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Cultura de defesa das instituições democráticas

por Ericson Scorsim

out 16, 2019

Para reforçar as garantias à democracia: a busca do diálogo entre as instituições brasileiras, a valorização da comunicação institucional, a educação política dos cidadãos sobre os valores democráticos e o regime de direitos fundamentais e o combate às campanhas de desinformação.

Ericson M. Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP. Autor da Coleção Ebooks sobre Direito da Comunicação com foco em temas sobre tecnologias, internet, telecomunicações e mídias.

A democracia no Brasil é uma experiência jovem e ainda frágil

A democracia no Brasil é ainda jovem. A redemocratização do País tem apenas cerca de trinta anos, após o regime de ditadura militar (1964-1985). A experiência democrática ganhou vigor com a Constituição de 1988. A democracia para florescer demanda o compromisso com as regras do jogo, as instituições, o direito.  Este compromisso deve ocorrer com as instituições e os cidadãos. Há que se crer firmemente na democracia como o único regime político capaz de afirmar a soberania popular, atender as demandas sociais e resolver os conflitos.

Mas, há muito ainda a ser feito para consolidar a cultura democrática em nosso País, caracterizada por valores fundamentais como o respeito aos direitos humanos e garantias individuais, a tolerância pacífica às diferenças, a institucionalidade, o respeito às regras do jogo democrático, a independência e imparcialidade do Poder Judiciário, a liberdade de imprensa, o o controle pelo governo civil das forças armadas, o Estado laico (separação entre Estado e religião), entre outras.

A qualidade da vida democrática depende do saudável fluxo das comunicações, opiniões e informações, entre cidadãos, empresas, governos e instituições. Assim, fake news (notícias falsas) comprometem a comunicação democrática.

A democracia comunicativa é aquela que tem o compromisso com o debate de projetos, ideias e ideais sobre o futuro da nação, sempre em busca do desenvolvimento econômico, tecnológico, social e cultural do País. Assim, é fundamental que haja diálogo democrático para se pensar em ações práticas para resolver os graves problemas nacionais.

Os perigos à democracia decorrentes da polarização política e social

O cenário atual da realidade no Brasil está contaminado por campanhas de desinformação da opinião pública, bem como por discursos tóxicos. O espectro é de sinalização em direção à afirmação de uma cultura autoritária instrumental de negação de direitos. Este ambiente não é, infelizmente, novidade na história brasileira. Nos momentos de crise da economia, da política e da sociedade, há sinais de o retorno de velhos fantasmas do passado que ainda não foram adequadamente sepultados.[1]

Percebe-se que o movimento de polarização tóxica entre extremos busca explorar as divisões internas dentro do Brasil. Os brasileiros e as brasileiras são divididos entre si. No País, embora a esquerda não tenha desaparecido (e muito querem!), ela se enfraqueceu, devido aos escândalos de corrupção durante os últimos governos.

Nas eleições de 2018, vencedora a extrema direita que alcançou o governo federal, observa-se a busca de construção de narrativas oficiais no sentido de tachar os adversários como verdadeiros inimigos, carimbando os críticos ao governo como comunistas ou esquerdistas.  Esta narrativa ideológica é perversa e contrária ao texto constitucional. Iniciou-se uma guerra cultural baseadas em narrativas inadequadas às demandas reais da soberania popular.

A história revela que perseguições políticas e/ou patrulhamento ideológicos são contrárias ao espírito democrático.

O Senador McCarthy dos Estados Unidos, nos anos 50 e 60, utilizou exatamente esta tática para perseguir comunistas dentro de Hollywood, dentro do governo. Posteriormente, foi instalada pelo Senado dos Estados Unidos Comissão Especial para investigar os abusos cometidos pelos órgãos de inteligência contra artistas, intelectuais, funcionários públicos, movimentação dos negros, com a destruição de reputações. Ao final, o Senador McCarthy foi desprezado pela história.

É idiota a polarização entre esquerda ou direita. O País é multipolar, é maior que eventuais conjecturas políticas e oportunistas. A bipolaridade é danosa ao Brasil.

Totalitarismos de esquerda e/ou de direita cometeram graves crimes contra a humanidade. Autoritarismos de esquerda e/ou de direita causaram mortes, violência e não revolveram problemas de desigualdade social.

É preciso, no século 21, superar esta dualidade ideológica.

Líderes autoritários de direita ou de esquerda são perigosos para a democracia

A compreensão dos discursos, das narrativas e da linguagem adotados por alguns agentes políticos é reveladora da personalidade. As palavras adotadas no discurso político revelam a cultura autoritária do governante. A toxicidade das palavras é capaz de envenenar a opinião pública. O tom destrutivo influencia comportamentos e mentes. Discursos patológicos comprometem a vitalidade da democracia. Discursos de ódio não são saudáveis para a democracia. Discursos que promovem a exclusão das pessoas que divergem de pensamento, opiniões e ideologias não são adequados à democracia. É fundamental o diálogo institucional entre os poderes da República para a superação de impasses políticos. Afinal, a democracia deve ser o território da inclusão econômica, social e cultural dentro do Brasil.

Neste mesmo contexto, a imprensa e os jornalistas são atacados, mediante pressões políticas e econômicas. A liberdade de crítica cede espaço à injúria, à difamação e à calúnia e aos insultos. Ora, com a imprensa enfraquecida há o enfraquecimento da democracia.

A propósito, vale lembrar sobre os problemas da falta de um centro político, nas palavras de Jurgen Habermas elaboradas no contexto da Alemanha, e aqui trazidas ao contexto político do Brasil:

“O desaparecimento da esquerda liberou a direita de sua servidão ao centro; ela não precisa mais do liberalismo como a melhor defesa contra o antiliberalismo […]. O empreendimento crítico […] não é demonstrar a estrutura de poder e substituí-la por outra, mas o de reforçar a estrutura de poder existente contra a ameaça que assoma da direita, da direita política, econômica ou religiosa”.[2]

Em outras palavras, a falta de um centro político dominante, pautado na moderação e na tolerância, cria a oportunidade para o crescimento da extrema direita, nociva ao País, pois seu objetivo final é manter a cultura autoritária e de negação de direitos civis, econômicos, culturais e sociais.  A pretexto de se manter a lei e a ordem são cometidas violações contra direitos humanos e ocorre a usurpação e a concentração de poderes. No ambiente de crise econômica, há a emergência do Estado-policial, Estado-militar e Estado-judicial, o qual pauta a agenda nacional. O quadro de desigualdade social e econômica é apresentado apenas sob a ótica da Justiça e da Segurança Pública. Nada pior para a democracia do que a emergência de polícias políticas ou judiciário político!  A desigualdade econômica e/ou social não pode ser resolvida apenas com medidas repressivas.

A personalização ganha o impulso diante da institucionalidade, não há mais respeito à liturgia, à dignidade, ao decoro e à responsabilidade política do cargo público.

A comunicação institucional do governo é dominada pela personalização do discurso público. Assim, são fundamentais práticas democráticas de correções dos desvios de rota, para se afirmar o respeito à Constituição, aos direitos humanos, de respeito à dignidade humana.  Assim, garante-se a proteção à Constituição contra riscos perigosos sinalizados por líderes autoritários.

Campanhas de desinformação da opinião pública são perigosas para a democracia                

No ambiente da polarização tóxica são realizadas campanhas de desinformação por táticas de utilização de robôs[3] (conhecidos como bots), trolls[4], redes sociais, aplicativos de mensagens, operações psicológicas midiáticas[5],  hackeamento[6], vazamento de dados e/ou informações, introdução de vírus em computadores e/ou aplicativos, celulares, entre outros.

Há a exploração de sentimentos populares como o medo[7], o ódio[8], a raiva[9], entre outros. O objetivo é manipular a opinião pública, conforme o interesse conjectural de modo a enfraquecer o adversário. Há batalhas e/ou guerras na internet (denominadas guerras cibernéticas); há batalhas culturais e são construídas narrativas entre polos opostos que agitam diferentes grupos sociais.

Os territórios virtuais são o novo campo de batalhas das forças políticas. Facebook, Twitter, WhatsApp tornam-se espaços a serem ocupados pelos movimentos políticos. A calúnia, o insulto, a difamação e a injúria dominam o espectro. O respeito, a tolerância e o diálogo ficam em segundo plano.

Assim, a estratégia do grupo político ocupante do governo é manter o engajamento da opinião pública sobre determinado tema, ainda que seja para fins de distração dos reais problemas dos brasileiros e brasileiras.  A verdade subjetiva domina a verdade dos fatos. Neste cenário de fragmentação há obstáculos à construção de consensos.

O cenário brasileiro está contaminado pela publicidade opressiva de investigações e julgamentos midiáticos.  Estratégias de preparação psicológica da opinião pública (psychops) são adotadas. A Justiça torna-se a fonte do espetáculo para a mídia.  Prisões de autoridades públicas e empresários são o espetáculo máximo. Vazamentos de informações sobre investigações e processos penais em segredo de justiça tornam-se corriqueiros. Delações são banalizadas, torna-se o novo instrumento de pressão contra os acusados. O direito de defesa é relativizado. O público de telespectadores, leitores, internautas e ouvintes é submetido a doses diárias de fake news, até se atingir o estado de alteração da consciência sobre a verdade dos fatos. Assim, a overdose de informações e fake news altera a capacidade de consciência crítica e sanidade, ao ponto de comprometer o equilíbrio nos julgamentos.

Informações falsas (fake news) podem comprometer o voto, a vida, a saúde, a reputação, as finanças, etc. Perseguições políticas e/ou ideológicas são conduzidas, sob a aparência da legalidade. Persegue-se, simbolicamente, o diferente, o excluído, marginaliza-se o pensamento divergente. O diferente torna-se marginal. Este é o maior sintoma da opressão à diferença e à singularidade.

O autor William Davies descreve este cenário de guerra de palavras, bem como de exploração do sistema nervoso do povo, como mecanismo de controle psicológico.[10] Ele explica a dinâmica dos trolls como arma anônima de espalhamento de boatos e promoção de ataques pessoais. A trolagem é classificada como espécie de guerrilha que explora símbolos culturais e determinados códigos de ativação mental. Assim, o troll é arma para espalhar a confusão na opinião pública, causando claramente efeito destrutivo. É utilizado por grupos políticos de apoio a determinadas pessoas que pretendem chegar ao poder ou para manter o poder.

Segundo o mesmo autor, a denominada Gerasimov Doctrine, batizada em homenagem ao general russo, promove o valor da propaganda e da disrupção psicológica para enfraquecer o adversário em tempos de paz. Esta doutrina é aplicada no ambiente de batalhas e/ou guerras cibernéticas, promovidas através de redes sociais e aplicativos de internet. O espaço cibernético é considerado o novo território aonde são travadas as lutas por disputa de poder econômico, político e militar e cultural.

As campanhas de desinformação buscam despertar o espírito de grupo, mediante ações combinadas para despertar sentidos de perigo e insegurança na população. Movimentos populistas e autoritários são experts na utilização destas táticas de guerra psicológica ou guerra de nervos. Também, dentre os objetivos, a sabotagem ao poder e/ou às instituições e seus líderes. Assim, a internet torna-se o palco, por excelência para armas de sabotagem das instituições. Fakebook, Google, WhatsApp e Youtube são ocupados pelos novos guerrilheiros da “nova política”.  Os limites tradicionais entre política e violência tornam-se nublados, o objetivo passa a ser o dano emocional ao alvo escolhido, utilizando-se armas computacionais.[11]

Além disto, instala-se a política de segurança pública, baseada no armamento da população. Hoje, este armamento pode servir à autodefesa. Porém, amanhã poderá servir à formação de milícias políticas. O Estado incapaz de resolver os problemas de segurança pública delega aos cidadãos a sua própria defesa. Mas, a ironia da história, além do risco das armas de fogo, quando a caixa de pandora é aberta, devido ao despertar o ódio coletivo, uma simples faca pode se tornar uma arma letal!

A autora Michiko Kakutani descreve o contexto da pós-verdade, isto é, da alteração dos fatos e da verdade propriamente dita.[12] Assim, a manipulação da realidade e, inclusive, da história é promovida deliberadamente por movimentos autoritários. A objetividade da notícia é substituída pela subjetividade. Lembra a autora o poema de William Yeats: “Tudo se parte, o centro não se sustenta. Mera anarquia avança sobre o mundo”. Ocorre que sem centro político, a democracia oscila seu pêndulo entre os extremos.

O fenômeno chamado de fake news é a maior demonstração deste movimento deturpador da realidade que desenvolve estratégias de ficção para apresentar falsas narrativas e dissemina-las nas redes sociais, aplicativos e mídias. A mentira espalha-se no ambiente de hiperestimulação, déficit de atenção e perda da capacidade de pensar com a própria cabeça. O objetivo das campanhas de desinformação é a criação do caos, com a agitação contínua da opinião pública, o estímulo da divisão e conflito entre os diferentes grupos sociais. Ao invés de se prestigiar a construção, faz-se a apologia da destruição e da violência através de palavras e ações.

Ora, é preciso no contexto do Estado Democrático de Direito a resistência à nova violência propagada, por meio das tecnologias digitais. A democracia foi construída a partir da liberdade de expressão, informação e comunicação. Desinformação, violência, intimação e a deturpação dos fatos corroem a democracia!  Esta erosão do solo democrático, base da unidade nacional, deve ser vista como um sinal de alarme das instituições, líderes e cidadãos, comprometidos com o País.

Interferência da Rússia nas eleições dos Estados Unidos: as campanhas de desinformação

Os Estados Unidos foram alvo de campanha de desinformação da opinião pública utilizada por grupos da Rússia em relação à campanha presidencial de 2016.

Lá, ficou comprovada a influência dos russos nas eleições presidenciais norte-americanas, mediante ações que exploraram temas polêmicos que dividiam o eleitorado, de modo a favorecer a eleição do Presidente Donald Trump, e enfraquecer a candidata Hillary Clinton. O próprio Facebook reconheceu que anúncios pagos em sua plataforma foram utilizados para a difusão de mensagens contrárias à candidata democrata, mediante trolls na campanha presidencial.

Depois das eleições, o quadro de polarização norte-americana, estimulada pelo Presidente Donald Trump, consolidou o ambiente para a proliferação de movimentos de supremacia branca nos Estados Unidos, mediante atos violentos.  Ora, movimentos racistas foram combatidos por décadas durante o século 20. Agora, infelizmente retorna o tema novamente no século 21.[13]

Ora, se nos Estados Unidos, a maior potência econômica, militar e cultural do planeta houve interferência por parte de país estrangeiro, tornando-se vulnerável a ataques no seu sistema eleitoral, o que podemos pensar a respeito das influências externas sobre o Brasil?

Portanto, é perigoso o fenômeno das fake news em relação à democracia.[14] As fake news podem derrubar governos, destruir instituições, mudar leis, comprometer o resultado das eleições, enganar a opinião pública; ainda, colocam em risco, a noção de soberania popular, isto é, a capacidade de um povo definir os rumos de seus País.

Saída do Reino Unido da União Europeia: a influência de campanhas de desinformação

           Neste mesmo cenário de campanhas de desinformação, está o escândalo da Cambridge Analytica e do Facebook. Ficou demonstrado que campanhas de desinformação influenciaram os eleitores britânicos no plebiscito sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. Portanto, este fato releva a gravidade da situação; campanhas de desinformação podem afetar a soberania de um País.

Atualmente, ainda persiste o quadro de confusão política que se encontra o Reino Unido, após a decisão pelo Brexit. Permanece na pauta a negociação política entre o Reino Unido e União Europeia, sobre diversas questões de impacto na economia e sociedade: acordos comerciais, controle de fronteiras, políticas de segurança, etc. Enfim, uma série de graves problemas nacionais desencadeados por campanha de desinformação. É necessário a reflexão sobre as consequências políticas sobre a decisão do Brexit, bem como as responsabilidades políticas. Imagine-se que anos depois forem descobertas provas ainda mais robustas da manipulação do eleitorado britânico, mediante campanhas de desinformação, por potências estrangeiras em conluio com alguns políticos ingleses, para sabotar a integração do Reino Unido à União Europeia? Isto tem graves consequências para a democracia e a soberania popular.

A institucionalidade na forma da Constituição do Brasil: as soluções possíveis de combate ao legalismo autoritário

           Há alguns sinais negativos emanados do atual ocupante do Presidência da República do Brasil de desrespeito em relação à Constituição. Há sinais de práticas baseadas em legalismo autoritário. São diversas declarações, manifestações, comportamentos e decisões contrários ao sentimento constitucional e à Constituição. São exemplos: a apologia da ditadura e a pessoa de torturadores são graves comportamentos contrários à Constituição e tratados internacionais em matéria de direitos humanos.

Ora, a Constituição de 1988 definiu as bases do Estado Democrático de Direito. Previu a proteção aos direitos e garantias individuais. Definiu o princípio da separação e colaboração entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Estabeleceu o Supremo Tribunal Federal como o guardião da Constituição. Estabeleceu o controle civil das forças armadas. Também, assegurou o princípio do juiz natural, o princípio da imparcialidade da Justiça, o devido processo legal, o direito de defesa, o princípio da inocência, entre outros.

Porém, todas estas garantias individuais e coletivas estão sendo alvo de ataques, a pretexto de aplicação de uma interpretação, pautada em legalidade autoritária, baseada no que se denomina o sentimento popular que busca corrigir impunidades e punir ilícitos cometidos por agentes políticos e empresários.

Sinais de legalidade autoritária estão presentes em operações, investigações e ações penais que buscam promover mudanças na ordem institucional vigente, em flagrante ofensa ao quadro constitucional de competências, inclusive com a usurpação de poderes de outras autoridades, e em violação ao princípio do juiz natural. O vazamento de informações sobre processos judiciais, sob segredo de justiça, tornou-se moda. Também, mecanismos de espionagem eletrônica e interceptação das comunicações tornaram-se banais. Tudo isto é preocupante na perspectiva da violação à Constituição e as garantias individuais.

Referidos fatos apontam que a cultura democrática na forma definida na Constituição de 1988 pode estar ameaçada. A institucionalidade, a formalidade jurídica, garantias individuais estão sendo atacados.

A Justiça não pode se tornar o palco para o espetáculo ou para reality shows. A Justiça não pode se transformar no palco para o arbítrio.  O populismo não pode ameaçar a integridade do Poder Judiciário.  Há a sinalização no sentido da fixação de bases de uma cultura antidemocrática e autoritária, o que é grave para o Estado Democrático de Direito, principalmente para o Poder Judiciário, representado por sua instituição máxima o Supremo Tribunal Federal.

Ataques ao Supremo Tribunal Federal: o perigo real à institucionalidade

No Brasil, a campanha de desinformação é realizada contras as instituições democráticas, com o destaque aos constantes ataques ao Supremo Tribunal Federal. Há ataques pessoais contra Ministros do Supremo Tribunal Federal.

O debate público perde a racionalidade; a emocionalidade pauta a agenda nacional. Incidentes de segurança, de violência, de desastres naturais tomam conta da agenda também da mídia.  A irracionalidade toma conta do cenário em redes sociais, aplicativos de mensagens e sites da internet.  Multiplicam-se discursos de envenenamento do sentimento democrático.

E, ainda, há o movimento para se criar uma CPI do Judiciário com o objetivo claro de constranger e coagir Ministros do STF, inclusive há pedidos de impeachment de Ministros. Isto é algo perigoso para a democracia. O STF não pode ser alvo de estratégias políticas de determinados grupos de poder, sedentos por populismo.

O Supremo Tribunal Federal, por determinação da Constituição, assumiu o papel em relação ao exercício da jurisdição penal, algo que ultrapassa as funções de uma Corte Constitucional. Assim, devido a casos que envolvem políticos, está sendo submetido a pressões sociais e políticas de todos os lados.  Ao julgar temas penais com ampla repercussão nacional, o Supremo Tribunal Federal ganhou ampla visibilidade, ainda mais com as transmissões ao vivo pela TV Justiça. Por outro lado, esta exposição pública da instituição e de seus ministros criou riscos, ataques, insultos, etc, algo nefasto para o ambiente democrático.

A institucionalidade e toda a tradição constitucionalista é pressionada por sentimentos populares, pela denominada voz das ruas. Ora, o Supremo Tribunal Federal, por sua natureza institucional, é anti-majoritário. Seu papel é defender o Estado Democrático de Direito e a Constituição, inclusive os direitos e garantias individuais. Sua responsabilidade institucional central é assegurar a vitalidade das instituições brasileiras.

O Supremo Tribunal Federal deve seguir o sentimento constitucional e não o sentimento popular, porque este pode se limitar ao ódio e às fúrias coletivas, ao medo e à vingança, despertados com a polarização e com campanhas de desinformação nas redes sociais.  Compete ao Supremo Tribunal Federal definir os limites dos poderes da República, para evitar a preponderância do Estado-Juiz, do Estado-policial e do Estado-militar, Estado-religioso e do Estado-burocrático. Afinal, o Estado Democrático de Direito tem a função de evitar a concentração de poderes em mãos de poucas corporações. Assim, há excessos no exercício da jurisdição penal que precisam ser corrigidos, sob pena de serem massacrados os direitos e garantias individuais, como o direito de defesa, à imagem e à honra, à dignidade humana.

No âmbito da Administração da Justiça, não é admissível que cargos públicos sejam instrumentalizados para a construção de movimentos e/ou plataformas políticas. A politização da Justiça não é saudável para a democracia. A vontade pessoal ou a vontade de poder não pode ser o fim maior que move as instituições ligadas à Administração da Justiça. Caso contrário haverá o reinado do abuso de poder, ao invés de exercício do poder legítimo. Não é admissível que a imagem da Justiça seja personalizada por um ou outro agente público! Se o servidor público quer fazer política que se candidate a um cargo eletivo. Se o funcionário público quiser palanque e holofote é melhor renunciar ao cargo público! A grande maioria dos servidores públicos querem apenas executar bem o seu trabalho; sem buscar holofotes. Porém, esta maioria silenciosa é muitas vezes prejudicada pelos agentes públicos-estrela que utilizam dos cargos públicos para obter dividendos políticos.

Outros perigos à democracia devido à polarização política dentro das carreiras de Estado 

Como já referido anteriormente, existem gravíssimos perigos para a democracia com a politização do Judiciário, isto é, magistrados fazendo política dentro da corporação.

Também, há riscos com a politização do Ministério Público, devido à atuação política de promotores e procuradores.

Porém, o perigo maior é o risco de polarização dentro das Forças Armadas, das Forças Policiais e das Militares. Estas forças militares devem seguir o princípio da hierarquia, caso contrário haverá a subversão da ordem de comando. A divisão das Forças Armadas, entre Oficiais e comandados, é o maior risco a ser objeto de reflexão. A inversão da ordem é danosa à instituição. A quebra da hierarquia é fator de ruptura da unidade institucional das forças armadas.

A imprensa recentemente destacou a atuação da polícia militar para impedir/restringir a atuação de grupo ligado a determinado partido político.

Ora, carreiras de estados não podem servir a determinadas orientações políticas e/ou ideológica, sob o risco de retornarmos para o passado autoritário. A luta política, inerente à democracia, não pode contaminar as instituições encarregadas de aplicar a lei.

Max Weber já alertava sobre os perigos da intervenção pelo funcionalismo público no jogo político.[15] Segundo o autor, a dominância por uma burocracia constitui uma variação do Estado autoritário, razão pela qual ele defendia a valorização do parlamento, malgrado todos os possíveis defeitos do processo político.[16] Assim, a visão de mundo do Estado burocrático não é necessariamente coincidente com a visão de mundo da população. Trata-se apenas de uma visão parcial de determinado grupo no poder estatal. Os representantes do Estado burocrático ao pretenderem assumir a liderança política da nação acabam por negar o princípio da política parlamentar.

Segundo ele: “A política parlamentar pode ser amada ou odiada – não é possível ser eliminada”.[17] E, ainda, o autor alerta: “O funcionário deve estar acima dos partidos, o que significa, na verdade, fora da luta pelo próprio poder. A luta pelo poder pessoal e a responsabilidade pessoal pela sua causa que resulta do poder, eis o elemento vital tanto do político quando do empresário”.[18]

Também, ele adverte sobre os riscos de imaturidade política de um povo e os desafios quanto à educação política de diversas gerações. E esclarece que o Estado autoritário burocrático é contra a democracia e o parlamento.  Este ponto é fundamental na análise do contexto brasileiro. É importante o debate sobre os limites do exercício de poder pelos agentes públicos, bem como dos riscos de politização dentro das carreiras de estado. Ou prevalecer o profissionalismo ou instaura-se um regime anárquico e puramente político dentro da Administração Pública, dentro da Administração da Justiça e dentro das corporações militares.

Por fim, adiciona:

“Como já foi dito, não é próprio de um funcionário participar de conflitos políticos de acordo com suas convicções pessoais e, nesse sentido, fazer política, o que sempre significa luta. Pelo contrário, seu orgulho é proteger sua imparcialidade e, portanto, poder superar suas próprias inclusões e opiniões para realizar, de maneira conscienciosa e senta, o que o regulamento geral ou alguma instrução especial exigem dele, mesmo – e particularmente – em casos que não correspondem às suas próprias convicções políticas”.[19]

E prossegue o autor: “É com demasiada frequência que um funcionário público que atua como político transformar por meio de um tratamento tecnicamente ruim, uma causa boa, nesse tal sentido, em uma causa ruim, experiência pela qual tivemos que passar”.[20] Nesta linha ainda:

“O funcionário deveria cumprir sua função sine ira et et studio, sem fúria e sem parcialidade. Ou seja, ele não deve fazer precisamente aquilo que os políticos, tanto o líder quanto seus seguidores, sempre e necessariamente devem fazer: lutar. Pois parcialidade, luta e paixão – ira et studium – são o elemento do político, particularmente do líder político. A ação deste encontra-se sob um princípio de responsabilidade diferente e oposto àquele do funcionário público”.[21]

Por fim, Max Weber apresenta o dilema entre a busca de fins, através de meios eticamente duvidosos. Assim, os apóstolos da ética da convicção (a Santa burocracia) a pretexto de fazer o bem, para combater o mal, podem cometer outros males.[22]

E, ainda, Max Weber:

“É psicológica, nas condições da moderna luta de classes, a satisfação do ódio e da sede de vingança, e, principalmente, do ressentimento e da necessidade de pseudoética de sentir-se sempre com a razão, isto é, da necessidade de denegrir e difamar os adversários. Os prêmios materiais são a aventura, a vitória, o espólio, o poder e as prebendas”.[23] O que se busca é a legitimação da ética do desejo de vingança e da ambição de poder. Enfim, lições de Max Weber atuais no século 21, aplicáveis ao cenário político do Brasil.

Aqui, também, vale lembrar o paradoxo da consciência, segundo Giorgio Agamben[24]. A busca do bem pode se perverter e se transformar na realização do mal. A consciência nobre pode se transformar na consciência vil. Segundo o autor: “ … Bem e Mal ou consciência do bem e a consciência do mal, consciência nobre e consciência vil – têm verdade; mas todos esses momentos se pervertem antes um no outro, e cada um é o contrário de si mesmo”.[25]  O pecado original que teria corrompido a humanidade, segundo a mitologia cristã, é a fonte da violência na correção do pecado e dos hereges.

Valorização da Comunicação Institucional do Poder Judiciário, ao invés da vontade do agente público

É preciso valorizar a comunicação institucional do Poder Judiciário, em respeito à impessoalidade, à imparcialidade e ao devido processo legal. A própria Justiça tem a missão constitucional de restabelecer a sua imparcialidade e moderação diante dos conflitos políticos e sociais. Ora, deve prevalecer o princípio da impessoalidade e imparcialidade na Administração da Justiça.

A comunicação institucional do Poder Judiciário deve valorizar a impessoalidade na divulgação de seus atos, decisões e programas. Não é conveniente a personalização da comunicação do Judiciário.

Assim, devem ser debatidas medidas para evitar abusos na comunicação do Judiciário, e das também das relações com a mídia.

Afinal, a polarização tóxica na disputa do poder político não pode contaminar as instituições do Estado Democrático de Direito. O Brasil é maior do que a polarização. O País é multicultural; é multipolar. A bipolaridade é fator de quebra da unidade nacional, a divisão do País, com o quadro de vulnerabilidade somente serve às potências estrangeiras e empresas internacionais, interessados nas riquezas nacionais.  Aliás, os serviços de inteligência estrangeira se aproveitam justamente deste cenário de caos dentro de um País para atender os interesses de seu País de origem.

Ora, os sinais em relação à liderança autoritária no Brasil indica os primeiros riscos de corrosão dos pilares democráticos baseados nos direitos e garantias individuais. Há o risco de retrocesso e a barbárie, com o enfraquecimento das instituições democráticas. A mentalidade autoritária, tacanha, tosca, obscura, vocacionada para a violência, o ódio e a negação de direitos, deve ser combatida. Aliás, este tipo de liderança autoritária causa danos irreparáveis à imagem do Brasil perante a comunidade internacional e afugenta investidores.

Há o estado de vulnerabilidade das instituições democráticas no ambiente das tecnologias digitais de comunicações.  O desafio necessário para o fortalecimento da cultura democrática em nosso País, com o despertar da consciência democrática, para curar de vez a doença do autoritarismo que ainda não foi sepultado. Todo o cuidado para a salvaguarda das instituições é pouco. A lenta dose de cultura autoritária que está envenenando as instituições democráticas deve ser combatida.  A cura está dentro da própria democracia; está dentro das mentes e dos corações dos brasileiros e brasileiras. Compete às próprias instituições e os cidadãos, conter a banalidade do mal, com o banimento de métodos corrosivos da democracia, baseados na violência, crueldade, truculência e intolerância. Segundo a frase clássica de Santayana: aqueles que não se lembram do passado autoritário estão condenados a repeti-lo. E, como ensina Hannah Arendt o tiro pela culatra ocorre quando os fatos se voltam contra os malfeitores. E segundo a mesma autora: “A grandeza desta República foi dar, por amor à liberdade, o devido valor ao que há de melhor e pior nos homens’.[26]

Assim, é fundamental prestigiar a cultura democrática e, consequentemente, a cultura da responsabilidade política dos agentes públicos. Para superamos a cultura autoritária, é preciso conhecer a história brasileira. Enfim, a cultura democrática demanda o princípio da responsabilidade política da responsabilidade política daqueles que governam ou ocupam cargos de poder público, o que significa na prática a obediência à Constituição e à legislação em vigor

Precisamos resgatar elos de cooperação, solidariedade e confiança entre brasileiros e brasileiras. Somente com a união coletiva que é possível superarmos os desafios individuais e coletivos. É essencial o combate à insensibilidade, à desumanização e à mediocridade, tão disseminadas por plataformas digitais, que são aproveitados por movimentos autoritários.

A democracia avançará e muito com a valorização da comunicação institucional dos poderes públicos (em superação à comunicação pessoal), com a definição do regime de responsabilidade dos agentes públicos (legislativo, executivo e judiciário), com o combate às campanha de desinformação por fake news (notícias falsas), fortalecimento da mídia, e educação política dos cidadãos a respeito dos valores democráticos e o regime de direitos fundamentais.

[1] Sobre a tradição do pensamento autoritário brasileiro, vide a título ilustrativo, Vianna, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Fundamentos sociais do Estado (Direito Público e Cultural). Conselho Editorial do Senado Federal, 1999.

No Brasil, o pensamento autoritário justificou o surgimento do Estado interventor, baseado em políticas autoritárias. Assim, nesta linha de pensamento cabe ao Estado fixar as metas sociais para dirigir o progresso nacional, ainda que haja o sacrifício da liberdade individual. Os maiores expoentes do pensamento autoritário foram registrados durante os períodos de ditadura de Getúlio Vargas, bem como nos governos militares (1964 a 1985). Porém, o pensamento autoritário não é exclusividade da direita, também no campo da esquerda há a defesa do autoritarismo. E, como ensina Norberto Bobbio, o ponto em comum da extrema direita e da extrema esquerda é a negação da democracia e a negação do regime do direito.

[2] Habermas, Jurgen. A inclusão do outro, p. 540.

[3] Robôs são softwares distribuídos através de computadores, celulares ou utilizados em redes sociais e aplicativos.

[4] Trollagem é a gíria utilizada pelos usuários da internet que significa uma conduta que desestabiliza uma conversa, causando a fúria nas demais pessoais, mediantes comentários injuriosos, caluniosos e/ou ignorantes.

[5] Os militares denominam esta tática de psychops, surgidas no contexto da Guerra Fria.

[6] Invasão criminosa de computadores, e-mails, aplicativos, celulares, entre outros dispositivos tecnológicas.

[7] Exploração do estado de insegurança econômica e/ou social, com a exploração de temas relacionados ao risco de perda de emprego e/ou ao desemprego, segurança pública, violência, entre outros.

[8] Ódio contra determinados grupos sociais e/ou políticos.

[9] Raiva pela condição econômica/social, por eventuais benefícios a determinados grupos de interesses.

[10] Ver Nervous States. Democracy and the decline of reason. Norton & Company. New York, 2018,

[11] Obra citada, p. 201.

[12] Ver A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump, Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018,

[13] Ver U.S Department of Justice. Report on the investigation into Russian Interference in the 2016 Presidential Election. Special Counsel Robert S. Mueller.

[14] Há inúmeros outros exemplos de graves problemas sociais com a disseminação de fake news: linchamento moral, assassinato, mentiras sobre a utilização de vacinas, etc.

[15] Escritos políticos.

[16] Obra citada, p. 212.

[17] Obra citada, p. 213.

[18] Obra citada, p. 206.

[19] Obra citada, p. 227.

[20] Obra citada, p. 415.

[21] Obra citada, p. 416.

[22] Obra citada, p. 454.

[23] Obra citada, p. 458.

[24] Ver O homem sem conteúdo.

[25] Agamben, Giorgio. O Homem sem conteúdo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017, p. 54.

[26] Arendt, Hannah. Responsabilidade e julgamento, p. 345.