

Estas infraestruturas de redes de comunicações são essenciais para a economia do País, no setor de serviços, comércio e indústria. O 5G, juntamente, com a Internet das Coisas, modelará da economia digital. De um lado, garantiu a consolidação no segmento das telecomunicações móveis das operadoras tradicionais: Telefônica (Vivo), Claro e Tim. De outro lado, possibilitou a ascensão de provedores regionais: como AlgarTelecom, CopelTelecom, Secomtel, Winiyt II Telecom, Unifique Cloud 2U, Brisanet.

Os valores investidos por estas empresas na aquisição do direito de uso das frequências do espectro são expressivos. Os números revelam a grandeza do detrás do leilão: Claro (1,6 bilhão), Brisanet (R$ 1,4 bilhão), Pátria (R$ 1,4 bilhão), TIM (R$ 975 milhões), Vivo (R$ 966 milhões), Cloud (R$ 405 milhões), Sercomtel (R$ 82 milhões), Consórcio 5G Sul (Copel Telecom e Unifique – R$ 73 milhões), AlgarTelecom (R$ 59 milhões).  

Aqui, alguns esclarecimentos:

As frequências do espectro são classificadas pela legislação brasileira como um bem público de uso comum, com possibilidade de uso privativo, sob remuneração. A modalidade adotada para o licenciamento das frequências é a autorização administrativa. Por isto, as empresas operadoras de serviços de telecomunicações móveis têm demanda por este recurso e pagam caro por ele, devido à sua escassez. A precificação da faixa de frequências segue determinados critérios técnicos, dentre os quais aqui não espaço para analisar.

As frequências podem ser objeto de compartilhamento entre as empresas. Por isto, as empresas adotam contratos de compartilhamento de frequências.  Como novidades do leilão o seu suposto caráter não-arrecadatório. Mesmo não sendo “arrecadatório”, o leilão gerou, aproximadamente, 47 (quarenta e sete) bilhões de valor econômico, considerando-se os valores a serem pagos à União e os valores de investimentos em compromissos obrigatórios.  Outros destaques são a participação de fundamentos de investimentos em operações de telecomunicações: WiniTy II Telecom (Fundo Pátria), CopelTelecom (Fundo Bordeaux). Um dos consórcios de provedores regionais de internet acabou por não participar do leilão. Outra novidade é a adoção do modelo de rede neutra pela Winity II Telecom. E, também, a participação de uma fornecedora de tecnologia e equipamentos como operadora de telecomunicações (Cloud 2U).

As empresas que não conseguiram participar do leilão estão redefinindo suas estratégias.  Umas estão se voltando para a prestação de serviços de Internet das Coisas para o agronegócio, como é o caso do Grupo Datora. Outras, como é o caso da Highline do grupo Digital Bride, buscam modelar seus negócios em formato de modo a fornecer infraestrutura para as empresas vencedoras como do leilão. E, ainda, há outras empresas que pretendem montar um negócio de MVNO.[1]

As empresas de telecomunicações vencedoras do leilão assumem compromissos de investimentos na instalação de redes de 5G. Se houver descumprimento destas metas, há sanções a serem aplicadas pela Anatel.  Deste modo, para fazer valer os investimentos, as empresas de telecomunicações terão que buscar o retorno, mediante a oferta de serviços e o desenvolvimento de modelos de negócios, alguns até em parcerias estratégicas com outras empresas de outros setores: agronegócios, instituições financeiras, indústria, instituições de ensino e pesquisa, portos, entre outras.   As empresas de telecomunicações estão sujeitas à ampla competividade. Elas fornecem toda a infraestrutura de rede de telecomunicações utilizada para o ecossistema digital das empresas provedoras de aplicativos.

Apesar de ficarem com os custos de atualização de suas redes, elas não necessariamente conseguem monetizar adequadamente suas redes. Por isto, novas estratégias empresariais estão sendo desenhadas para que as empresas de telecomunicações participem da modelagem do ecossistema digital. Esta ação estratégica é até mesmo uma defesa do setor de telecomunicações diante das ameaças representadas pela competição com as Big Techs. Se as Big Techs decidirem por entrar pesadamente no mercado de conectividade digital haverá sérios riscos às empresas de telecomunicações. A título ilustrativo, nos Estados Unidos as Big Techs já estão interessadas em redes de comunicações sem fio de sexta geração (6G). Outro tema no horizonte próximo é a regulamentação da arquitetura de Open-Ran, um sistema aberto de interoperacionalidade entre equipamentos de redes de telecomunicações.

No cenário pós-leilão, haverá novos desafios. Dentre eles: a implantação das redes de 5G nas capitais, nas cidades do interior, estradas, escolas públicas, entre outros. Por isto, acredita-se que o melhor caminho seja a parceria entre as empresas de telecomunicações na formatação do ecossistema digital. Afinal, a pandemia demonstrou a essencialidade das redes de telecomunicações para a economia e para que a sociedade continuasse funcionando normalmente. Parcerias estratégicas entre empresas de telecomunicações e de outros setores, como instituições financeiras, instituições de ensino, empresas de logística e transportes, hospitais e planos de saúde, agronegócio, indústria, entre outros setores, serão o caminho estratégico no contexto da transformação digital dos negócios.

Outro ponto adicional é a sinergia entre as empresas de telecomunicações  e as empresas de computação em nuvem (cloud computation)  e computação na borda (edge computation). Neste aspecto, há o potencial para o surgimento de novos modelos de negócios a partir desta sinergia.  Por último, outro desafio é a redução da carga tributária sore o setor de telecomunicações, de modo a induzir a ampla conectividade digital em todo o território do País. Enfim, a jornada do 5G está apenas na etapa inicial. Por isto, há muito a ser compreendido e a ser feito.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil, Amazon, 2020.


[1] Derrotados no leilão vão em busca de parcerias. Valor Econômico, 8/11/2021.

Crédito de imagem: TudoCelular.com