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Garantias para continuidade do acesso aos serviços de internet e telecomunicações na crise da epidemia do coronavírus
Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito da Comunicação. Doutor em Direito pela USP.
O tema do tratamento à inadimplência dos usuários dos serviços de internet e telecomunicações tem gerado controvérsias, inclusive foi judicializado em diversas regiões do país.
Pela regulamentação em vigor, em havendo prestação do serviço de internet e telecomunicações deve ocorrer o pagamento pelo usuário. Porém, algumas decisões judiciais determinaram a suspensão dos pagamentos dos serviços de telecomunicações e internet, devido à situação de calamidade pública no setor de saúde relacionado ao coronavírus que repercutiu na economia nacional.
De um lado, há os interesses dos usuários na continuidade dos serviços de acesso à internet e telecomunicações. Mas, devido às contingências da crise, os usuários, em dificuldades financeiras, não conseguem pagar as faturas dos serviços dentro dos prazos contratados. E, atualmente, no momento em que as pessoas estão em suas casas e outras continuam prestando os serviços essenciais, os serviços de internet e telecomunicações são fundamentais para a realização de diversas atividades: comunicações com familiares, amigos, empresas, teletrabalho (home office), serviços de delivery para entrega de comida e medicamentos, telemedicina, serviços de pagamentos digitais, comércio online, etc.
De outro lado, há os interesses das empresas provedoras de serviços de conexão à internet e serviços de telecomunicações em obter receitas para o custeio de suas atividades, especialmente para a realização de serviços de manutenção das redes. O Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, ao regulamentar a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 que trata da ações emergenciais de combate ao Coronavírus, qualifica os serviços de conexão à internet e os serviços de telecomunicações como essenciais, razão pela qual é considerado indispensável ao atendimento das necessidades da comunidade que colocam em risco a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Deste modo, ao que tudo indica, o corte dos serviços de conexão à internet e aos serviços de telecomunicações, por razões de inadimplência, não é a melhor medida diante do cenário da grave crise nacional, para grupos de consumidores vulneráveis e com dificuldades financeiras devido a situações de desemprego e/ou falta de renda.
Há motivos de força maior para a revisão dos contratos, de modo a serem flexibilizados os prazos para pagamentos da prestação dos serviços. Em circunstâncias excepcionais, é necessário um regime mais flexível para permitir a renegociação dos contratos, com o adiamento das obrigações de pagamento contratuais. Também, por outro lado, é importante a fixação de limites de prazos, sob pena de se ter um risco sistêmico à manutenção dos serviços essenciais de internet e telecomunicações, devido à generalização da inadimplência e o impacto no fluxo de caixa das empresas. Assim, é importante o estabelecimento de um regime diferenciado, flexível e assimétrico para os provedores de pequeno porte de serviços de internet e telecomunicações, os quais possuem maiores riscos financeiros quanto ao suporte da inadimplência dos usuários. Com efeito, atualmente, a regulação setorial dos serviços de conexão à internet e telecomunicações é realizada sob o regime privado de autorizações. Serviços de conexão à internet e de serviços de telecomunicações não são mais considerados como serviços públicos em sua formulação clássica, apenas são atividades econômicas privadas sob autorização do poder público. Assim, existem limites à atuação regulatória do poder público. Porém, em situações excepcionais, deve prevalecer a boa-fé e lealdade entre as partes a fim de serem renegociadas as condições de prestação de serviços. Neste contexto, é missão institucional da Anatel fazer a calibragem entre os interesses divergentes, de modo a assegurar a continuidade dos serviços essenciais de conexão à internet e telecomunicações.
É importante a análise do impacto regulatório das medidas possíveis para, de um lado, assegurar a continuidade dos serviços de internet e telecomunicações, de, outro lado, oportunizar condições de pagamentos diferenciadas para aqueles em situações vulneráveis. E, diferenciando-se o regime dos provedores de internet e telecomunicações de pequeno porte em relação ao regime dos grandes conglomerados empresariais. Aqui, a razão regulatória deve observar a visão sistêmica para preservação dos serviços de internet e telecomunicações, mas observando-se a singularidade de cada grupo de fornecedores dos respectivos serviços. Tratamentos assimétricos respeitam as diferenças setoriais concretas, caso contrário haverá aí o risco de desconexão por falta de pagamentos.
O momento histórico do Brasil requer a sensibilidade dos interesses dos consumidores, especialmente os mais vulneráveis economicamente. Mas, também, devem ser considerados os interesses das empresas, vitais para garantir a continuidade dos serviços de internet e telecomunicações, diferenciando-se o regime dos provedores de pequeno porte em relação aos provedores de grande porte.
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