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Conferência de Munique sobre Segurança: alguns insights para o Brasil em suas políticas públicas

por Ericson Scorsim

fev 21, 2022

Neste final de semana (18 a 20 de fevereiro), foi realizada a Conferência de Munique sobre Segurança. Para um panorama geral dos temas debatidos há o relatório Turning the tide unlearning helplessness, Munich Report 2022, february, 2022.  Traduzindo-se superar o estado de impotência aprendida para um estágio proativo de segurança. O principal tema debatido foi o risco de invasão da Rússia ao território da Ucrânia, deflagrando-se a guerra na Europa.

Os representantes dos países participantes reforçaram a relevância da diplomacia para evitar a escalada às tensões na região. Os Estados Unidos, através de seus representantes, declararam seu compromisso de apoiar militarmente, com em conjunto com a OTAN, a defesa da Ucrânia.

A Alemanha comprometeu-se com o apoio financeiro à Ucrânia, mas não se comprometeu com a venda de armas. Diversamente, os Estados Unidos comprometeram-se com a venda de armas, através de seus parceiros na Europa. Um dos nós nórdicos subjacentes ao conflito é a dependência energética da Alemanha do gás oriundo da Rússia. Em caso de conflito entre Rússia e Ucrânia há riscos de desabastecimento de gás para a Alemanha, algo que afeta, portanto, sua segurança energética. Por isto, o tema da segurança está entrelaçado com a questão das medidas para enfrentamento das mudanças climáticas e a criação de fontes de energia renováveis, para se reduzir os riscos de dependência do gás russo. Portanto, há a conexão entre a segurança, geoeconomia e mudanças climáticas.  

O evento foi uma oportunidade para se reforçar a aliança de defesa transatlântica entre Estados Unidos e Europa. Outros temas de impacto global foram debatidos. Dentre eles, as medidas para cooperação e competição no setor tecnológico. Há desafios para a Europa quanto à sua autonomia no design de fabricação de semicondutores, componentes essenciais para diversas indústrias: automobilística, energia, transportes, defesa, comunicações, saúde, entre outros. A União Europeia buscar atrair indústria de semicondutores de Taiwan, Estados Unidos e Japão para instalarem fábricas no território europeu. Estados Unidos, Japão e Taiwan têm investimentos públicos em fábricas de semicondutores, em parceria com a indústria privada.

O tema encontra-se no campo da segurança das cadeias de suprimentos. Os investimentos em fábricas de semicondutores dependem da construção de todo um ecossistema digital e de talentos, com escala global.  Foram debatidas as medidas para a prevenção de próximas poli pandemias e os desafios quanto à fabricação de vacinas e distribuição equitativa. Um representante da Comissão Europeia apontou o problema das vacinas. Empresas europeias com fábricas nos Estados Unidos não puderam exportar para a Europa vacinas devido ao controle norte-americano para exportações, considerando-se o contexto geopolítico em torno das vacinas.

Outro tema significativo na agenda foram os debates sobre a utilização de tecnologias em campanhas de desinformação, com riscos de erosão da democracia. O ambiente digital tem sido o palco para a disseminação de movimentos autoritários contrários à democracia.  Governos autoritários têm manipulado as redes sociais em ataques contra a democracia, manobrando para fazer com que as redes sociais atuem como censor.  Movimentos autoritários buscam minar a confiança no sistema democrático. Estes movimentos buscam promover ataques cibernéticos contra jornalistas e minorias, promovendo campanhas de desinformação.  Os Estados Unidos, com seu Global Engagement Center, busca a contenção dos danos das campanhas de desinformação sobre as democracias.  A extrema desigualdade econômica é considerada como um fator de risco para a segurança coletiva dos países.

Outro tópico levantado foram  as ameaças de ataques cibernéticos contra a integridade dos sistemas eleitorais das democracias.  Debateu-se os riscos das  guerras cibernéticas e as operações cibernéticas, os quais demandam novas estratégias de defesa pelos países. Guerras informacionais são utilizadas para atacar outros países. Um dos objetivos destas campanhas de desinformação é o enfraquecimento da União Europeia, bem como da disseminação da democracia por todo o globo.  Há riscos de disrupção com operações cibernéticas de infraestrutura essenciais dos países: energia, setor financeiro, comunicações, transporte, hospitalar, entre outros. Existe, inclusive, a preocupação com riscos de disrupção dos sistemas de comando e controle das forças armadas, inclusive dos sistemas nucleares, por ataques cibernéticos. Há os riscos do ambiente informacional e cognitivo da população seja alvo de operações de influência por agentes estrangeiros, para moldar crenças, atitudes, comportamentos, decisões e ações.

A título exemplificativo, movimentos anti-vacina ganharam espaço em redes sociais, devidos às operações de desinformação. As armas cibernéticas, como inteligência artificial, robôs, deep fake, machine learning, entre outras, têm, portanto, o poder de moldar “as mentes e os corações” de uma população.

Toda uma infraestrutura de comunicações, relacionadas à cognição de uma população, pode ser alvo de operações de desinformação e manipulação da opinião pública. Há riscos com deep fakes, a partir da utilização de tecnologias de machine learning, com a imitação de voz e imagens das pessoas. Ou seja, uma falsificação digital sofisticada dificilmente detectável por leigos. Neste contexto, busca-se criar um sistema de contenção às campanhas de desinformação online.  Discutiu-se os benefícios e malefícios da computação quântica. De um lado, esta tecnologia emergente contribui o desenvolvimento de pesquisas com grandes quantidades de dados. De outro lado, a tecnologia tem o poder de quebrar sistemas de criptografia adotados nos sistemas de defesa.  No âmbito da defesa, foi apontada os novos riscos trazidos pelas armas hipersônicas. Esta nova tecnologia torna ineficaz os tradicionais sistemas de alerta e resposta tradicionais dos sistemas de defesa dos países. Outro tema debatido foi necessidade de inovação no setor de defesa, mediante investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, serviços e equipamentos. Sobre o tema, o Boston Consulting Group apresentou um estudo sobre inovações no setor de defesa.[1] Na Europa, há demanda pela interoperacionalidade dos sistemas de defesa. Por isto, debate-se a padronização, inclusive, dos sistemas de aquisição de armamentos e sistemas de comando e controle.

Debateu-se a atualização controle de armamentos, bem como o controle de transferência de tecnologias de defesa. No âmbito de armas nucleares, foram apresentadas algumas propostas para redução do número de armas nucleares.

Outro tema abordado foi a segurança alimentar. As mudanças climáticas e, respectivamente, o aquecimento global tem provocado movimentos imigratórios em larga escala. Para sobreviver, grandes contingentes populacionais tem buscado comida, água e recursos em diferentes lugares do planeta. As mudanças climáticas ensejaram o debate sobre a segurança ambiental. Há riscos para elevação do nível das águas oceânicas, inundando cidades à beira mar, causando o desaparecimento de ilhas, desertificação de áreas geográficas, devastação de florestas, entre outros. Existe, ainda, o aspecto geopolítico e geoeconômico por detrás das questões das mudanças climáticas. Houve o debate sobre as tecnologias sustentáveis ambientalmente para a mitigação dos efeitos do aquecimento global.

Outro ponto discutido foi a participação da liderança feminina na gestão das crises humanitárias. Outro ponto foi a aliança Indo-Pacífico no aspecto da segurança regional, bem como os projetos de conectividade digital de países como Austrália e Nova Zelândia.  Foi debatido o tema da fabricação de submarinos nucleares pela Austrália. Por fim, foi discutido as cidades e a democracia. Foram apontadas das cidades como epicentro para o desenvolvimento de programas de cidades sustentáveis e inteligentes, locais para o estabelecimento de ecossistemas digitais e incubação de tecnologias. Neste aspecto, discutiram-se as políticas de acesso, gestão e armazenamento de dados essenciais à gestão urbana.

Outro tópico debatido foi a criptomoedas e os riscos à economia e segurança. Resumindo-se: os temas debatidos na Conferência de Munique sobre segurança são transversais e têm impacto global.  A segurança e defesa está associada à segurança econômica, ambiental, alimentar, entre outros aspectos. O Brasil pode aproveitar os insights deste evento, para aperfeiçoar sua visão estratégica global, no design de suas políticas públicas de segurança e defesa, segurança cibernética, segurança na cadeia de suprimentos, política industrial e de inovação e política ambiental.

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Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico das Comunicações 5G: Estados Unidos, China e o Impacto no Brasil, Amazon. Autor do livro Geopolítica das Comunicações, Amazon.


[1] Schueter, Matthew e outros. Boston Consulting Group and Munich Security Innovation Board, denominado Closing the Defense Innovation Readiness Gap, February 2022.

Crédito de Imagem: Georgia Today