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Controvérsias sobre a tecnologia de 6G: a disputa de espectro de frequências entre empresas

por Ericson Scorsim

dez 16, 2020

Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da coleção de livros sobre Direito da Comunicação.  Autor do livro Jogo geopolítico das comunicações 5G – Estados Unidos, China e impacto sobre o Brasil, publicado na Amazon.

A tecnologia de sexta geração (6G) é objeto de disputa entre os principais players no mercado. A Anatel abriu consulta pública sobre o tema. O 6G é a tecnologia que permite o escoamento do tráfego de dados por redes sem fio por wi-fi (wireless), servindo como complementar ao 5G.  

Em síntese, a tecnologia de 6G garante a conectividade às redes sem fio, usualmente indoor. Dentro de residências, escritórios e indústrias, é possível fazer o download de conteúdos online via 6G. Esta tecnologia permitirá um número muito maior de dispositivos conectados à rede. De um lado, há um grupo de empresas defende que a faixa de frequências do 6G seja de acesso livre, isto é, a tecnologia de 6G seja não não-licenciada.

Este grupo denominado Coalização WiFi6e, integrado pela Abranet, Abrint, Amazon, Apple, Associação Neo, Broadcom, Camara.E-net, Cisco, Cambium Networks, Commscope, Dynamic Spectrum Alliance, Edgecore Networks, Facebook, Googke, Hewlett Packard Enterprise, Intel,  manifestou-se perante a Agência Nacional de Telecomunicações pelo potencial do wi-fi 6 para expandir a conectividade em áreas urbanas e rurais. Argumentam que a tecnologia de 6G possibilitará a oferta de conectividade de baixo custo pelos pequenos provedores de internet. Assim, o acréscimo da faixa de frequências de 1200 (hum mil e duzentos) MHz para o 6 Ghz para uso não licenciado tem o potencial de gerar benefícios econômicos. Avalia-se o potencial de criação de U$ 112 bilhões para o PIB, U$ 30 bilhões para as empresas brasileiras e U$ 21 bilhões para os consumidores. Adiciona que nos Estados Unidos a Federal Communications Comission (FCC) aprovou a liberação de toda a faixa de 6 GHz para uso não licenciado. Com esta nova destinação há a quadruplicação do tráfego de dados pelo wi-fi. Deste modo, a velocidade do sinal em 6G em maior do que atual 2,4 e 5 GHZ. Além disto, explicam que o Brasil deveria seguir este exemplo no sentido de liberação de de 1200 (hum mil e duzentos) Mhz na faixa de frequências de 6Hz, com a definição do padrão técnico para operações de baixa potência indoor. De outro lado, há o grupo das operadoras de telecomunicações que divergem deste posicionamento.

A Telefônica em manifestação à Anatel informa a faixa de 6GHz é importante para a prestação de serviços de telecomunicações móveis (IMT, international mobile telecommunications), especialmente para o desenvolvimento da tecnologia de 5G. Segundo a manifestação dirigida à Anatel, a respeito da regulamentação internacional  do tema pela União Internacional das Telecomunicações (UIT): “Note-se, ainda, que não havia diretrizes claras de estudo da faixa de 6.425 a 7.025 MHz para identificação ao IMT. Isso ocorreu na WRC-19 (ocorrida em momento posterior à Consulta Pública n. 47/2019), cujo item 10 definiu o estudo dessa faixa para o IMT na WRC-23. Em que pese o fato que a WRC ainda estudará em 2023 a designação para IMT da faixa de 6.425 a 7.125 GHz para a Região I (com expectativa de harmonização global) e parte dessa faixa para a Região 2 – o que naturalmente, pode mudar, ao longo dos estudos – já existem diversos estudos desde já que apontam para a banda de 6Ghz é essencial para o desenvolvimento sustentável do 5G nos próximos anos”.  E, ainda, argumenta-se pela necessidade de planejamento da utilização do espectro de radiofrequências, considerando a possibilidade de harmonização global: “No caso da faixa de 6Ghz, a Anatel tem uma clara oportunidade de atuar de forma estratégica, dada a possibilidade de harmonização, principalmente da faixa de 6.425 a 7.025 MHz para IMT, no futuro”.

Além disso, aponta-se para a tendência de a faixa de frequências de 5.925 a 7.125 Mhz ser destinada para soluções de telecomunicações móveis na Ásia, Europa e África. Conforme a manifestação: “O processo de consolidação da referida faixa para aplicações do IMT no mundo, com destaque para utilização da faixa de 5.925 a 7.125 Mhz para soluções IMT em países asiáticos – China, por exemplo, e a utilização de parte dessa faixa (parcela de 700 Mhz) para IMT na Europa e África – Região I da ITU, conforme resultado da WRC-19 E e estudos previstos para a WRC-23”. Segundo a Telefônica: “o fato de que o eventual uso da faixa de 6Ghz por meio de equipamentos de radiação restrita – especialmente em aplicações WI-FI 6E – resultará em irreversibilidade da medida”. Adiciona, ainda, a expectativa quanto à harmonização global da faixa para international mobile telecommunications (IMT): “a harmonização global da faixa para IMT ainda em andamento, capaz de atender a demanda de usuários por volta de 2025 (após WRC-23) e de acordo com estudo Huawei citado nesta carta) por aplicações específicas em grandes centros urbanos (a faixa de 3,5Ghz provavelmente não suportará toda a demanda)”.

Por fim, manifesta-se: “a Telefónica formaliza seu posicionamento acerca da necessidade de que essa agência, antevendo os desafios que estão por vir na faixa de 6Ghz, assegure parcela desse espectro de 6.425 a 7.125 MHz (700 Mhz) para IMT, evitando, desde já, quaisquer incertezas regulatórias, principalmente em relação à aguarda tecnologia 5G e sua implementação ao longo dos próximos anos”. E mais: “alternativamente, esta operadora requer que ao menos parte do espectro (6.425 a 7.125 Mhz) seja resguardada para futura utilização pelo IMT, impedindo preventivamente que toda a faixa seja utilizada desde agora por aplicações de equipamentos de radiação restrita – wi-fi 6 – até que haja a consolidação do melhor cenário do uso da faixa”. A empresa TIM, também, em manifestação à Anatel destacou que a faixa de 6Ghz “será fundamental para levar altas taxas de transmissão (ou seja, 100 Mbit/s ou mais) a localidades que não disponham de banda larga fixa, já em futuro próximo”. Também, a empresa disse: “Sendo assim, tendo em vista que há previsão de que a WRC estude para 2023, para IMT, a faixa de 6.425 a u.125 GHz para a Região I (com expectativa de harmonização global) e parte dessa faixa para a região 2, consideramos fundamental que a porção de 6.425 a 7.125 Mhz seja destinada ao SMP ou, alternativamente resguardada para utilização futura pelo IMT-2020, impedindo que a faixa seja utilizada por aplicações de equipamentos de radiação restrita – a exemplo do padrão wi-fi 6E”. E, ainda, destaca: “entendemos que essa opção é a mais cautelosa e coerente ao potencial para o SMP, que, como já apontado ao longo da presente carta, conta já com ampla expectativa de utilização para IMT em ao menos três continentes – Europa, África e boa parte da Ásia – e nítida perspectiva industrial de desenvolvimento de equipamentos de transmissão e terminais. Logo, a TIM, sugere, que a elaboração de Ato a descrever os requisitos técnicos para uso da faixa de 6Ghz por meio de equipamentos de radiação restrita (especialmente por conta do wi-fi 6E) dê lugar a um mais amplo assessment sobre a destinação de faixa e, de forma, a evitar a irreversibilidade da medida, haja vista a harmonização global da faixa para a IMT em andamento e a provável impossibilidade (técnica, prática e econômico-financeira) de se inativar toda a gama de equipamentos a serem implementados entre 2020 e 2023, quando de uma provável definição no âmbito da WRC”. 

E, ainda, para se compreender o contexto. Nos Estados Unidos, as empresas se associaram para assegurar a liderança norte-americana na tecnologia de 6G. Há a associação denominada ATIS, o objetivo institucional é assegurar as vantagens geoestratégicas dos Estados Unidos no 6G.  O nome da aliança é Next G, associação com a participação da AT&T, Bell Canada, Ciena, Ericsson, Facebook, InterDigital, JMA Wireless, Microsoft, Nokia, Qualcomm Technologies Inc. Samsung, TELUS, Telnyx- T-Mobile, UScellular e Verizon. Dentre os objetivos estratégicos da associação a influência sobre as políticas governamentais e financiamento. Ademais, outra finalidade é promover a comercialização das novas tecnologias por novos mercados e setores de negócios e promover a adoção em escala, domesticamente e globalmente. A título de curiosidade, nos Estados Unidos a faixa de frequências de 5.9 GHz é utilizada os serviços de radiolocalização dos radares do setor de defesa norte-americano.

A propósito, o Departamento de Defesa norte-americano cedeu para compartilhamento 100 (cem) MHz do espectro de 5G na faixa de 3,7 a 3,8 GHz para os provedores de faixa de 5G. Esta faixa de frequência é utilizada para a operação de radares de defesa.[1] Por isso, há a preocupação quanto à proteção desta faixa de frequências diante da nova tecnologia de 6G.[2] Ademais, os serviços de radiolocalização são frequentemente utilizados em radares que medem o deslocamento de áreas de terra, volumes de água, utilizados em atividades de mineração e resgate de pessoas em avalanches e inundações.

Por outro lado, a China anunciou o lançamento de satélite com capacidade de entrega de sinal de internet móvel em 6G. Portanto, Estados Unidos e China disputam a liderança nesta nova tecnologia. Na Europa, a Nokia anunciou o seu projeto denominado Hexa-X, financiado pela União Europeia. O Hexa-X está baseado em tecnologias-chave como inteligência artificial, acesso por radiofrequências acima de 100 (cem) GHz, virtualização das redes e desagregação.

A finalidade é conectar redes inteligentes, mediante a interconexão com dispositivos em corpos, dentro de máquinas, indoor, data centers, entre outros. Também, a finalidade do programa é proporcionar a sustentabilidade ambiental, no contexto da economia verde, com ações em tempo real. Ademais, busca-se a cobertura global dos serviços, com o alcance em áreas urbanas, rurais, marítimas, entre outras. Além disto, quer-se garantir a máxima experiência das redes, com comunicação imersiva e controle remoto em escala. Por outro lado, as redes 6G devem garantir a confidencialidade e integridade das comunicações ponta-a-ponta, bem como a soberania tecnológica da União Europeia.

Participam do Hexa-X a Ericcson, Nokia, Siemens, Tim, Telefônica, entre outras entidades. Por sua vez, a Samsung anunciou sua visão sobre a tecnologia de 6G, com foco em conexão de máquinas, realidade aumentada, holografia, objetos digitais, entre outros. Além disto, busca-se aproveitar a escala industrial e a interoperabilidade das redes, conforme padrões técnicos. Nesse sentido, quer-se habilitar a aplicação da inteligência artificial nas redes e serviços, bem como no desenvolvimento de antenas e sistemas de radiocomunicações. Além disto, quer-se promover a adoção de padrões norte-americanos em hardware e software. Dentre os setores estratégicos: a agricultura e a saúde. Com efeito, há expectativas da otimização da tecnologia de 6G, em setores de agricultura de precisão e medicina de precisão.

Há o potencial para serviços de telemedicina, mediante sistemas de realidade virtual e realidade aumentada. Também, há oportunidades no segmento denominado internet do corpo (internef of body), com o acoplamento de biosensores no corpo, para monitoramento da saúde dos pacientes. Ademais, existem programas de hospitais digitais, com a integração de tecnologia de informação e comunicações e dispositivos IoT. E há programas de sistemas de emergência pública, com o atendimento via ambulâncias conectadas às redes de saúde pública. Por ocasião da pandemia do coronavírus tornou-se evidente a essencialidade dos serviços de telecomunicações e internet. E, ainda, as urgentes demandas por sistemas de atendimento médico e em UTI’s eficientes para salvar vidas.

Por isso, a adoção de novas tecnologias deve ser prioridade de Estado no setor da saúde.  Outro segmento apto a receber estas novas tecnologia é o setor de energia. A construção de redes inteligentes de energia possibilita o consumo eficiente, promovendo a sustentabilidade ambiental. O consumo de água e energia pode ser melhor disciplinado por estas redes inteligentes. Na Finlândia, a Universidade de Oulu tem desenvolvido projetos pioneiros no desenvolvimento das redes 6G. Por outro lado, a China divulgou o lançamento do seu primeiro satélite com capacidade para levar internet móvel 6G.

Enfim, o tema é objeto da disputa geopolítica entre Estados Unidos e China. Em síntese,  o objeto da controvérsia consiste no conflito quanto à utilização da faixa de frequências de 5.925-7.125 Mhz. Os regimes regulatórios das faixas de frequências licenciadas e as não-licenciadas são distintos. A faixa licenciada é objeto de proteção contra interferência de terceiros. Diversamente, quanto à faixa não licenciada considerada de uso secundário não há esta proteção legal. Na prática, os usuários dos serviços de telecomunicações móveis têm garantias contra a interferência de sinal por terceiros, enquanto os usuários de serviços wireless em faixa não licenciada não tem esta proteção.  Há, de um lado, o grupo de empresas interessadas em utilizar esta faixa de frequências para aplicações de wi-fi 6.3: empresas de internet, fornecedores de tecnologia e equipamentos, de radiação restrita, dispositivos de internet das coisas, sistemas de radares móveis adotados no sistema de transporte e veículos, entre outros.

 De outro lado, há o grupo de empresas interessadas na utilização desta faixa de frequência para a prestação dos serviços móveis pessoais, como é o caso das empresas de telecomunicações. A definição do padrão de frequência impacta toda a cadeia de produção de equipamentos de transmissão e terminais.  Em jogo, portanto, a cadeia global de suprimentos, pois a produção de equipamentos dependerá das frequências e a escala global de produção e respectivos custos.  Por exemplo, o Brasil terá equipamentos de 5G e 6G produzidos no país? Ou os mesmos serão produzidos nos Estados Unidos, Europa e/ou Ásia? A Anatel tem a responsabilidade institucional de definir a questão. Porém, o tema é regulado em âmbito internacional pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), mediante suas conferências de radiocomunicação.

A UIT define as faixas e uso das radiofrequências por regiões. O Brasil encontra-se na região 2- Américas. Compete à Anatel ao regulamentar o espectro de frequências, considerar os interesses de industrialização no Brasil. Sua missão é arbitrar os interesses econômicos em conflito, para o fim de promover a otimização da utilização do espectro de radiofrequência em favor do país. Deste modo, deve ponderar entre as demandas de espectro dos serviços móveis pessoais e os serviços de comunicação multimídia.  Outra demanda é promover a interoperabilidade entre os diversos padrões técnicos de equipamentos no mercado. Existe um jogo de players globais definidor da moldura da economia digital no país. Assim, compete à Anatel a partir da análise do quadro geopolítico e geoeconômico adotar os melhores caminhos quanto à regulamentação do espectro de frequências. Neste contexto, há desafios, riscos e oportunidades no Brasil com a tecnologia de 6G e, evidentemente, de 5G.

Os Estados Unidos pretendem exercer a liderança no domínio da tecnologia de 6G e promover o alinhamento quanto à padronização da utilização do espectro de radiofrequências. Porém, esta ação tem riscos geopolíticos para o Brasil que devem ser mensurados. A par das questões econômicas, há outras questões envolvidas para o Brasil, em especialmente em relação à sua geoestratégia de defesa quanto ao espectro de radiofrequências e o potencial de riscos de controle externo por potência estrangeira e riscos de ataques cibernéticos.  Em jogo, os rumos da conectividade, industrialização, infraestruturas de redes de comunicações, conectividade, segurança cibernética, ecossistemas informacionais e geodefesa. Em contexto da pandemia, é urgente o incentivo ao desenvolvimento de tecnologias 6G, especialmente no setor e-health (saúde digital) e nos sistemas de atendimento de emergências na saúde pública. 


[1] U.S Defense Dept (DoD) to share 100 MHz of mid-band spectrum for 5G services in US, 11, 2020, techblog.comsoc.org. Ver, também, Federal Communications Comission, in the matter of use of the 5.850-5.925 GHz band, november 20, 2020.

[2] FCC, first report and order, further notice of proposed rulemaking, and order of proposed modification, november, 18, 2020.