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Anatel

Breves considerações sobre o edital da Anatel do leilão de frequências relacionada ao 5G

por Ericson Scorsim

set 30, 2021

A Anatel fixou as regras do edital do leilão de frequências paras redes de telecomunicações móveis em quinta-geração de tecnologia (5G). Diversos estudos econômicos mostram o potencial de aumento do produto interno bruto decorrente da adesão à tecnologia 5G.

Esta tecnologia tem o potencial de gerar novos modelos de negócios e, consequentemente, melhorar a competividade internacional do País. Há a expectativa do aumento do PIB em trilhões, pois a tecnologia 5G tem impacto transversal, atingindo diversos setores econômicos: indústria, agricultura, logística, medicina e hospitais, mineração, portos e aeroportos, serviços ambientais, entretenimento, educação, entre outros. A tecnologia de 5G possibilitará novos serviços a partir de aplicações baseadas em realidade virtual e realidade aumentada e Internet das Coisas. 

As empresas participantes deste leilão serão as empresas de telecomunicações. Mas, há interesses das empresas fornecedoras de tecnologia de 5G. O País terá ganhos geopolíticos e geoeconômicos ao não se alinhar aos Estados Unidos (a posição norte-americana foi restringir o fornecimento de tecnologia de 5G por empresa originária da China), ao garantir a ampla  competividade internacional e manter a posição de não exclusão de fornecedor de tecnologia de 5G originário da China.  Os Estados Unidos adotaram a política de tecnonacionalismo e de protecionismo ao seu mercado. Por isto, o Brasil ao prestigiar a ampla competividade internacional, sem restrições a determinado competidor em razão de seu país de origem, tornar-se-á uma referência internacional. Retornando-se ao edital.

O caráter não arrecadatório do leilão de frequências é, também, o pilar estrutural da precificação destas frequências. Com isto, recursos serão aplicados em investimentos, o que ampliará o volume investido em infraestrutura digital. Há a previsão de lotes de frequências nacionais e lote regionais, estes com possibilidade de acesso pelos provedores regionais de telecomunicações e internet. Porém, para os pequenos provedores há algumas restrições a serem analisadas mais à frente. Além disto, há regras de compromissos de investimentos em 5G, bem com em 4G.  Há compromissos de investimentos em estradas federais. Outro avanço foi o compromisso de investimento em conectividade por banda larga em escolas públicas. Este aspecto tem o potencial de reduzir a exclusão digital, mediante o acesso à banda larga por alunos e professore da rede pública de ensino.

Outro ponto do edital foi a rede privativa de comunicações do governo federal, uma obrigação da empresa vencedora do edital do leilão. O edital fixou os requisitos para a implantação desta rede privativa de comunicações do governo. Também, há o aspecto da construção de infraestrutura de conectividade digital por fibra ótica no programa Amazônia Integrada e Sustentável. Deste modo, são fixados os requisitos técnicos para a instalação da rede de infovias. Regras do Programa Amazônia Integrada Sustentável estão previstas no Decreto n. 10.800, de 17 de setembro de 2021. Segundo o decreto, as redes de transporte de fibra ótica têm objetivo a conectividade de estabelecimentos públicos, como pontos de inclusão digital, instituições de ensino, unidades de saúde, hospitais, bibliotecas, instituições de segurança pública e tribunais.  Como se observa, o governo para legitimar estes dois programas federais (anteriormente, os temas somente estavam abordados em portaria) editou os Decretos n. 10.799, de 17 de setembro de 2020, o qual trata das políticas públicas de telecomunicações, o qual tratas de programas de cidades conectadas, os compromissos de expansão dos serviços de telecomunicações, e obrigações da Anatel sobre apresentação de relatórios de infraestruturas de rede e os acessos aos serviços de telecomunicações, a implantação da rede privativa de comunicação da administração pública federal,  a qual poderá ser realizada por outros órgãos ou entidades públicas ou privados e os critérios de uso de governança da rede.

O setor de radiodifusão, através da Abert, manifestou-se sobre a migração do sinal de TV parabólica da atual Banca C para a Banda Ku. A preocupação do setor é com o risco de interferências da tecnologia 5G na recepção das antenas parabólicas (TVRO) em banda C. Para a migração serão destinados R$ 2,8 (dois vírgula oito) bilhões de reais para aquisição de distribuição de equipamentos para a recepção do sinal de televisão aberta. Existem, ainda algumas questões a serem equacionadas e que podem ser judicializadas. Primeira, a indenização às empresas provedoras de satélite pelo deslocamento da faixa de frequências, para disponibilizar o sinal de televisão digital aberta por antena parabólica. Segunda, a participação dos pequenos provedores regionais de internet.[1] Este segmento pleiteou junto à Anatel a unificação das faixas de frequências de 700 MHz e 3,5 GHz, para viabilizar sua participação no edital, através de consórcio. Outra reinvindicação foi a garantia da autorização de implementação da rede de 5G no sentido do interior para as capitais, o denominado “roll out”. Outro pedido foi a respeito do roaming nacional obrigatório. Porém, a Anatel indeferiu os três pedidos. Segundo os pequenos provedores regionais de internet, em notícia divulgada na mídia especializada, o não atendimento destes três pedidos inviabiliza a participação no leilão do 5G.

Há, portanto, o risco de judicialização destes temas afetos à participação das empresas provedoras regionais de internet.  Resumindo-se há muitas expectativas quanto ao leilão de frequências para o 5G. A tendência é que na fase inicial a tecnologia 5G beneficiará os segmentos de negócios, os quais poderão desenvolver, inclusive ecossistema digital. Neste aspecto, é importante a adoção de quadros regulatórios federais, estaduais e municipais de incentivos à inovação do ecossistema digital de 5G.

Especialmente, haverá demanda pela produção de software. Por isto, a necessidade de parques tecnológicos que incentivem a inovação tecnológica. No entanto, a conectividade em 5G para os usuários finais (pessoas físicas), ao que tudo indica, somente alcançará seu pleno potencial no longo prazo. Além disto, outro obstáculo à implantação das redes de 5G rápida e em larga escala é a carga tributária (federal e estadual) incidente sobre o setor de telecomunicações.  Enfim, a tecnologia 5G poderá contribuir – e muito – para o desenvolvimento de programas de cidades inteligentes (compromissos com ampla infraestrutura de conectividade digital), cidades sustentáveis (compromissos com práticas de sustentabilidade ambiental) e cidades resilientes (compromissos com a proteção às infraestruturas críticas e sólido programa de defesa civil, programas de logística e proteção à saúde pública). Para que este fim seja alcançado é necessária a articulação entre os poderes públicos federal, estadual e municipal.

Ademais, a tecnologia de 5G demandará a criação de ecossistemas digitais, mediante parcerias entre o setor privado e o setor público. Estes ecossistemas sistemas estarão voltados à inovação em diversos setores, desde o agronegócio, indústria, medicina e hospitais, mineração, varejo, jogos, entretenimento, entre outros. Há desafios, riscos e oportunidades com a adesão à tecnologia 5G. Primeiro, desafio de universalização dos serviços de telecomunicações móveis com 5G. Por isto, a necessidade de monitoramento dos compromissos adotados no edital do leilão, baseado em tecnologia 5G. Talvez, haverá em breve a percepção de que faltaram políticas públicas adequadas da parte do governo federal para ampliar a universalização dos serviços e inadequação para fomentar a inclusão digital, econômica e social. Enfim, haverá necessidade de medição do impacto regulatório do edital, especialmente para verificar eventuais falhas regulatórias na política setorial. O regime de autorização do direito de uso de frequência foi a opção regulatória escolhidas. Mas, talvez seja regime seja insuficiência para o atendimento da universalização dos serviços de telecomunicações móveis. Segundo, há riscos para as empresas de telecomunicações participantes do leilão. Há riscos econômicos e financeiros de não conseguirem atender às metas do leilão devido ao obstáculo da carga tributária (federal e estadual), dentro dos prazos pactuados.

Existem riscos também para as empresas provedoras de aplicativos, pois sem conectividade digital elas não conseguem ampliar sua base de clientes. Terceiro, há oportunidades para diversas empresas, em diferentes segmentos, participarem de ecossistema digitais. Por exemplo, uma empresa de telecomunicações unir-se a empresas de agronegócios para o desenvolvimento de novos produtos e serviços. Instituições financeiras podem ser unir com outras empresas para o desenvolvimento de produtos e serviços financeiros. Uma empresa do setor médico e hospitalar pode se unir com empresas de software para desenvolverem novos modelos de negócios em regimes de parcerias. Enfim, são múltiplas as oportunidades decorrentes da tecnologia 5G.

*Todos os direitos reservados, não podendo ser reproduzido ou usado sem citar a fonte.

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do Livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil. Autor da Coleção de Livros sobre Direito da Comunicação.


[1] Sobre o tema, ver: Lobo, Ana Paula. Provedores regionais: edital 5G tem inconsistências técnicas e ameaçam ida à Justiça. Ver: Convergência Digital, 27/09/2021.