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Controvérsia no Supremo Tribunal Federal sobre conectividade e a gratuidade do direito de passagem de fibras óticas em rodovias e áreas públicas

por Ericson Scorsim

fev 09, 2021

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito Regulatório das Comunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do Livro Temas de Direito da Comunicação na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O Supremo Tribunal Federal está para julgar a constitucionalidade da Lei Geral de Antenas, no aspecto da imposição da gratuidade do direito de passagem de fibras óticas em rodovias, faixas de domínios e vias públicas.  Esta lei federal estabeleceu as normas gerais para o licenciamento, compartilhamento e implantação de redes de telecomunicações. 

A lei foi editada justamente para uniformar em território nacional as regras aplicáveis ao setor de redes de telecomunicações, para facilitar os investimentos na expansão destas redes de comunicações.

Nos termos da Lei:  “Art. 12. Não será exigida contraprestação em razão do direito de passagem em vias públicas, em faixas de domínio e em outros bens públicos de uso comum do povo, ainda que esses bens ou instalações sejam explorados por meio de concessão ou outra forma de delegação, excetuadas aquelas cujos contratos decorram de licitações anteriores à data da promulgação desta lei”. O tema é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6482 proposta pela Procuradoria-Geral da República, argumentando-se inconstitucionalidade do art. 12, caput da Lei 13.116, de 20 de abril de 2015. 

Segundo a petição inicial, a norma impugnada da lei é inconstitucional porque viola a autonomia dos entes federativos em disciplinar a contraprestação pecuniária pelo direito de passagem em vias públicas, faixa de domínio, bens públicos de uso comum do povo. Além disto, haveria a ofensa ao  direito de propriedade da União, Estados, Distrito e Municípios em relação aos bens integrantes de seu domínio público. O Estado de São Paulo requereu sua participação no processo a título de amicus curiae (amigo da corte para contribuir com a solução da controvérsia)), para defender a cobrança de remuneração pelo uso de rodovias, vias públicas e faixas de domínio. Também, a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias solicitaram o ingresso no feito, também, como amicus curiae para sustentar a tese da cobrança de remuneração pelo espaço público. De outro lado, o Sindicato Nacional de Empresas de Telefonia e Serviço Móvel  Celular e Pessoal – SINDITELEBRASIL advoga no sentido da constitucionalidade do dispositivo que prevê a “isenção” da cobrança pelo direito de passagem. A Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações – Competitivas – TELCOMP também requereu sua habilitação no feito como “amicus curiae”. Requereu o indeferimento da medida cautelar para a suspensão da norma impugnada. A Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (ABRINT), igualmente pediu a sua intervenção como “amicus curiae”.  Segundo a entidade, a gratuidade do direito de passagem é fundamental para a expansão dos serviços de telecomunicações e internet. Eventual decretação de inconstitucionalidade da norma legal implicará em danos à segurança jurídica e estabilidade, tendo em vista os investimentos já realizados pelos associados. Também, a Anatel requereu seu ingresso no feito como “amicus curiae”. Adiciona que a exigência de pagamento pelo direito de passagem tem o potencial de inibir na expansão das redes de telecomunicações. Além disto, a Associação Brasileira de Produtores de Soja (APROSOJA BRASIL) peticionou para participar da causa como “amicus curiae”. Acrescenta que a conectividade no setor agrícola é fundamental para o aumento da produtividade e eficiência das plantações. Salienta a importância das tecnologias 4G e 5G, bem como internet das coisas e inteligência artificial,  para melhorar o cultivo de soja no país. Por outro lado, a Associação Neotv (NEO) defende a gratuidade do direito de passagem das infraestruturas de redes de telecomunicações.  

Em informações prestadas ao Supremo Tribunal Federal, o Ministério das Comunicações cita o exemplo do distrito de Juvinópolis, pertencente ao Município de Cascavel no Paraná,  porém distante 50 Km de sua área central,  e com apenas 1,7 mil habitantes. Segundo o Ministério das Comunicações a cobrança do direito de passagem inviabilizaria a prestação de serviços de telecomunicações e internet na região.  Não há no distrito redes de fibra ótica.

Em síntese, o tema relacionado à gratuidade do direito de passagem de infraestruturas de redes de telecomunicações apresenta duas teses jurídicas distintas. De um lado, a competência legislativa da União para disciplinar os serviços de telecomunicações e, respectivamente, as infraestruturas de redes e a constitucionalidade da lei que estabeleceu a gratuidade do direito de passagem de redes. Esta tese beneficia, evidentemente, as empresas de telecomunicações e, assim, os investimentos na expansão de redes fixas e redes móveis de comunicações. De outro lado, há a tese da inconstitucionalidade da referida lei, sob fundamento da autonomia dos entes federativos quanto à fixação da cobrança pela passagem de redes de telecomunicações e o direito de propriedade sobre o domínio público pelos estados, distrito federal e municípios. Esta outra tese, se acolhida, beneficia os estados-membros, municípios e empresas concessionárias de rodovias.

Para além das questões jurídicas relacionadas à constitucionalidade e/ou inconstitucionalidade do art. 12 da Lei n. 13.116/2015, estudos econômicos demonstram que a extinção da gratuidade do direito de passagem implicará no aumento de custos relacionados à expansão dos serviços de telecomunicações. A judialização do tema, por óbvio, causa riscos à segurança dos investimentos necessários e urgentes na expansão das redes de telecomunicações, em tecnologia de 4G e 5G.

É notório que investimentos em redes de telecomunicações agregam valor ao produto interno bruto, proporcionando benefícios diretos e indiretos para diversas cadeias produtivas, desde o agronegócio, agroindústria, pecuária, comércio local, e-commerce, educação à distância, telemedicina, entre outros setores. Aliás, sem infraestrutura de telecomunicações e internet, o produtor rural sequer consegue emitir nota fiscal eletrônica.

Enfim, precisamos avançar – e muito – no ambiente jurídico-regulatório para procedimentos mais flexíveis quanto ao licenciamento, compartilhamento e instalação de redes de telecomunicações, com a redução do denominado custo-Brasil.

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