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Lei dos Estados Unidos sobre inovação e competividade: oportunidades e riscos geopolíticos para o Brasil
Os Estados Unidos aprovaram a sua nova lei sobre inovação e competividade, denominada United States Innovation and Competition Act of 2021.
A lei contém regras de incentivos à produção de semicondutores (chips), mediante a instituição de um fundo público. Há, ainda, incentivos à inovação na cadeia de suprimentos de redes sem fio (wireless). São definidas ainda estratégias para a competividade norte-americana nas seguintes áreas chave: inteligência artificial, aprendizagem por máquina, computação avançada, hardware e software, tecnologia e ciência quântica, robótica, automatização e manufatura avançada, prevenção e mitigação de desastres naturais, tecnologias em comunicação avançada e tecnologia imersiva, biotecnologia, tecnológica médica e biologia sintética, armazenamento de dados, gestão de dados, tecnologias de computação em borda, segurança cibernética e biometria, energia avançada e eficiência de tecnologia industrial, tais como: baterias e tecnologias nucleares.
Devem ser elaborados relatórios das tendências tecnológicas globais pelas comunidades de inteligência e de segurança, considerando-se o impacto das tecnologias nos desafios de segurança nacional, incluindo-se as ameaças à competividade e segurança dos Estados Unidos e de suas indústrias, inclusive a agricultura. O objetivo é garantir a liderança dos Estados Unidos em tecnologias críticas, de modo a possibilitar sua posição geoestratégica. Para tanto, deve-se fortalecer a competividade dos Estados Unidos no setor da educação em tecnologias chaves para a economia norte-americana. Há incentivos para a educação em ciência, tecnologia, física e matemática em áreas rurais. Além disto, devem ser realizados estudos para mensurar a conectividade por banda larga e comunidades rurais. Deve ser incentivada uma rede de infraestrutura quântica para o estudo de ciências quânticas e tecnologias de comunicação quânticas.
Por outro lado, propõe-se a realização de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias relacionadas à agricultura de precisão, em relação a sensores, scanners, identificação por radiofrequências, tecnologias de monitoramento do solo, condições de irrigação e fisiologia das plantas, redes de conectividade e comunicação sem fio que suportam as tecnologias para a agricultura, imagens aéreas geradas por satélites e veículos aéreos não tripulados, robótica de solo, design de sistemas de controle e conectividade, tais como sistemas de controle de irrigação inteligente, software de gestão de dados e análises avançadas que podem auxiliar o procedimento decisório e melhorias na produtividade agrícola, revisão dos programas federais de apoio à agricultura de precisão. No setor de mineração, requer-se a aplicação da inteligência artificial na exploração geológica para a análise de minerais críticos. Por outro lado, há parte da lei dedicada à pesquisa em bioeconomia, engenharia biológica e desenvolvimento, em garantia ao bem-estar, fortalecimento da segurança nacional e economia. Além disto, há dispositivos sobre a proteção da pesquisa científica diante do risco de furto cibernético.
Busca-se, ainda a realização de um programa educacional de consciência segurança nacional cibernética. Ademais, pretende-se garantir a influência norte-americana na definição de parâmetros internacionais das tecnologias, com ênfase em interoperabilidade, diferença do produto, inovação tecnológica e outros serviços de valor adicionado. E mais, quer-se a ampliação da capacidade de inovação regional, mediante a atuação do National Institute of Standards and Technology Act e Manufacturing USA Institute. Também, pretende-se a construção de infraestrutura de conectividade (regional technology hub), com o treinamento da força de trabalho em tecnologia.
A segurança econômica está associada à segurança nacional, por uma estratégia comum para garantir a competividade dos Estados Unidos em ciência, pesquisa, inovação e transferência de tecnologia, incluindo-se o licenciamento de patentes em apoio à estratégia de segurança nacional. Há, ainda, o programa de resiliência na cadeia de suprimentos, em cenários de ameaças biológicas e pandêmicas, ataques cibernéticos, eventos climáticos extremos, conflitos entre grandes potências e outras ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos. Deverão ser realizados relatórios das principais tendências em manufatura e inovação industrial, força de trabalho, ambiente, saúde e segurança nacional. Por outro lado, há o programa de treinamento na força de trabalho no setor de telecomunicações. Quanto aos pontos de troca de tráfego na internet e cabos submarinos há dispositivos sobre regulamentação da localização da estação terrestre de conexão ao cabo submarino. Exige-se que a regulação de modo a garantir a transparência quanto ao controle da estação terrestre do ponto de conexão do cabo submarino. Proíbe-se a transferência, outorga ou permissão para estações de radiodifusão para pessoa sob a indevida influência do Partido Comunista Chinês.
O Secretário de Comércio deve identificar as oportunidades para melhorar a participação norte-americana nas atividades na União Internacional de Telecomunicações. Quanto à arquitetura de rede aberta (Open Radio Acess Network), estimula-se acordos de cooperação em pesquisa e desenvolvimento, com a participação do setor privado. Busca-se, adicionalmente, o estabelecimento de parcerias entre o governo e o setor privado, mediante consultas realizadas pela Federal Communications Comission. Outro tema é a consciência situacional espacial (space situational awareness), mediante a coleta de dados espaciais. Demanda-se que as entidades comerciais mantenham uma arquitetura abertura de dados baseadas em computação em nuvem, com capacidade de visualização. O Secretário de Comércio, juntamente com o Secretário Defesa, avaliará a possiblidade de disponibilizar dados espaciais ao público. Há, ainda, o programa de desenvolvimento comercial de satélites de baixa órbita. E, ainda, o Congresso avaliará o impacto das tecnologias de comunicação da próxima geração, de apoio às operações espaciais.
A tecnologia de criptografia quântica é vital para a segurança das operações de comunicações por satélites. Há o programa de apoio ao desenvolvimento da redução de ruídos dos veículos espaciais. Atualmente, a tecnologia de comunicações da NASA não permite a coleta de dados em tempo real. Por isso, devem ser realizados estudos em serviços de comunicações comerciais. Outro capítulo é destinado ao desenvolvimento de infraestrutura global, com os seguintes parâmetros: respeito à soberania dos países no qual o investimento em infraestrutura é realizado, anticorrupção, regra do direito, direitos humanos e trabalhistas, sustentabilidade fiscal e financeira, governança social, transparência e padrões ambientais e de energia. Neste tópico, incluem-se como infraestruturas, portos, redes de energia, redes de telecomunicações 5G, cabos submarinos, entre outros. O governo norte-americano fará o monitoramento dos investimentos realizados pela China no desenvolvimento em redes de energia em países em desenvolvimento, para fins de sua segurança econômica e segurança nacional.
Sobre a tecnologia digital e conectividade há medidas para a aliança no comércio digital, inclusive parcerias em conectividade e segurança cibernética. Nas alianças com países estrangeiros haverá a expansão e aumento do acesso seguro à internet e as infraestruturas digitais em mercados emergentes, a proteção de ativos tecnológicos, incluindo-se dados, adoção de políticas regulatórias que encorajem uma internet aberta, interoperacional, confiável e segura, o livro fluxo de dados, modelos de governança da internet, ambiente regulatório competitivo das tecnologias de informação e comunicação, promoção de exportação das tecnologias de informação e comunicações dos Estados Unidos e aumento da participação das empresas norte-americanas no mercados-alvo, promoção da diversificação dos produtos de tecnologia de informação e comunicações e cadeia de suprimento de serviços, construção da capacidade de segurança cibernética, e promoção das melhores práticas para a abordagem nacional de segurança cibernética. A agência de desenvolvimento internacional deverá adotar uma estratégia baseada em projetos de conectividade, inclusive projetos de equipamentos de telecomunicações, pagamentos móveis, cidades inteligentes e cabos submarinos, promovendo-se o valor estratégico dos Estados Unidos perante parceiros e aliados. Há ações para a contenção da influência maliciosa da China, mediante operações de influência por meios políticos, financeiras e informacionais.
O Escritório de Parcerias Tecnológicas e o Departamento de Estado devem defender nas parcerias com outros países: a regra do direito, a liberdade de expressão e o respeito aos direitos humanos, a segurança e o responsável desenvolvimento de tecnologias emergentes e parâmetros adequados, a arquitetura de segurança da internet, baseada em modelos multi-stakeholder ao invés de controle governamental centralizado. A harmonização dos regimes de governança da internet com os parceiros nas seguintes áreas-chave: inteligência artificial e aprendizagem por máquina, telecomunicações 5G e outras tecnologias de redes sem fio, manufatura de semicondutores, biotecnológica, computação quântica, tecnologias de vigilância, inclusive reconhecimento facial e software de censura, cabos de fibra ótica. Haverá a coordenação quantos aos parceiros de tecnologia relação aos controles de exportações, em matéria de segurança da cadeia de suprimentos, investimentos em e/ou licenciamento de infraestruturas críticas e tecnologias dual-use. O Departamento de Comércio coordenará política de resiliência de cadeia de suprimentos em áreas de tecnologias críticas, incluindo-se a diversificação da cadeia de suprimentos de componentes em países envolvidos em parcerias tecnológicas. Também, deve haver o compartilhamento de informações em relação à transferência de tecnologia que representem ameaças por governos autoritários.
Há a previsão de fundo multilateral de telecomunicações. O Congresso deverá estabelecer parâmetros para as parcerias tecnológicas. Os Estados Unidos, seus aliados e parceiros deverão manter a participação e liderança na fixação dos parâmetros internacionais para a tecnologia de 5G e futuras gerações telecomunicações móveis e infraestrutura. E, também, o governo deve encorajar e facilitar o desenvolvimento da segurança da cadeia de suprimentos e redes para 5G e gerações futuras de telecomunicações móveis e infraestruturas. Ademais, deve-se favorecer altos padrões de segurança nas redes de telecomunicações e ambiente cibernético. Os Estados Unidos devem promover a liderança dos padrões internacionais de equipamentos, sistemas, software e redes virtuais para as redes 5G e futuras gerações de telecomunicações móveis e infraestruturas, bem como o engajamento diplomático com aliados e parceiros e o setor privado neste tema. O Secretário de Estado, juntamente com outros Secretários, deverá assessorar nas decisões norte-americanas relacionadas aos impactos da influência dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas e iniciativas multilaterais globais. Também, o governo deverá rastrear mudanças no secretariado da ONU que possam impactar a estratégia norte-americana. Em relação ao hemisfério ocidental, nas relações entre Estados Unidos e Canadá deverá ocorrer o monitoramento dos investimentos da China em infraestrutura, especialmente no setor de tecnologia de telecomunicações em redes 5G, extração de recursos naturais e infraestruturas de portos que possam representar riscos à segurança nacional dos Estados Unidos e Canada.
Os Estados Unidos devem compartilhar informações de inteligência sobre a capacidade da Huawei e a as intenções do Partido Comunista Chinês com relação à expansão do 5G. Na relação transatlântica, os Estados Unidos devem monitorar investimentos em infraestrutura da China ao redor do mundo, especialmente em redes de telecomunicações 5G e infraestrutura de portos que possam representar ameaça à democracia na Europa, bem como a segurança nacional de países-chave. Os Estados Unidos, quando for conveniente, devem compartilhar informações de inteligência com os aliados europeus e parceiros sobre as capacidades da Huawei e na intenção do governo da China com a expansão do 5G na Europa.
O Presidente dos Estados Unidos deve engajar a União Europeia na reforma do controle de exportações de tecnologias dual-use, para restringir as exportações de controle da segurança nacional para a China, conforme o Wassenaar Arrangement. E mais, devem ser estimulados mecanismos entre Estados Unidos e União Europeia para limitar a exportação de tecnologia sensíveis para a China. Por outro lado, há a regulamentação favorável à aquisição de produtos norte-americanos: Buy American Act. Existem mecanismos de incentivos à utilização da inteligência artificial. Baniu-se o aplicativo TikTok em dispositivos do governo. Houve a previsão da gestão dos riscos nacionais, incluindo-se a resiliência da infraestrutura nacional crítica. Ademais, deve-se promover a certificação em relação à exportação de tecnologias educacionais e culturais. E adoção de medidas para incentivar a proteção à privacidade. E a imposição de sanções à China na hipótese de ataques cibernéticos aos Estados Unidos e as redes privadas. Haverá, ainda, relatório do processo de troca de informações entre o Comitê de Investimento Estrangeiro dos Estados Unidos e seus aliados e parceiros. Há a previsão de relatório das mudanças nos sistemas de pagamentos transnacionais e sistemas de mensagens financeiras pelo Secretário do Tesouro, inclusive as mudanças na infraestrutura do ecossistema econômico e financeiro. Haverá a mensuração das implicações para a segurança nacional e econômica para os Estados Unidos nas mudanças na participação por bancos e atores estatais nos sistemas de pagamento transfronteiras e sistemas de mensagens financeiras.
O Secretário de Estado deverá apresentar relatório para sobre as tecnologias dual-use adotadas pela China, incluindo-se robótica, inteligência artificial, sistemas autônomos, reconhecimento facial, computação quântica, criptografia, sistemas espaciais e satélites, telecomunicações 5G e tecnologias com impacto na segurança nacional dos Estados Unidos e seus aliados e parceiros. Também, o Secretário de Estado deverá apresentar relatório sobre a utilização pela China da cadeia global de suprimentos e mecanismos internacionais para o acesso das tecnologias estrangeiras e o desenvolvimento de tecnologias dual-use nos Estados Unidos. E haverá relatório sobre práticas de espionagem cibernética pela China e utilização desta espionagem para o desenvolvimento de tecnologias dual-use. Por outro lado, o Secretário do Tesouro deve avaliar o impacto dos efeitos econômicos do livre câmbio na China, e seus reflexos na economia norte-americana. O Secretário de Saúde deverá apresentar relatório ao Congresso sobre a influência estrangeira no setor da saúde.
Em certo aspecto, esta nova lei pode servir de inspiração para o Brasil em relação à competividade da economia brasileira, no sentido de aproveitamento das oportunidades trazidas pelas novas tecnologias. Mas, de outro lado, há riscos geopolíticos decorrentes desta lei, principalmente em relação à tecnologia de 5G, setor de energia e pagamentos digitais, saúde, entre outros. O Brasil pode se tornar novamente alvo influência econômica e de espionagem pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos, tal como ocorreu em 2013 com National Security Agency que promoveu a espionagem do governo brasileiro. Com a palavra o Congresso Nacional e o governo sobre as medidas de proteção dos interesses nacionais e de contrainteligência contra eventuais abusos praticados por aliados. Talvez, seja a hora de se discutir um acordo entre Brasil e Estados Unidos de não espionagem, uma condition sine qua non para a abertura do mercado brasileiro à presença de empresas norte-americanas.
Assim, se preserva a confiança entre as partes, a lealidade e reciprocidade entre Estados Unidos e Brasil.
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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor no Direito do Estado, Doutor em Direito pela USP, com foco no Direito das Comunicações, nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações, autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil, Amazon, 2020.
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