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Os direitos fundamentais e os serviços de televisão por radiodifusão

por Ericson Scorsim

set 29, 2012

Ericson Meister Scorsim

  1. Introdução. 2. Liberdade de pensamento e de expressão. 3. Direito de informação. 4. Direito à comunicação social. 5. Liberdade de iniciativa. 6. Direito à educação. 7. Direito à cultura. 8. Direito ao entretenimento. 9. Conclusões
  2. Introduction. 2. Freedom of Speech. 3. Information Right. 4. Social Communication Right. 5. Market Freedom. 6. Education Right. 7. Culture Right. 8. Entertainment Right. 9. Conclusions.

The article analyzes the relationship between fondamentals rights and broadcasting. The nucleus of this work consists of demonstrating the application the regulatory model of television by broadcasting  in the Law nº 4.117/62, an out of date reference decree in terms of technology and non-conformance with Federal Constitution of 1988. 

 

  1. Introdução

Os serviços de  televisão por radiodifusão atingem, praticamente, toda a população, sendo a principal fonte de informações e de entretenimento dos brasileiros.

A Lei nº 4.117/62, que trata dos serviços de televisão por radiodifusão, ainda em vigor (apesar de substancialmente modificada na parte relativa às telecomunicações pela Lei nº 9.472/97), mantém o regime de delegação estatal à iniciativa privada, mediante concessão, permissão e autorização.

Segundo a lei, o serviço de radiodifusão é aquele “destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora e televisão” (art. 6º, letra “d”, da Lei nº 4.117/62). Diferentemente de outros serviços de televisão, a radiodifusão é gratuita e vale-se das freqüências do espectro eletromagnético para a propagação dos sinais até as residências do público destinatário das emissões.

A operação dos referidos serviços impacta diretamente os direitos fundamentais, entre os quais estão: a liberdade de pensamento e de expressão, direito à informação, direito à educação, direito à cultura, livre iniciativa e direito ao entretenimento.

A importância do tema acentua-se ainda mais em função da evolução tecnológica com a introdução da tevê digital que possibilita um número infinitivo de novas aplicações em benefício dos usuários do serviço público de televisão por radiodifusão.  Houve a evolução da tecnologia, contudo o direito está totalmente desatualizado.

Daí porque o presente texto se propõe a realizar o estudo a respeito da conexão normativa entre os direitos fundamentais e os serviços de televisão por radiodifusão.

 

  1. Liberdade de pensamento e de expressão

A pessoa pode adotar uma representação de si e do mundo em que vive. O objeto do pensamento a recai sobre a experiência de vida ou sobre assuntos fora da dimensão de tempo e espaço. Nas inúmeras relações sociais que mantém, expressa  seu pensamento. No entanto, nem tudo aquilo que é pensado é exterioriza.[1]

O exercício da liberdade de pensamento não implica necessariamente em sua expressão. Ou seja, há a dimensão não exteriorizada do pensamento, como também existe o campo da expressão das idéias, opiniões e sentimentos.[2]

A Constituição reconhece como direito fundamental  a liberdade de  manifestação de pensamento (art. 5º, IV). A Carta Magna proclama, ainda, que: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (art. 5º, IX). Tais dispositivos estão incorporados no capítulo destinado aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. No capítulo da Comunicação Social, a CF garante que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na própria Constituição (art. 220).

A liberdade de expressão é uma posição fundamental que se dirige  contra o Estado, mas que dele também requer proteção contra as ações dos particulares. Trata-se de um direito do indivíduo, servindo à sua realização pessoal e à sua integração na comunidade. Assim, qualquer concepção funcional dessa liberdade representa censura ao pensamento que desvie da concepção majoritária.[3]

A liberdade de expressão decorre da liberdade de pensamento. Não há liberdade de expressão sem o exercício da liberdade de pensar. Igualmente, a liberdade de expressão do pensamento engloba determinadas formas de ação.  Por exemplo, manifestações silenciosas mediante faixas, camisetas, adesivos etc. Também, abrange a liberdade negativa de pensamento, inclusive o direito ao silêncio, o direito à não manifestação exterior de opiniões, idéias ou pensamentos.

Jorge Miranda, ao analisar os direitos fundamentais de comunicação social, explica que: “a liberdade de expressão abrange qualquer exteriorização da vida própria das pessoas: crenças, convicções, idéias, ideologias, opiniões, sentimentos, emoções, actos de vontade. E pode revestir quaisquer formas: a palavra oral ou escrita, a imagem, o gesto, o silêncio”.[4]

O pensamento objeto de expressão não requer certos atributos como o da veracidade e da inteligibilidade. O sujeito pode expressar pensamentos falsos ou não inteligíveis.[5]

A Constituição consagra a liberdade de expressão artística como  direito fundamental (art. 5º, IX). A expressão artística engloba diversas atividades: música, dança, artes plásticas, teatro, literatura, etc.

Mas, qual a razão da autonomia da liberdade artística diante da liberdade de expressão do pensamento?

Segundo José Afonso da Silva a liberdade de expressão artística foi concebida de modo a evitar os condicionamentos colocados sobre a liberdade de manifestação do pensamento no regime constitucional anterior, que estavam fundados na proteção à moral e aos bons costumes. Assim, a afirmação da liberdade artística como conteúdo da liberdade de manifestação do pensamento acaba contaminando reciprocamente esses dois fenômenos jurídicos, tendendo a desnaturar o fenômeno artístico em razão da excessiva restrição em seu âmbito normativo. Por outro lado, conforme salienta o mesmo autor, a liberdade de expressão artística é uma das modalidades de expressão da cultura, conforme dispõe a Constituição Federal (arts. 215 e 216).

As normas constitucionais que consagram a liberdade de expressão são as mais abertas possíveis, pois envolvem o centro da criatividade humana.[6].

Ademais, tal conteúdo não é dado expressamente pelo texto constitucional, ao contrário, o seu âmbito de proteção é desenvolvido pela teoria e pela jurisprudência.

Os limites à liberdade de expressão encontram-se na própria Constituição, advindo, em regra, de outros direitos fundamentais (direito à honra, à intimidade, à vida privada, à imagem, estados de exceção, bem como restrições provenientes da organização dos meios de comunicação social e dos direitos da criança e do adolescente).[7]

Na hipótese de não haver uma limitação explícita à liberdade de expressão, o intérprete há de se socorrer de uma interpretação constitucional sistemática. A restrição legislativa à liberdade de expressão não pode ser feita por exigências da moral, ordem pública e bem-estar social. A delimitação pode ser feita, desde que respeitado o seu núcleo essencial tal como definido pela Constituição.[8]

Segundo Maurício Ribeiro Lopes, as limitações à liberdade de expressão podem ser de duas espécies: limites decorrentes da própria natureza técnica do meio enquanto comunicação social, como o rádio e a televisão, efetuadas por ondas limitadas, resultando no regime de concessões ou permissões e limites impostos pela necessidade de convivência com outros direitos fundamentais.[9]

A liberdade de expressão do pensamento pode ser exercida das mais variadas formas e meios, como, aliás, reconhece a nossa Constituição.[10]

Por sua vez, a regulação do exercício da liberdade de expressão há de considerar a natureza do meio de difusão do pensamento. Existem alguns meios de transmissão imediatamente disponíveis ao alcance da pessoa e aqueles que não o estão. Por diversas razões (econômicas, jurídicas, técnicas, culturais e políticas entre outras), o acesso a determinados meios para a expressão do pensamento é restringido. Assim, a título hipotético, a eventual cessação da atividade de televisão em nosso País, de modo algum, tolheria o exercício da liberdade de expressão, pois  as pessoas poderiam, mediante outros meios de transmissão, vir a expressar seus pensamentos.[11]

Resta saber se da liberdade de expressão é possível extrair o direito à criação de emissoras de televisão. No Direito brasileiro, alguns doutrinadores têm sustentado a existência de verdadeiro direito à criação de estações de televisões de âmbito local. Vera Lopes reconhece a possibilidade de existirem “TVs livres”, isto é, o direito à criação e ao funcionamento de emissoras de televisão de baixa potência, sem qualquer finalidade lucrativa, destinadas à divulgação de programas culturais e educativos para a comunidade, independentemente de qualquer autorização administrativa.[12].

Fernando Silveira advoga o direito à criação de emissoras de baixa potência com fundamento na liberdade de expressão e no direito à informação, bem como à luz de uma nova leitura do sistema federativo brasileiro.[13]

Em que pese, a opinião dos respeitáveis doutrinadores entendemos que o direito à criação de emissoras de televisão carece de intervenção legislativa, não sendo possível extraí-lo diretamente do seio constitucional. Somente, o poder legislativo é que detém a competência para disciplinar a constituição de tevês.

Para além dessa questão central referente à  entrada no setor de radiodifusão, mediante a constituição de  estações de tevês, há outra fundamental consistente no acesso de indivíduos e grupos à programação da TV.

A falta  de acesso aos meios de comunicação mediante a recusa por parte das emissoras causas prejuízos danoso à personalidade e à sociedade. Conforme expõe  Nuno e Souza:

“A recusa do direito de acesso aos meios de comunicação, como há pouco referíamos, é susceptível de prejudicar a personalidade individual, a formação da opinião pública, principalmente se se concluir  que a liberdade de imprensa  apenas se possibilita a um pequeno grupo de pessoas, sendo vedada, pelo menos em termos práticos, aos restantes consortes do direito; o cidadão sem meios econômicos para fundar uma empresa de imprensa acaba por sair prejudicado. Porém, com base nos direitos da liberdade de expressão e imprensa não se resolvem os problemas da falta de igualdade, tudo dependendo da política do Estado-de-Direito democrático e social; o exercício de muitos direitos fundamentais custa dinheiro e a Constituição não garante uma total igualdade de bens, pelo que subsistirá uma certa desigualdade, que se quer mínima, no valor prático dos direitos. Outra solução parece difícil: se os grandes meios de comunicação fossem preenchidos, em boa parte, com a livre expressão de opiniões privadas, diminuiria radicalmente a sua capacidade funcional; além disso, o direito de divulgação da opinião individual surge autonomizado da liberdade dos meios de comunicação”.[14]

A Constituição do Brasil, embora não reconheça um direito genérico da coletividade, garante apenas aos partidos políticos o direito de acesso gratuito à televisão, na forma da lei (art. 17, §3º).Com isso, o constituinte perdeu uma boa oportunidade histórica para propiciar a realização de democracia substancial no Brasil, mediante a extensão em larga escala do direito à expressão e comunicação aos mais diversos grupos sociais.[15]

A  regulação dos requisitos para o acesso à televisão deve ser feita de modo a preservar o patrimônio cultural da sociedade, composto pela pluralidade de valores e crenças, direito à diferença, defesa das minorias, tolerância, discussão e crítica, dentre outros. A liberdade de acesso aos meios de comunicação não impõe para o Estado a obrigação de regular adequadamente a atividade de televisão  (acesso e organização), entretanto, não impõe aos particulares obrigações de pluralismo, neutralidade.

Segundo José Alexandrino, tais obrigações não resultam da liberdade de expressão, decorrem do ordenamento jurídico genericamente considerado, ou da proteção a outros bens protegidos constitucionalmente.[16]

Por outro lado, outra manifestação particular da liberdade de expressão é o direito de resposta como modalidade de acesso à televisão. O Direito brasileiro o reconhece, mediante o seguinte texto constitucional: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou às imagens” (art. 5º, V, CF).[17] Nesse caso, a  norma constitucional está a proteger a honra ou reputação da pessoa diante de uma divulgação que agrava sua condição pessoal.

Sobre esse assunto,  o jurista lusitano Vital Moreira aduz: “O direito de resposta é portanto um específico direito de expressão, ou seja, uma pretensão juridicamente protegida de fazer publicar ou difundir uma contra-mensagem no mesmo órgão de comunicação onde apareceram a público as declarações que tenham posto em causa o interessado”.[18]

Segundo Fábio Konder Comparato, tal mecanismo de defesa há de proteger bens coletivos ou sociais, conhecidos também como interesses difusos. Não é possível que uma interpretação da norma constitucional que trata do direito de resposta conclua apenas pela proteção aos interesses individuais. Para ele, é preciso que a partir da interpretação dos interesses difusos, o direito de resposta seja exercido diante dos controladores dos meios de comunicação social.[19]

O exercício da liberdade de pensamento pela televisão é objeto de críticas, pois com o advento dos meios eletrônicos de comunicação produziu significativa alteração na forma de percepção do mundo pelas pessoas.  É que a linguagem televisiva é pautada pela imagem. Em razão dessa natureza instaura-se uma nova forma de percepção da realidade.[20]

Marshall Mcluhan explica que a imagem televisiva ocasiona a sinestesia nas pessoas, isto é, a unificação dos sentidos. Trata-se de um meio menos visual do que tátil-auditivo, ao contrário dos meios marcados pela tipografia.[21]  A própria velocidade da linguagem utilizada pela televisão não é muito propicia à expressão do pensamento. Todo e qualquer pensamento exige tempo. A reflexão é um ato que se prolonga no tempo. No entanto, a fórmula de linguagem adotada pela televisão, sobretudo ancorada em imagens, torna impraticável o ato de pensar.[22]

A liberdade de pensamento, a liberdade de consciência e de expressão, segundo José Alexandrino,  juntamente com os mais básicos direitos sociais constituem o núcleo que conduz a todos os demais direitos fundamentais. São liberdades que promovem a concretização mais próxima do princípio da dignidade da pessoa humana.[23]

A seguir a reflexão sobre o direito de informação.

 

  1. Direito de informação

O direito de informação foi incorporado na Constituição de 1988, que o reconheceu como um direito fundamental de caráter individual e coletivo: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício fundamental” (art. 5º, XIV).

Em outra parte, a Constituição prevê: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” (art. 220). A Carta preceitua ainda o seguinte: “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social …” (art. 220, §1º).

A a análise do direito à informação requer o detalhamento dos direitos que o compõem.

Primeiro, o direito de informar, cujo sentido é o de possibilitar a todos a comunicação de informações, sem obstáculos ou discriminações.  Ou seja, garantir a livre recepção da informação pelo público.

Segundo, o direito de se informar, cujo significado é o da possibilidade de todos procurar informações, sem obstáculos ou discriminações. Aqui, a primazia é na liberdade de escolha dos indivíduos e organizações quanto à busca  da verdade.

Terceiro, o direito de ser informado que representa a liberdade quanto ao recebimento de informação, bem como o direito de manter-se informado, sem obstáculos ou discriminações.[24]

A identidade do direito à informação passa, necessariamente, pela compreensão da diferença com a liberdade de expressão. O fator distintivo consiste  no conceito de informação. Esta pressupõe a comunicação de uma dada mensagem, referente a fatos, dados ou conhecimentos, entre  emissor e receptor. Ou seja, a informação exige a comunicação de mensagens vindas do mundo exterior que são por si mesmas comunicáveis.[25]

É preciso distinguir a liberdade de expressão da liberdade de informação.

O conteúdo da liberdade de expressão é constituído pela transmissão tanto de idéias quanto de opiniões.

Por sua vez, o conteúdo da liberdade de informação é formado pelos fatos.[26]

O problema está em que, muitas vezes, na comunicação pela televisão, veiculam-se misturadamente fatos e opiniões. A mera opinião é em muitos casos apresentada como fato, o que acarreta a construção de realidades meramente virtuais. Quanto à verdade, a conclusão é no sentido de que a mesma será mais facilmente alcançável mediante um pluralismo informativo. Quer dizer, mediante a institucionalização de diversas fontes será possível se aproximar melhor do ideal de objetividade da informação, separando o fato da versão apresentada por alguém  nela interessado.[27]

A diferenciação entre  as mensagens veiculadas  pelos meios de comunicação pode ser apurada por um critério finalístico.

Segundo Guilherme Pereira: “Seguindo esse critério finalístico, teríamos, num primeiro plano, a informação jornalística propriamente dita (atualizadora e pedagógica ou instrutiva), a informação publicitária ou propagandística e a recreativa ou de entretenimento”.[28]

Em um segundo plano, segundo o autor, já em relação à informação propriamente editorial, haveria a seguinte classificação: “expressão de idéias (concepções gerais, teorias, doutrinas, opiniões …), opinião crítica (sobre condutas, pessoas, fatos ou instituições) e narração de fatos.[29]

Mas, quais são os atributos da informação para que ela seja comunicável?

José Alberto de Melo Alexandrino elenca os seguintes atributos: a inteligibilidade da informação, a sua utilidade social, a veracidade e a observância de padrões formais.[30]

Conforme o autor, a informação pressupõe a sua respectiva inteligibilidade. Isto quer dizer que a informação deve ser percebida e compreendida. Tal operação exige um esforço intelectual que possibilite a adequada transformação da informação bruta em matéria cognoscível. Um dos problemas atuais da sociedade contemporânea  reside em que  a mera veiculação dos fatos é insuficiente para a compreensão por parte dos receptores. É necessário que as informações complexas, sobretudo as de cunho técnico, sejam traduzidas para o público leigo. O direito à informação passa a pressupor o direito à explicação.[31]

A informação pressupõe a sua utilidade social. A informação deve ser observada antes como uma realidade espiritual e imaterial que como um bem material. Essa é uma perspectiva normativa, pois não se ignora que a informação tornou-se mercadoria vendida por um preço no mercado. No entanto, o valor real da informação não se mede por um critério econômico. As informações mais valiosas na maior parte das vezes são aquelas obtidas de graça ou por poucos reais.[32] Nem toda a informação representa um interesse público que, aliás, não se confunde com o interesse do público. O interesse público representa uma noção normativa diferente do interesse concreto das pessoas. A questão da relevância da informação para a sociedade é definida por códigos éticos que norteiam o trabalho dos profissionais, sobretudo voltados para a respectiva produção e transmissão de notícias.

A informação pressupõe a veracidade. A  informação há de traduzir a realidade objetiva, razão pela qual se exige o máximo de diligência na coleta e organização dos dados obtidos.

Segundo o Tribunal Constitucional alemão, está excluída do âmbito normativo da liberdade de expressão a falsa informação.[33] Esta é a diferença substancial  entre o direito à informação e a liberdade de expressão, como dito acima.

Celso Ribeiro Bastos entende que: “Em nosso Texto Constitucional não se vislumbra a plenitude do direito de ser informado, vale dizer, de ser mantido adequada e verdadeiramente informado pelos meios de comunicação”.[34]

Ora, tal recusa à normatividade do direito à informação nos meios de comunicação social é, com o devido respeito, bastante conservadora, ao ignorar a plenitude dos efeitos das normas constitucionais. É certo que a Constituição não diz expressamente sobre o direito à informação verdadeira, afastando-se, com isso de alguns modelos constitucionais modernos, porém isto  não quer significar que o mesmo não exista.[35]

Domingos Dresch da Silveira explica:

“Não há como deixar de admitir que a informação inverídica, seja a que contraria diretamente a realidade objetiva, seja a que manipula, através de montagens, imagens ou fatos criando situação inexistente, contraria a legalidade, bem como a moralidade, pois a  mentira nunca será, em se tratando de comunicação social, moralmente aceitável”.[36]

De acordo ainda com o referido autor, outro fundamento que exige a veiculação de informações verdadeiras consiste no princípio constitucional que rege a programação da televisão, o qual determina o respeito aos valores éticos da pessoa e da família. Assim, por mais abstrato que seja o referido princípio, é certo que ele veicula a obrigação de a informação transmitida ser verídica, pois, caso contrário há ofensa aos valores éticos da pessoa e da família.[37]

O direito à informação verdadeira junto às emissoras de rádio e televisão fundamenta-se, ainda, no direito do consumidor de receber serviços públicos de modo adequado, conforme determina o art. 6º, X e 22 do Código de Defesa do Consumidor.[38]

A informação deve observar certos padrões formais. Como revela Eugênio Bucci, um editor ou um diretor de redação tem à sua disposição inúmeras alternativas para a divulgação de uma dada informação. Os jornalistas precisam a toda a hora decidir qual informação será divulgada, com qual ênfase, quando e com que fundamento. Daí a necessidade de um código deontológico de orientação para os profissionais que trabalham com a produção e veiculação de informações. Há o direito de o público saber qual o método de trabalho que orienta a produção e a divulgação da notícia.[39]

Por outro lado, antigamente o direito de estar informado pertencia apenas à órbita jurídica dos jornalistas, a fim de melhor exercer o seu mister de intermediário no processo informativo. Contudo, esta perspectiva individualista foi cedendo espaço a uma dimensão supra-individual. Deste modo, atualmente, o direito de informação, além de pertencer ao indivíduo, pertence igualmente ao público.[40]

A informação é um bem imaterial produzido por pessoas físicas. Não é uma criação de uma pessoa jurídica. Há, portanto, uma aparente incompatibilidade entre o direito de informação e atribuição de sua titularidade à pessoa coletiva. Ocorre que essa incompatibilidade é relativa, pois é preciso verificar a questão de um outro ângulo. O problema deve ser resolvido a partir da liberdade de imprensa, de iniciativa e a liberdade de comunicação social. Nesta perspectiva é possível assegurar à empresa o direito de informação.

A liberdade de informação dos jornalistas encontra-se limitada pela liberdade da empresa informativa.

Alguns sustentam, inclusive, a necessidade de separação entre o controle editorial e o controle empresarial, a fim de assegurar a efetivação da liberdade de informação jornalística.

Outros sustentam o dever de  respeito, por parte do jornalista, à ideologia imprimida pelo proprietário do meio de comunicação (com fundamento na liberdade de empresa que lhe assegura o poder de direção do empreendimento), desde que observada a esfera estritamente profissional do jornalista, vedando-se, assim, que o empresário imponha um dado tratamento especial  à divulgação das notícias ou até mesmo pratique uma censura privada.[41]

Não só a ideologia do proprietário da empresa de comunicação está protegida pelo âmbito normativo da liberdade de expressão, mas sobretudo as diversas ideologias espalhadas pela sociedade. A liberdade de informar é um direito mais denso que a liberdade de empresa, conforme se extrai de nossa Constituição, assegurando ao profissional da informação a recusa ao cumprimento de determinadas orientações que contradigam com deveres legais ou sejam contrárias às suas convicções políticas, religiosas ou sexuais.[42] Na hipótese de conflito entre os direitos fundamentais de liberdade da empresa e dos jornalistas não há uma resposta em abstrato. É no caso concreto, com toda a riqueza de suas circunstâncias, que será feita a ponderação dos bens constitucionais em conflito.

Os limites do direito à informação são dados pelos pressupostos e atributos que constituem o conceito de informação. Daí porque se entende que o direito de informação é mais restringido que a liberdade de expressão.  E mais, a delimitação do direito em análise há de decorrer de uma interpretação sistemática da Constituição a partir da análise dos diversos tipos de mensagens, bem como os demais direitos e liberdades fundamentais e os princípios e valores constitucionais.

A liberdade de informação jornalística é conformada conforme o seguinte dispositivo constitucional: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (art. 5º, IX). Dispõe, ainda, a Constituição que “nenhuma lei  conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade  de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado  o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” (§1º do art. 220), bem como veda “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (art. 220, §2º).

A liberdade de informação jornalística é, portanto, positivada sem a possibilidade de restrição legislativa. As possíveis restrições decorrem do próprio texto constitucional. A eventual lei restritiva à liberdade de informação apenas detalhará uma restrição efetuável no âmbito constitucional. A lei terá o efeito de declarar os limites ao exercício do direito fundamental estabelecidos em nível constitucional. No plano abstrato não é possível apontar, em termos legislativos, a solução para o conflito entre a liberdade de informação e outros bens constitucionalmente protegidos. No caso concreto é será resolvido o problema jurídico.[43]

A singularidade da televisão requer a análise da possibilidade de serem veiculadas mensagens por esse meio de comunicação social. É que as mensagens televisivas demandam a satisfação dos requisitos da informação. Ora, a comunicação pela televisão é, hegemonicamente, constituída por imagens. Estas não traduzem adequadamente as informações.

José Alberto de Melo Alexandrino explica que o discurso televisivo produz os seguintes efeitos perversos:

“1º)  – dissolve  a inteligibilidade e estruturação da mensagem; 2º) – reduz os níveis de objectividade e contextualização espácio-temporal da realidade narrada; e 3º) – introduz  uma perturbação emotiva que opera sobre a atenção do receptor”.

Conclui o autor que a televisão pode servir à expressão do pensamento, porém dificilmente serve à causa da informação.[44]

Além disso, a reflexão sobre as informações exige tempo, contudo, o discurso televisivo é construído a partir de intensa velocidade de imagens. As notícias veiculadas pela televisão, em muitos casos, estão acontecendo no mesmo instante. As informações tornam-se indiferentes para os emissores e para os telespectadores, razão pela qual, para elas serem percebidas, são usados mecanismos de sensacionalismo. A audiência, para ser atraída é motivada por um discurso emotivo.[45] A televisão, ao  agir sobre os sentidos, é mais eficaz em relação à sensibilidade que a inteligência.[46]

O direito de informação não produz o direito à criação ou ao acesso à televisão.  Entretanto, o direito à recepção da informação implica o dever de o Estado oferecer a garantia quanto ao pluralismo, diversidade de fontes, bem como remover os óbices ao gozo desse direito. A norma que trata do aludido direito  não produz diretamente  o direito à criação de meios materiais para a produção e veiculação mediante a televisão. [47]

O direito à informação atinge diretamente a prestação do serviço de televisão. A regra que o assegura impõe à atividade de televisão o conteúdo informativo. O legislador tem a tarefa de estipular o modo pelo qual tal conteúdo chegará até o público. Em havendo violação  da regra pelas emissoras sanções deverão ser aplicadas aos responsáveis.

 

  1. Direito à comunicação social

O direito de comunicar encontra-se amparado na norma constitucional que prevê a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), bem como naquela que estabelece a expressão da atividade de comunicação (art. 5º, IX). Encontra-se especificamente regulado no capítulo destinado à Comunicação Social (arts. 220 a 224).

A liberdade de comunicação social nasce a partir da noção de liberdade de expressão, porém com ela não se confunde. É o que esclarece Jorge Miranda:

“embora estreitamente relacionadas, liberdade de expressão e liberdade de comunicação social não se confundem. A liberdade de expressão é mais que a liberdade de comunicação social, porquanto abrange todos e quaisquer meios de comunicação entre as pessoas – a palavra, a imagem, o livro, qualquer outro escrito, a correspondência escrita e por telecomunicações, o espectáculo etc.. Em contrapartida, a liberdade de comunicação social, ou, em geral, a problemática da comunicação social têm quer ver com outros valores, como a liberdade de religião, a liberdade de associação ou a liberdade de associação política e sindical, em geral com o pluralismo”[48].

Aluísio Ferreira preleciona ainda que os direitos à informação e à comunicação têm em comum o objetivo mediato – a informação, bem por excelência sobre qual cada um irradia seus efeitos. No entanto, a diferença entre os direitos fundamentais reside no objeto imediato, eis que o direito à informação consiste nas faculdades de colher e receber informações, por sua vez o direito à comunicação requer as faculdades de colher, receber e comunicar, pois a comunicação demanda imperiosamente o compartilhamento de informações. Para ele,  “Direito à comunicação significa direito a ter e a compartilhar informação, logo, o sujeito está no pleno gozo do seu direito quando dispõe da informação (por havê-la buscado ou recebido) e a transmite ou comunica”.[49]

Jorge Miranda estabelece um quadro comparativo entre a liberdade de comunicação social, a liberdade de expressão e a liberdade de informação, dispondo da seguinte forma: “A liberdade de comunicação social congloba a liberdade de expressão e a liberdade de informação, com três notas distintas: a) A pluralidade de destinatários, o caráter coletivo ou de massas, sem reciprocidade; b) O princípio da máxima difusão (ao contrário da comunicação privada ou correspondência, conexo com a reserva da intimidade da vida privada e familiar); c) A utilização de meios adequados – hoje, a imprensa escrita,  os meios audiovisuais e a cibernética”.[50]

A partir da afirmação normativa do direito à comunicação social é que deve ser interpretado o estatuto da radiodifusão.

No Brasil, o regime jurídico da televisão por radiodifusão conta com um estatuto especial a seguir detalhado.

A Constituição tem todo um capítulo dedicado à comunicação social. Confere-se à comunicação social o status de garantia, especialmente dos direitos fundamentais de livre manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, e de informação. Há o tratamento em conjunto dos meios de comunicação social, incluindo a tradicional imprensa escrita.[51] Estabelece-se, ainda, um regime mais rígido de regulação para o caso das emissoras de rádio e de televisão, com a adoção de princípios para a respectiva programação. E, preceitua-se a plenitude da liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação, proibindo qualquer espécie de censura.

A CF permite a qualificação da atividade de televisão na modalidade de radiodifusão como serviço público de titularidade da União que pode ser explorada pelos particulares mediante a obtenção de concessão ou permissão. Isto, no entanto, não significa que todo serviço de televisão possa ser qualificado commo serviço público.[52] Ao final, prevê a instituição do Conselho de Comunicação Social como órgão de colaboração do Congresso Nacional.[53]

Em seguida a reflexão sobre a livre iniciativa no campo da radiodifusão.

 

  1.   Liberdade de iniciativa

A Constituição consagra o valor social da livre iniciativa como fundamento da República (art. 1º, IV) e da  ordem econômica (art. 170).

Tal liberdade deve ser compreendida à luz do princípio da livre concorrência (art. 170, IV).

A liberdade de iniciativa econômica em sua modalidade liberdade de empresa manifesta-se pela possibilidade de a empresa concorrer no mercado com outras que operam no mesmo setor econômico.

Trata-se de um direito fundamental autônomo em face do princípio da livre concorrência. É possível que exista a liberdade de empresa ainda que não haja a livre concorrência no mercado. Paradoxalmente, sob uma perspectiva liberal, a livre concorrência limita a liberdade de iniciativa. Para assegurar a livre concorrência, a Constituição impõe ao legislador a tarefa de reprimir o abuso do poder econômico que objetive à dominação dos mercados, à eliminação da própria concorrência e ao aumento arbitrário de lucros (art. 173, §4º). A edição de leis antitrust tem exatamente o propósito de assegurar a concorrência no mercado de todos contra todos, mediante a intervenção estatal. Além disso, a Constituição impõe ao Estado o dever de regular a atividade econômica, mediante ações de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174).

A Constituição dedica todo um capítulo à Ordem Econômica, que, no entanto, para ser aplicado exige do operador jurídico a atenção às demais normas constitucionais.[54] A CF é uma obra do Poder Constituinte, construída pelas mais diferentes forças políticas em atuação no cenário social. Como ela é resultado de um compromisso entre essas forças, vem a cristalizar os mais diversos interesses  econômicos, políticos e sociais. Não é fruto de uma única ideologia, mas o produto de diversas que dominavam o cenário nacional no contexto de 1988. Houve, assim, a adoção de um regime econômico definitivo para o País, qual seja, o sistema capitalista. Contudo, tal modelo foi influenciado por outros valores. Existem consagra valores antagônicos, como, por exemplo, o princípio da livre iniciativa e o da iniciativa pública, incluído aí o serviço público. [55]

A livre iniciativa constitui-se em fundamento da ordem econômica, no entanto deve ser concretizada com o objetivo de atingir uma existência digna a todos.

Trata-se, portanto, de uma liberdade que se consubstancia em instrumento de atingimento da existência digna. São as pessoas as responsáveis pela direção de suas próprias vidas, significando isso escolher entre as alternativas na busca da satisfação de seus interesses. A livre iniciativa é um valor social, razão pela qual  a ação de uma pessoa também é vista como instrumento de realização dos direitos fundamentais dos demais indivíduos.

Além disso, como revela Eros Roberto Grau, a liberdade de iniciativa econômica não pode ser compreendida exclusivamente como “liberdade de desenvolvimento da empresa” ou como “princípio do liberalismo econômico”. É que a liberdade de iniciativa econômica  é muito mais ampla, pois abrange todas as formas de produção, individuais ou coletivas.[56] E mais, com bastante clareza o autor explica que a liberdade de iniciativa econômica não está ligada exclusivamente à propriedade, mas também ao trabalho.[57]

Por outro lado, José Afonso da Silva entende que a liberdade de iniciativa econômica abrange a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato.[58]

José Alberto de Melo Alexandrino ensina que a liberdade econômica apresenta diversas espécies: a) liberdade de contratar; b) a liberdade de trabalho; c) liberdade de empresa e d) liberdade de consumo. Em sentido estrito, a liberdade econômica abrange tão-somente a liberdade de produção – iniciativa individual ou coletiva tendente à satisfação de necessidades –  e a liberdade de consumo – atividade de satisfação das necessidades das pessoas.[59]

Eduardo J. Rodriguez Chirillo desenha os contornos da liberdade de empresa da seguinte forma:

“A liberdade de empresa pode ser conceituada como todo o direito a empreender e combinar os meios de produção na ordem de produção, transformação, ou distribuição  de bens e serviços, estabelecendo sua organização  e exercendo sua direção. A singularidade da liberdade de empresa é representada pela organização, reunião e combinação dos fatores de produção no exercício de atividades”.[60]

A adoção de mecanismos de competição parte do pressuposto de que este modelo é a melhor garantia dos direitos fundamentais – políticos e econômicos.[61] A competição não é um valor absoluto, pois existem determinados casos em que a Constituição permite a concentração de empresas em dado setor econômico. As modificações sociais operadas por novas tecnologias permitem a remodelagem dos serviços públicos. Atualmente, em determinados casos, é possível conciliar a regulação dos serviços públicos, por meio da competição entre os agentes econômicos que desempenham a atividade, objeto de concessão ou permissão. Há a tendência de a competição ser utilizada como instrumento de regulação dos serviços públicos e, assim, promover a reconstrução do mercado.[62]

Alguns autores advogam a tese de que a liberdade de empresa  no campo da comunicação social acaba por negar a liberdade de expressão. Afirma-se que o efetivo acesso ao meio de comunicação para expressar idéias ou sentimentos é negado em razão da lógica de mercado que preside a empresa informativa. Outro argumento é o de que a informação é um bem público, razão pela qual não poderia ser apropriado por empresas privadas de comunicação.[63]

Fábio Konder Comparato é um dos defensores da total estatização dos meios de comunicação social. O autor sustenta que a comunicação social, em uma sociedade democrática, é matéria de interesse público, quer dizer, pertence ao povo, razão pela qual não é admissível a apropriação privada dos meios de comunicação de massa. Outro fundamento é o da radical incompatibilidade  entre o sistema capitalista com a democracia (o regime econômico é por natureza oligárquico). E, por último, a necessidade de superação da dicotomia sociedade civil-Estado.[64] Propõe o jurista a proibição da organização dos veículos de comunicação sob a forma de empresa capitalista, devendo-se adotar a forma de associações sem fins lucrativos, cooperativas ou fundações públicas ou privadas. A estrutura de poder dessas entidades seria desconcentrada, a fim de possibilitar a gestão democrática pelos interessados.  Advoga-se, ainda, o livre acesso às vias de comunicação, mediante a ampliação do direito de resposta e a introdução do direito de antena.

Em postura de contestação, Guilherme Doring Cunha Pereira apresenta suas críticas à referida proposta para a regulação dos meios de comunicação social, concluindo que: a) a informação não pertence à res publica, mas tão-somente os meios de comunicação social – a apropriação privada dos benefícios econômicos que a informação proporciona não é incompatível com a natureza pública do bem; b) não é razoável a exclusão das empresas privadas em geral do campo da comunicação social –  o Estado, ao invés de excluir, deve exigir que as empresas cumpram com sua função social; c) não é aconselhável a separação entre o controle editorial e o controle empresarial – restrição a que o empreendedor não possa dar a orientação que aspira ao seu empreendimento conduz à asfixia da própria iniciativa; d) a iniciativa econômica privada no campo da comunicação social, no atual estágio de complexidade e desenvolvimento da sociedade brasileira, é uma necessidade inafastável – pode-se dizer que a liberdade de expressão depende da liberdade de iniciativa econômica.[65]

É importante que tanto a posição de Fábio Konder Comparato quanto a de Guilherme Pereira sejam analisadas à luz do Direito constitucional alemão, na interpretação dada pelo Tribunal Constitucional. Na Alemanha, a Lei Fundamental reconhece a liberdade de emissão de televisão, não faz, entretanto, remissão expressa à televisão privada (radiotelevisão). Apesar disso, o Tribunal Constitucional reconheceu a existência da televisão privada.[66]

Inicialmente, entendia-se que a Constituição não exigia o monopólio público da atividade de televisão, tampouco a gestão direta por entidades públicas, seja em nível federal, seja em nível estadual. Note-se, ainda, que uma das características do federalismo alemão é a efetiva repartição de competências em matéria de televisão entre os Länder (Estados). Admitiu-se a gestão privada da atividade de televisão, desde que fosse assegurada a oportunidade de participação de todas as forças sociais relevantes. Reconheceu-se a competência do legislador para disciplinar o sistema de televisão em garantia do pluralismo, equilíbrio, objetividade e impugnação da programação. Além disso, a jurisprudência constitucional adotou o critério da orientação pessoal dos direitos fundamentais. Quer dizer, o âmbito normativo dos direitos fundamentais serve para proteger pessoas físicas, razão pela qual desaparece a dimensão pessoal e são ampliadas as possibilidades de intervenção legislativa.[67]

Em segundo momento, o Tribunal, ao apreciar a questão da constitucionalidade da lei da  Baixa Saxônia, que instituía a radiotelevisão privada, não declarou sua inconstitucionalidade, apenas fez uma diferenciação entre os papéis da televisão pública e privada. Considera-se que essa decisão é o fundamento jurídico para a implantação do sistema dual de televisão (pública e privada).[68]  Debateu-se intensamente em torno da repartição de funções entre a televisão privada e a televisão pública, sobretudo quando o Tribunal Constitucional chegou a se posicionar no sentido de que cabe à televisão pública a responsabilidade de assegurar a prestação fundamental de televisão (Grundversorgung), enquanto a televisão  privada tem uma função complementar dentro do sistema. Tratava-se de saber se as obrigações decorrentes da Constituição para a televisão aplicam-se uniformemente aos canais públicos e privados.[69]

Primeiro,  a televisão pública deve adotar o meio técnico que garanta a recepção pela generalidade da população. Isso significa que a televisão pública requer a adoção do serviço de radiodifusão por ondas terrestres, excluindo-se a televisão por satélite e por cabo.[70]

Segundo, é preciso estabelecer um conteúdo mínimo da programação, compatível com a função essencial da radiodifusão em um Estado democrático, principalmente a cultura do país. Tal tarefa só pode ser conduzida pela televisão pública, uma vez que não está orientada pela publicidade comercial e pela obtenção de índices de audiência.[71]

Terceiro, exige-se uma adequada organização dos procedimentos, que assegurem um equilibrado pluralismo na transmissão das diferentes correntes de opinião. A prestação fundamental de televisão    (Grundversorgung) não significa uma repartição de programas entre a televisão    pública e a privada, de modo que apenas a televisão pública dela se ocupe, reservando-se à televisão privada programas que não tenham esse caráter de prestação essencial. É possível que a própria televisão pública transmita programas atrativos para as massas.[72].

À luz dessas considerações, é possível apresentar as seguintes conclusões:

  1. a) a Constituição brasileira impõe ao Estado o dever de garantir o sistema de comunicação social, de modo a observar o princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privados, públicos e estatais;
  2. b) há a garantia de desenvolvimento do sistema de comunicação social de forma a proteger o processo de comunicação da sociedade brasileira;
  3. c) isto implica no dever de o Estado criar e manter emissoras de televisão  estatais e garantir a existência das públicas;
  4. d) não há proibição da operação de televisões por empresa privadas;
  5. e) mesmo as empresas privadas de televisão estão constitucionalmente obrigadas a ofertar  programação de forma a respeitar o  princípio do pluralismo  equilibrado, permitindo a transmissão das diversas opiniões existentes na sociedade;
  6. f) em outras palavras, o serviço de televisão não é propriamente nem do Estado, nem dos proprietários de empresas de comunicação, mas sim da sociedade. Todo e qualquer veículo de comunicação, estatal ou privado, está condicionado à observância de um conteúdo mínimo fixado pela Constituição.

                        A título de conclusão, a liberdade constitucional de iniciativa não é capaz de fundar o direito de acesso à difusão da atividade de televisão. Trata-se, em verdade, de um direito fundamental que carece de intervenção legislativa. A produção econômica de programas e a recepção ou consumo de programas e mensagens gozam de um âmbito ampliado: a primeira, por não existirem razões especiais que a devam condicionar; a segunda, por beneficiar da proteção concedida pela liberdade de recepção e pela garantia institucional do pluralismo.[73]                     

A questão carece de intervenção legislativa para a definição do perfil do direito fundamental em questão. Conforme o autor lusitano José Carlos Vieira de Andrade, que “o exercício dos direitos fundamentais, no espaço, no tempo e modo, só será muitas vezes (inteiramente) eficaz se houver medidas concretas que, desenvolvendo a norma constitucional, disciplinem o uso e previnam o conflito ou proíbam o abuso e a violação dos direitos”.[74] No caso em questão, uma das primeiras  tarefas do legislador é a resolução do conflito entre a livre iniciativa ou liberdade de empresa e o princípio do serviço público.[75]

 

  1. Direito à educação

A Constituição assegura o direito social à educação (art. 6º).

Tal direito deve ser analisado sob o contexto dos objetivos fundamentais da República do Brasil: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional, a eliminação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem quaisquer discriminações (art. 3º)..

Tais objetivos exigem a concretização do direito fundamental à educação.

Além disto, a Constituição prevê que a educação serve ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205). Igualmente, impõe como dever do Estado assegurar o ensino fundamental obrigatório e gratuito (art. 208).

A adequada formação educacional do povo, considerado como destinatário das prestações civilizatórias do Estado, no dizer de Friedrich Müller[76], é que permite a conscientização a respeito de sua condição existencial: descobrir-se como agente histórico e não como sujeito à história. Também, possibilita a capacitação profissional, para fins de integração no mercado de trabalho. A educação conduzida de forma a respeitar  o princípio da diferença entre as populações dos diversos Estados brasileiros propicia, ainda, a redução das desigualdades sociais e regionais.

Mas, o que é a educação?

É, conforme demonstra Maria Aparecida Baccega, um processo social, no qual se está inserido ao nascer, através do qual, por intermédio da “palavra” são recebidas as análises da realidade feitas pelas gerações anteriores, as condutas, os preconceitos e os modos de ver e de pensar. Além desta função receptiva, o processo educacional tem uma função prospectiva, isto é, a possibilidade de construir o novo e, assim, fazer a história.[77]  Ou, como explica Jean Piaget, a educação intelectual é “o direito de ser colocado, durante a sua formação, em um meio escolar de tal ordem que lhe seja possível chegar a ponto de elaborar, até a conclusão, os instrumentos indispensáveis de adaptação que são as operações da lógica”.[78]

Por outro lado, a educação moral, conforme revela Marcos Maliska, citando Piaget, “é ainda mais evidente que, se algumas condições inatas (naturais) permitem ao ser humano a construção de regras e sentimentos morais, essa elaboração presume a intervenção de um conjunto de relações sociais bem definidas (da família, por exemplo)”.[79] Maliska, conjugando as duas espécies de educação, afirma o seguinte:

“A educação como direito de todos, portanto, não se limita em assegurar a possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo. A rigor, deve garantir a todos ´o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores morais que correspondam ao exercício dessas funções, até a adaptação à vida social atual’.[80]

Por outro lado, a educação não é um processo privativo da escola, pois existem outras instituições sociais, igualmente responsáveis pela aprendizagem. Os meios de comunicação social têm, também, na forma da lei, a função de educar, embora em menor escala, que o centro educacional em sentido formal.[81] Portanto, a norma que trata do direito fundamental à educação exige políticas públicas de modo a abranger a televisão como um meio importante para a sua respectiva efetivação.

Um dos pressupostos para o acesso ao conhecimento é o domínio da linguagem. Daí a importância da educação quanto ao acesso da população aos códigos lingüísticos. O código lingüístico de um analfabeto ou semi-analfabeto está diretamente associado a estruturas mentais de pensamento limitadas, pois a pessoa, ao ser incapaz de dominar a linguagem, torna-se incapaz de abstrair e generalizar, ferramentas imprescindíveis para o desenvolvimento do raciocínio.[82]

Apesar das disposições constitucionais, um dos graves problemas quanto ao ensino é a desvalorização do conhecimento como um bem em si mesmo. Atualmente, as políticas públicas orientam-se pelo ensino como aptidão técnica, daí a procura por cursos conhecidos como profissionalizantes, seja em nível de segundo ou seja de terceiro grau. O conhecimento nada mais é do que uma atitude mental contemplativa diante do mundo, ao invés de ser uma ferramenta à disposição da produção de utilidades. A sua importância é sintetizada de uma maneira bem singular por  Bertrand Russel: “penso que a ação é melhor quando provém de uma profunda percepção do universo e do destino humano e não de ferozes impulsos passionais de auto-afirmação, românticos, mas desproporcionados”.[83]  Entretanto, os novos meios de comunicação social, como é o caso da televisão, estão voltados para a ação, não para a contemplação.[84]

Edgar Morin apresenta os saberes necessários  no século XXI:  

  1. a)o ensino da própria natureza do conhecimento humano, sobretudo suas características cerebrais, mentais e culturais, evitando-se subestimar o erro, bem como a ilusão.
  2. b) a ligação entre a parte e o todo do conhecimento, evitando-se o conhecimento fragmentado das disciplinas escolares.
  3. c) o ensino da condição humana, quer dizer, apresentar o homem como ser físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico;
  4. d) prestigiar o ensino da identidade humana, quer dizer, que os seres humanos partilham os mesmos problemas diante da vida e da morte;
  5. e) apresentação das incertezas que estão presentes nas ciências, abandonando-se, assim, as concepções deterministas da história da humanidade;
  6. f) ensinar a compreensão como meio e fim da comunicação humana, mostrando-se, dessa forma, as causas do racismo, da xenofobia e do desprezo;
  7. g) ensinar a ética do gênero humano levando-se em consideração o caráter ternário da condição humana, quer dizer, que o homem é ao mesmo tempo indivíduo, sociedade e espécie, o que conduz à compreensão do desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana.[85]

O acesso à televisão não exige alfabetização completa, pois qualquer pessoa pode acessar seu conteúdo sem contar com uma educação formal. Daí a grande força persuasiva deste meio de comunicação sobre esse público.

Quanto às crianças e aos adolescentes o problema é que eles estão ainda em processo de constituição da personalidade, ocorrendo a aprendizagem mediante mecanismos psicológicos de imitação e identificação. Portanto, os personagens que  aparecem nas cenas da televisão podem vir a ter impacto direto sobre o comportamento dos jovens. As pesquisas sobre a violência na televisão divergem entre si; umas demonstram que a televisão influencia a conduta dos público infanto-juvenil, outras dizem que não há  nexo de causalidade entre a cena violenta da televisão e o comportamento violento. As organizações internacionais, que tratam de promover a efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, amparadas pela Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança[86], propõem que os países adotem medidas  educativas quanto à mídia. Quer dizer, pretendem promover a capacitação dos alunos para se relacionar de uma forma participativa com a mídia, bem como compreender as mensagens por ela veiculadas. Essa função de educação dos menores quanto à mídia é atribuída, sobretudo à escola e à família e, em menor escala, aos próprios produtores de programas de televisão. A educação em mídia revela-se um importante fator de minimização dos efeitos nocivos sobre as crianças e adolescentes dos programas televisivos inadequados e de péssima qualidade, cujo conteúdo está voltado para cenas de degradação humana, sexo, violência, dentre outros.[87]

 

  1.  Direito à cultura

A Constituição protege a cultura, porém não em sua dimensão antropológica.

É o que explica José Afonso da Silva: “É importante ter isso em mente, porque a Constituição não ampara a cultura na extensão de sua concepção antropológica, mas no sentido de um sistema de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (art. 216)”.[88]

A Constituição afirma o dever estatal a garantia de acesso integral ao exercício de direitos culturais e às fontes de cultura nacional, bem como o estímulo à valorização e à difusão das manifestações culturais representadas por culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e grupos participantes da civilização brasileira.[89]

Além disso, a CF discrimina os bens constituintes do patrimônio cultural brasileiro, quais sejam, as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, e edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais e os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.[90]

Como visto acima, a CF afirma que há o dever estatal de garantir o acesso ao exercício de direitos culturais. Segundo José Afonso da Silva, os direitos culturais reconhecidos pelo texto constitucional são os seguintes:

“(a) liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica; (b) direito de criação cultural, compreendidas as criações artísticas, científicas e tecnológicas; (c) direito de acesso às fontes da cultura nacional; (d) direito de difusão  das manifestações culturais; (e) direito de proteção às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional; (f) direito-dever estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro e de proteção dos bens de cultura – que, assim, ficam sujeitos a um regime jurídico  especial, como forma de propriedade de interesse público”.[91]

Existem diversas formas de expressão cultural. O correto é falar em culturas e não em cultura como fenômeno único. Há um universo cultural que precisa ser desvendado pelo intérprete, adotando-se para a identificação da cultura o critério do grupo social que a manifesta.  Daí há a cultura elitista, a cultura popular e a cultura de massas.

cultura elitista, alta cultura ou erudita é aquela produzida e propagada pela elite dominante no país. São as estruturas oligárquicas que reservam a um número pequeno a fruição de bens culturais, como fator de diferenciação em relação às demais classes sociais. A cultura assume a função de identificação de um determinado bloco histórico e diferenciação em relação a outros grupos sociais, a partir da comunhão de um determinado imaginário coletivo. A cultura erudita é aquela que designa a cultura acadêmica, sobretudo refere-se à cultura artística adquirida ou aperfeiçoada em escolas de Arte nacionais ou estrangeiras. Apesar de a Constituição não fazer menção à cultura erudita, ela é protegida pelo sistema constitucional, devendo-se isto ao fato de que, ao contrário do que aconteceu com as manifestações populares, indígenas e afro-brasileiras, sempre tiveram o apoio oficial.[92]

Por outro lado, algumas considerações precisam ser feitas no que tange à cultura de massas. Com o advento da indústria cultural foi possível a produção em larga de escala de bens culturais para serem consumidos pela população. Laurindo Leal Filho, explica que:  “é apresentada como um exemplo rico de realização do ´bloco histórico´, vinculada que é, a um só tempo, à base material da sociedade e à produção de concepções globais do mundo”.[93]

Umberto Eco expõe os argumentos favoráveis à cultura de massas dos mass-media. Diz que a cultura de massas não é uma forma típica do capitalismo, mas um efeito inevitável das sociedades industriais. A cultura de massas não tem a intenção de substituir o lugar da cultura de alto nível, eis que sua difusão se dá entre as camadas da população que até então não tinham acesso a formas de expressão cultural. O caráter negativo que se atribui ao papel da informação difundida pelos mass-media, no que tange ao favorecimento de mudanças na percepção da realidade, nada mais é do que reflexo da ideologia aristocrática dos críticos dos meios de comunicação social. A massa sempre apreciou o aspecto circense, razão pela qual nada mais fazem do que guiá-la nesse aspecto lúdico da vida. Não é verdade, portanto, que o entretenimento difundido é utilizado por razões de dominação social. A homogeneização dos gostos promove tendencialmente a eliminação das diferenças entre castas. A popularização das idéias mediante a difusão de obras de grande valor cultural, ainda que esgote a capacidade de assimilação, é um fenômeno próprio  do consumo desta época. O acúmulo de informações e de dados fragmentados propicia a participação do homem moderno nos acontecimentos sociais. Por fim, não é correto dizer que os meios de comunicação sejam conservadores do ponto de vista estilístico porque, ao contrário, promoveram grandes modificações artísticas.[94]

O citado autor, agora em postura de contestação, diz que a indústria cultural não promove uma cultura autêntica, pois a mesma acaba sendo nivelada de acordo com o gosto do consumidor mediano. Os mass-media destroem as características identificadoras dos grupos étnicos em razão da defesa da cultura homogênea. O público a que se dirigem os mass-media não tem consciência sobre si mesmos, oscila conforme as leis da oferta e da procura, razão pela qual seus desejos são direcionados pela publicidade. Tais meios estimulam a percepção de questões secundárias, promove-se a banalização de símbolos e mitos. O seu objetivo é a uniformidade e planificação obrigatória das consciências, ainda que no contexto de uma sociedade de bem-estar no qual os indivíduos contam com as mesmas oportunidades no terreno cultural.

Por sua vez, a cultura popular é caracterizada pelo fato de nascer espontaneamente do povo, constituindo-se por um conjunto de práticas populares que unem simbolicamente os grupos sociais, geralmente aqueles localizados na base da pirâmide social. Como exemplos de cultura popular tem-se a literatura de cordel, as festas, a gastronomia, as danças, a música, os mitos, as lendas, os ritos, dentre outros.

Sobre o assunto, esclarece  José Afonso da Silva:

“A cultura de raiz popular forjou-se no cerne da vida simples do povo. A inventiva popular foi criando formas de fazer e de viver ao mesmo tempo em que ia construindo a essência da nacionalidade, a despeito das elites, que cultivavam a cultura erudita, a cultura das classes superiores, cultura transplantada. As culturas índias e africanas no Brasil constituem a fonte da cultura popular entre nós, ainda que se assinale influência portuguesa em vários campos culturais; cultura transplantada que se popularizou.[95]

Marilena Chauí aponta a distinção entre cultura popular e cultura do povo, pois o fato de considerar a cultura como sendo do povo não quer significar que ela simplesmente está no povo, mas, ao contrário, que ela é produzida pelo próprio povo. Ela conclui que não é porque algo está no povo que é necessariamente do povo.[96] Basicamente, o critério de diferenciação consiste em quem produz a cultura: se é o próprio povo, tem-se a cultura do povo; ao contrário se a cultura é produzida por uma elite e difundida ao povo, tem-se a cultura popular.

A televisão é importante meio de acesso à cultura. É certo que existem formas de expressão cultural cuja divulgação é inviável pela televisão. É relevante a disciplina jurídica desse meio técnico, a fim de ampliar a difusão da cultura no Brasil. A programação de televisão representa a cultura que vige no país, sobretudo aquela produzida pela indústria cultural. Tem-se na televisão a hegemonia da cultura de massa, aquela imposta dos produtores para os consumidores-telespectadores. A cultura erudita e a popular (cultura do povo) tem pouco espaço na televisão  generalista, salvo no caso da TV Pública.

Com efeito, as televisões públicas constituem-se na melhor reserva para a difusão da pluralidade cultural brasileira, uma vez que não estão presas às pressões da audiência. Ocorre que para isso acontecer faz-se necessária a independência do poder político, do ponto de vista de sua estrutura jurídico-institucional, acompanhada de sua independência financeira. A “televisão  pública” não deve ter nem caráter comercial, nem governamental, daí a possibilidade de se alcançar uma programação de qualidade dirigida à diversidade cultural.[97] Portanto, é necessário que o Estado obrigue ou, ao menos, estimule a difusão de canais ou programas culturais. No caso da televisão generalista, se é certo que não é possível a divulgação de um canal cultural, em razão da natureza do meio, ao menos se deve exigir a divulgação de programas culturais. Por sua vez no caso da televisão segmentada é perfeitamente admissível a exigência de criação de canais culturais, sobretudo pelo fato de o meio de difusão permitir uma maior pluralidade de oferta audiovisual.

A definição de programa cultural de televisão não pode ficar ao arbítrio das emissoras de televisão. É fundamental que um órgão representativo da sociedade estabeleça, a partir da lei e/ou do âmbito normativo  do direito fundamental à cultura, quais os critérios para a identificação de um programa cultural. A eleição desses critérios há de levar em contar as diversas formas de expressão cultural presentes na sociedade brasileira. A televisão há de ser o canal difusor não só da cultura de massas, mas da cultura erudita e do povo. Trata-se da ampliação do conceito de cultura para além dos parâmetros clássicos, de forma a incluir temas atuais de interesse popular. Afinal, cultura é também carnaval e futebol. Não há em si uma contradição entre programas culturais e divertimento. É possível estabelecer uma fórmula que combine ingredientes culturais e de entretenimento na televisão. Sabe-se que o programador há de considerar o interesse da audiência. Ocorre que o parâmetro da audiência não implica a adoção de uma programação exclusivamente voltada para a obtenção de índices elevados de audiência. Diante disso, a formatação de programas culturais deve se orientar a minorias, mas também ao interesse da maioria.[98]

 

  1. Direito ao entretenimento

Para os fins do presente trabalho, o sentido da palavra lazer será equivalente ao de entretenimento.

A Constituição consagra o direito social ao lazer (art. 7º).

Em outro capítulo, a Constituição reconhece o direito ao lazer para as crianças e adolescentes (art. 227). Essas normas constitucionais se limitam a enunciar o direito fundamental social ao lazer, nada mais dizendo sobre o seu respectivo conteúdo e alcance. Diante desse elevado grau de indeterminação do âmbito normativo, e especialmente do modo como o Estado atuará para concretizá-lo, é preciso que o legislador intervenha de modo a concretizar o conteúdo do direito fundamental ao lazer. Além disso, quando trata do desporto, a Constituição dispõe que o Poder Público incentivará o lazer como forma de promoção social (art. 217, §3º) Trata-se de uma norma de caráter nitidamente programático, a qual exige a intervenção legislativa que atribua ao Poder Público a tarefa de organizar os meios pelos quais será concretizado o lazer como forma de integração social.

Celso Fiorillo explica que o lazer, como direito social catalogado  na Carta Constitucional, trata-se de um direito ao descanso, caracterizando-se como um dos aspectos fundamentais concernentes à dignidade da pessoa humana. Segundo ele, a dignidade humana encontra-se em uma sociedade em que é necessário ter um emprego para sobreviver, daí porque o lazer garante não só o equilíbrio físico-psíquico, como também possibilita a aquisição da energia necessária para a continuidade do trabalho.[99]

Joffre Dumazedier propõe o seguinte sentido para o lazer:

“O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações  profissionais, familiares e sociais”.  E, a partir desse conceito, o  autor extrai as seguintes funções para o lazer: a) função de descanso; b) função de divertimento, recreação e entretenimento; c) função de desenvolvimento.[100]

Os lazeres na vida cotidiana estão diretamente associados à idéia de cultura de uma sociedade, igualmente  dependendo da carga horária de trabalho das pessoas. Nesse sentido, conforme revela o citado autor, para um homem que trabalha, será uma atividade de lazer qualquer participação ativa na vida cultural da sociedade, ou seja, em toda e qualquer atividade de criação ou compreensão de um produto cultural. Esta forma de participação concorre com outras atividades de lazer, sobretudo as ligadas ao descanso e à recreação. No contexto atual, constitui lazer tanto ler uma obra literária quanto ir ao teatro e cinema, assistir a um espetáculo de dança, visitar amigos, brincar, dançar, fazer consertos domésticos ou viagens turísticas. Quer dizer, cada uma destas atividades tem forte conteúdo cultural, confundindo-se  o conteúdo da cultura popular com o do lazer popular. Portanto, pode-se identificar a cultura de uma pessoa ou grupo pelos lazeres por eles adotados.[101]

A organização do espaço do lazer na vida do  povo brasileiro tem alguns dados surpreendentes.[102] A televisão é o principal meio de lazer e entretenimento da maioria da população brasileira, no caso da televisão aberta.

Por sua vez,  o público da televisão por assinatura conta com diversas alternativas de lazer. Diante desse fato, é muito mais justificável a intervenção legislativa, em concretização ao direito fundamental ao lazer, no caso da televisão aberta de modo a possibilitar ao público uma programação de televisão que atenda suas necessidades de entretenimento. Além disso, a intervenção legislativa para sua  concretização há de ser conduzida conforme o conceito sociológico de lazer acima apresentado.

Um dos graves problemas contemporâneos é o caráter excessivo de dedicação das operadoras de televisão ao entretenimento. A própria atividade de difusão de informações jornalísticas tem assumido o caráter de espetáculo,  razão pela qual fala-se em “jornalismo-entretenimento”. Quer dizer, a produção de telejornais com preferências por matérias com forte apelo emocional que apresentam imagens de celebridades e cenas violentas.[103]

A crítica de Hannah Arendt quanto à crise da cultura contemporânea reside exatamente no predomínio da diversão, ao invés de o ser humano dedicar-se parte de seu tempo em atividades de elevação do espírito. A diversão é organizada conforme a lógica dos produtores e consumidores da indústria cultural. Para Hannah Arendt, seria preciso privilegiar a cultura do ócio, isto é, uma cultura que provocasse o afastamento provisório do mundo das aparências e que permitisse o pensar.[104] Em uma ótica  marxista, segundo Barbara Freitag,  o lazer seria o espaço de tempo entre o trabalho e o descanso afetado à lógica da produção da indústria cultural, que possibilitaria ao trabalhador recompor suas forças, esquecendo-se da realidade miserável que o circunda[105]. Quer dizer, ainda que o trabalhador não esteja produzindo durante o seu lazer está, diante da televisão, consumindo bens produzidos pela indústria cultural. O espaço de lazer torna-se, portanto, um espaço para consumo, imediato e mediato, de objetos simbólicos.

O direito ao lazer não vincula diretamente a programação das emissoras de televisão. A sua textura constitucional permite ao legislador grande margem quanto à concretização de sua tríplice função: descanso, divertimento e a desenvolvimento da personalidade. Desse modo, a organização do conteúdo do serviço de televisão há de se pautar nessas três funções do conceito sociológico de lazer. O legislador deve desenhar com equilíbrio a intensidade com que o lazer será promovido pelo serviço de televisão.  Nesse sentido, a falta de adequada dosagem legislativa na regulação do direito ao lazer levará, certamente, à não efetividade de outros direitos fundamentais como, por exemplo, o direito à educação, à cultura e à informação.

Com efeito, em razão de norma constitucional do art. 221 da CF, os programas de televisão têm o conteúdo mínimo, o qual consiste na preferência por finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Todavia, a referida norma não prevê que a programação de televisão destine-se a finalidades de lazer. Ainda que não haja uma exigência constitucional, nada impede que o legislador ao concretizar o referido direito fundamental, venha a estabelecer que a programação de televisão se dedique à difusão do entretenimento.

 

  1. Conclusões

A constitucionalização dos serviços de radiodifusão ocorrida na Constituição de 1988 implica em diversas conseqüências no ordenamento jurídico.

A fundamental é a imposição ao legislador do dever de respeitar a organização policêntrica do sistema de comunicação social, por intermédio da disciplina dos sistemas privado, público e estatal. Isto é o legislador tem o dever de organizar os serviços de TV por radiodifusão, com o reconhecimento de espaços específicos para a TV privada, a TV pública e a TV estatal.

Primeiro, o regime de direitos fundamentais da CF exige a interpretação do bloco de normas relativas à Comunicação Social, precisamente aquelas que tratam dos serviços de radiodifusão,  de modo a maximizar a sua aplicação prática.

Assim, o legislador, ao organizar o setor de radiodifusão, obrigatoriamente há de respeitar as linhas gerais em defesa da realização dos direitos fundamentais, mediante os serviços de televisão por radiodifusão.

Segundo, nenhum dos direitos fundamentais analisados é capaz de assegurar diretamente o direito à exploração do serviço de TV por radiodifusão, eis que  é necessária maior densificação legislativa para sua operacionalização.

Terceiro, o bloco de direitos fundamentais exige a adoção de políticas públicas favoráveis à ampliação da entrada de novos operadores nos sistemas de radiodifusão. Há a garantia de acesso à programação de TV por radiodifusão aos indivíduos e grupos sociais.

 

[1] José Afonso Silva manifesta-se sobre a liberdade de pensamento da seguinte forma: “A liberdade de pensamento – segundo Sampaio Dória – ´é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte, ou o que for`. Trata-se de liberdade de conteúdo intelectual e supõe  o contacto do indivíduo com seus semelhantes, pela qual ´o homem tenda, por exemplo, a participar a outros suas crenças, seus conhecimentos, sua concepção de mundo, suas opiniões políticas ou religiosas, seus trabalhos científicos”. Cf. Direito constitucional positivo. 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 244.

[2] FERREIRA, Aluízio. Direito à informação, direito à comunicação: direitos fundamentais na Constituição brasileira. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997, p. 179. Aliás, entrou em vigor a Lei nº. 10.222/2001, que proíbe as emissoras de rádio e televisão de aumentarem som nos intervalos comerciais, estratégia esta utilizada como recurso subliminar para chamar a atenção do público em relação às mensagens veiculadas.

[3] ALEXANDRINO, José Alberto de Melo. Estatuto Constitucional da Actividade de Televisão. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 97.

[4] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. tomo IV. 3ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 453.

[5] ALEXANDRINO, José Alberto de Melo. Obra citada, p. 86.

[6] BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Colisão entre direitos fundamentais: liberdade de expressão versus direito à honra. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da UFPR. Trabalho inédito, p. 55, 2001.

[7] Sobre o assunto: BASTOS, Celso Ribeiro. Os limites à liberdade de expressão na Constituição da RepúblicaIn Revista Forense nº. 349,  p. 43-51,  janeiro-fevereiro-março de 2000.

[8] Ibid., p. 94.

[9] LOPES, Mauricio Ribeiro. Ação Civil Pública e a Tutela de Interesse Difuso da Infância: Proteção da Imagem e dos Direitos da Personalidade – Programas de TelevisãoIn  Revista de Processo nº. 92,  p. 296-297, outubro/dezembro de 1998.

[10] A liberdade de expressão tem campos particulares de manifestação. É o caso, por exemplo, do direito à cultura, que nada mais é do que a liberdade de expressão no campo cultural. A proteção constitucional recai sobre diversas manifestações culturais constituintes da sociedade brasileira, como é o caso das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras (CF, art. 215, §1º). Conferir: SILVA, José Afonso. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001, p.46-52.

[11] Uma hipótese de suspensão legítima da atividade de radiodifusão consiste na declaração do Estado de Sítio nos termos do art. 139, II, da Constituição Federal. Tal dispositivo constitucional requer que o legislador defina as hipóteses de restrições relativas “à prestação de informações, e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão “.

[12] LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O direito à informação e as concessões de rádio e televisão.  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 319-320.

[13] SILVEIRA, Paulo Fernando. Rádios comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 106-8.

[14] SOUZA, Nuno. A liberdade de imprensa. Coimbra: Coimbra Editora,  1994, p. 147-148.

[15] Nessa questão, a Constituição portuguesa é um modelo exemplar, pois, além de assegurar o direito de antena aos partidos políticos, igualmente o garante às organizações sindicais, profissionais e representativas das atividades econômicas.

[16] ALEXANDRINO, José de Melo. Op. cit., p. 108-111.

[17] Além da previsão constitucional, o direito de resposta está previsto na Lei de Imprensa da seguinte maneira: “Art. 29. Toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que for acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão, ou a cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou, errôneo, tem direito a resposta ou retificação”.

[18] MOREIRA, Vital. O direito de resposta na comunicação social. Coimbra: Coimbra Editora, p. 38.  Obra citada por FERREIRA, Aluízio,  p. 199-200.

[19] O Código de Defesa do Consumidor impõe a realização de contrapropaganda no caso de publicidade enganosa ou abusiva em prejuízo ao consumidor (art. 60). A extensão do direito de resposta para a proteção de interesses difusos é proposta por Fábio Konder Comparato em seu artigo A democratização dos meios de comunicação de massaIn A televisão aos 50: criticando a televisão  brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 199-200.

[20] Para Miguel Reale: “Além disso, entre as múltiplas consequências resultantes do impacto dos meios eletrônicos de comunicação sobre a sociedade, mister é reconhecer que eles determinaram e continuam determinando notáveis mudanças na apreciação geral dos acontecimentos, desde os econômicos aos artísticos, criando uma situação  instável no plano da sensibilidade e da ação”. Cf. Variações sobre o direito-dever de informar. Em O Estado de São Paulo, 20.3.1999, caderno A2, citado por MARTINS, Ives Gandra. Direitos e deveres no mundo da comunicação – da comunicação clássica à eletrônica. Em Carta Mensal nº 541, vol. 46. Rio de Janeiro, RJ, 2000, p. 49-89.

[21] MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, p. 346-379.

[22] BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, p. 38-41.

[23] ALEXANDRINO, José de Melo. Obra citada, p. 92-93.

[24] ALEXANDRINO, José. Obra citada,  p. 116.

[25] FERREIRA, Aluízio. Obra citada, p. 68.

[26] Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro, Renovar,  p. 25, 1999.

[27] PEREIRA, Guilherme. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação (exame de algumas questões). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

[28] Obra citada, supra, p. 67-8.

[29] Idem.

[30] Ibid., p. 118-121.

[31] SECLAENDER, Airton C. Leite. O direito de ser informado – base do paradigma moderno do direito de informaçãoIn Revista de Direito Público nº 69, 153.

[32] Ibid., p. 13-14.

[33] É o que mostra Rodrigo Bornholdt: “Para o Tribunal Constitucional Alemão não se protegem fatos sabida ou provadamente inverídicos. O mesmo entendimento possui a Suprema Corte norte-americana. Já as opiniões são amplamente protegidas, ainda que sem fundamentação. Elas só deixarão de prevalecer quando colidirem com outros direitos fundamentais e bens jurídicos com status constitucional e, após a adequada ponderação, conceder-se proteção a estes últimos”. In Colisão entre direitos fundamentais: liberdade de expressão versus direito à honra. Trabalho inédito, p. 224.

[34] A liberdade de expressão e a comunicação socialIn Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 20 do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, julho-setembro, 1997, p. 48.

[35] Controle da programação de televisão: limites e possibilidades, p. 37, 1999. Dissertação de Mestrado em Direito/UFRS. Não publicada.

[36] Id.

[37] Id.

[38] Ibid.,  p. 167-8.

[39]  BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 42, 43 e 47.

[40] Maurício Ribeiro Lopes esclarece que: “Entretanto, a atual dimensão da informação na vida dos cidadãos, com reflexos em seu comportamento, em sua consciência social e política e até em seus hábitos de consumo torna o direito à informação algo pertencente ao público”. Em Revista de Processso n. 92. São Paulo: SP, Instituto Brasileiro de Direito Processual, 1998, p. 269-303.

[41] Sobre o assunto: CARNOTA, Enrique Gómez-Reino y. La liberdad interna de los medios privados de comunicacion social. In Revista Del Centro de Estudios Constitucionales, n. 1º., enero-abril,  Madrid, 1989, p. 21-33.

[42] Ibid., p. 221-228.

[43] Rodrigo Meyer Bornholdt expõe:

“Quanto à possibilidade de restrição de direitos no caso de colisões entre direitos fundamentais garantidos sem reserva de lei, deve-se ressaltar a posição de alguns, que defendem não poder o legislador previamente regulamentar um conflito cuja solução, pela vontade constitucional, caberia unicamente ao Judiciário.

Segundo Ulli Rühl, os direitos fundamentais positivados sem reserva de lei necessitam, para sua restrição, de uma fundamentação especial (besonderen Begründung). A metódica estruturante, sem discordar desse posicionamento, analisa-o com cuidado maior. Se a norma constitucional é positivada sem a possibilidade de restrição, serão apenas textos de normas constitucionais que poderão restringir este direito. Tudo o que terá por conseqüência que a lei restritiva apenas balizará uma restrição realizada já ao nível dos textos constantes (e dos âmbitos normativos construídos) da Constituição.

Em outras palavras, a lei restritiva terá um puro efeito declaratório de uma restrição que se opera por força de uma colisão decidida com base em dados constitucionais, e cuja solução não poderá ser conhecida senão a partir da resolução do caso concreto. Assim, por exemplo, enquanto, no direito alemão, um direito “geral” à honra pessoal, legalmente traçado, poderá limitar a liberdade de expressão (dependendo sempre do caso concreto), por haver expressa autorização constitucional para tanto (art. 5o., II), o tipo legal da injúria apenas restringirá o direito à liberdade de expressão artística, garantido sem reserva de lei, quando corresponder a um traçado constitucional do direito à honra. Tratar-se-á, nomeadamente, daquelas situações em que, no caso concreto, o direito à honra surja enquanto manifestação da dignidade humana, ou do direito geral de personalidade, já que é apenas nestas duas situações que, como se verá, o direito à honra é protegido constitucionalmente. Conseqüência disso, na metódica estruturante, será que a lei autorizada constitucionalmente a restringir um determinado direito fundamental, não poderá restringir o âmbito normativo de outro direito, com aquele colidente ou concorrente, caso não haja, quanto a este último, reserva de lei igualmente fixada na Constituição. Em outras palavras, o parâmetro para a restrição de direitos sem cláusula de reserva será, sempre, um outro direito constitucional. In Ibid, p. 250.

[44] Ibid., p. 132.

[45] Sobre a influência da televisão  na capacidade de reflexão das pessoas, conferir: MENDES, Marques. Rádio e Televisão como Serviço PúblicoInComunicação e Defesa do Consumidor. Coimbra: Coimbra Editora, 1996,  p. 111-117.

[46] TÁVOLA, Artur da. A liberdade do ver: televisão em leitura crítica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 11.

[47] Ibid., p. 58.

[48] Manual de direito constitucional. t. IV, Direitos fundamentais, p. 456-7, citado por FERREIRA, Aluízio. Direito à informação. Direito à comunicação. Direitos fundamentais na Constituição brasileira. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1997, p. 205.

[49] Ibid., p. 168.

[50] Ibid., p. 460.

[51] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 16ª., São Paulo: Malheiros, p. 249, 1999.

[52] Para a compreensão da problemática conferir: SCORSIM, Ericson Meister. TV Digital e Comunicação Social: aspectos regulatórios: Belo Horizonte: Fórum, 2008.

[53] Uma das diferenças do modelo brasileiro de comunicação social em relação ao português é a outorga do direito de antena apenas aos partidos políticos.

[54] HORTA, Raul Machado. Constituição e Ordem Econômica e FinanceiraIn Revista brasileira de estudos políticos, p. 7-27.

[55] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiariedade: conceito e evoluçãoIn Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, nº. 19, abril-junho de 1997, p. 7-36.

[56] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 224, 1997.

[57] Ibid., p. 223.

[58] Curso de direito constitucional positivo, p. 767.

[59] Ibid., p. 153.

[60] CHIRILLO, Eduardo J. RODRIGUEZ. Privatización de la empresa pública y post privatización. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995, p. 83-158.

[61] PASTOR, Javier VICIANO. Livre Competencia e intervención pública en la economia. Valencia:  Tirant lo Blanch, 1995, p. 37-114.

[62] ARINO ORTIZ, Gaspar. Economia y Estado. Madrid:  Marcial Pons, 1993, p. 340.

[63] Ibid., p.  46-60.

[64] COMPARATO, Fábio Konder. A democratização dos meios de comunicação de massaIn A televisão aos 50: criticando a televisão brasileira no seu cinquentenário. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, p. 183-201. Para o professor COMPARATO, a empresa capitalista não pode cumprir a tão sonhada função social, eis que a mesma está voltada radicalmente para a obtenção de lucros. Ele diz: “Na verdade, a idéia de as empresas serem obrigadas, de modo geral, a exercer uma função social ad extra no seio da comunidade em que operam, apresenta o vício lógico insanável da contradição. A empresa capitalista – importa reconhecer – não é, em última análise, uma unidade de produção de bens, ou de prestação de serviços, mas sim uma organização produtora de lucros. É esta a chave lógica para a compreensão de sua estrutura e funcionamento”. In Estado, Empresa e Função social. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 732, outubro de 1996, p. 38-54. Essas idéias embasaram a proposta do Partido dos Trabalhadores de democratização dos meios de comunicação social no âmbito da Assembléia Nacional Constituinte.

[65] Ibid.,  p. 43-63.

[66] PAZ, Jose Carlos Laguna de. Regimen juridico de la television privada. Madrid: Marcial Pons, 1994, p. 46-65.

[67] Idem.

[68] Idem.

[69] Idem.

[70] Idem.

[71] Idem.

[72] Ibid., p. 60-1.

[73] Para José Alexandrino: “Num ponto se poderá avançar um pouco: quanto mais a iniciativa económica se aproximar da pessoa individual, mais nítido será o direito subjetivo subsistente, ao passo que, perante a grande empresa de comunicação e o poderio  económico que ela assume, aquela nitidez se diluirá; por outro lado, e em paralelo, o tipo e  natureza  das mensagens determinarão, igualmente, a densidade do direito e a extensão dos condicionamentos ao acesso e ao desenvolvimento das actividades de emissão. Exemplificando: no primeiro caso, a televisão  local (392) ou a pequena estação emissora sem fins lucrativos não devem conhecer limitações especiais, salvo a existência de razões técnicas  impeditivas; no segundo caso, as televisões temáticas, como, por exemplo, as que se ocupem apenas de desporto, cinema ou formação não devem igualmente conhecer, além de condicionamentos de raiz tecnológica, condicionamentos especiais distintos de idênticas actividades (393), mas não já as televisões generalistas, as televisões que emitam informação (genérica ou especializada) (394) ou as televisões que promovam a espectáculo a vida privada das pessoas, onde – para garantia  do sistema de liberdades e do modelo da Constituição económica – se impõe exigências e controlos particulares”.

[74] Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987, p.  227. A norma que trata da livre iniciativa tem aplicabilidade diversa em relação ao serviço de radiodifusão de sons e de imagens  e no do serviço de televisão a cabo. A intervenção estatal sobre a livre iniciativa é mais acentuada no caso da televisão generalista (serviço de radiodifusão de sons e imagens, que será abordado no capítulo seguinte), que em relação à televisão a cabo, o que gera um regime jurídico diferenciado. Tal questão, por falta de espaço, infelizmente aqui não pode ser abordada.

[75] Para uma análise mais profunda da questão ver: SCORSIM, Ericson Meister. TV Digital e Comunicação, obra citada acima.

[76] MÜELLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 75-7.

[77] BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação/Educação: aproximaçõesIn A televisão aos 50 anos: criticando a televisão brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 95-6.

[78]MALISKA, Marcos Augusto. O direito à educação e a Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001, p.156-7.

[79] Idem.

[80] Idem.

[81] O legislador veio a contemplar o “ensino à distância” pela televisão, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dando-lhe tratamento diferenciado pela possibilidade de custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens, concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas e reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais. Tal tratamento diferenciado à “educação à distância” é definido pelo art. 80, §4º , da Lei nº. 9.394/96.

[82] Reiventando as humanidadesIn As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, p. 312.

[83] RUSSEL, Bertrand. O Elogio ao ÓcioIn A economia do ócio (Domenico de Masi, organização e introdução). Rio de Janeiro: Sextante, 2001, p. 71.

[84] ENZENSBERGER, Hans Magnus. Elementos para uma teoria dos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,  1978, p. 75.

[85] Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. 2ª ed., São Paulo: Cortez,  2000, p.13-18.

[86] É relevante traduzir a parte da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, particularmente no campo da mídia, que assim se expressa:

“Art. 17. Os Estados membros reconhecem a importante função desempenhada pela mídia de massa e assegurarão que a criança tenha acesso a informações e materiais de diversas fontes nacionais e internacionais, especialmente aquelas que objetivam a promoção de seu bem-estar social, espiritual e moral, e sua saúde física e mental. Para este fim os Estados membros:

  1. a)       encorajarão a mídia de massa a disseminar informações e materiais que beneficiem social e culturalmente a criança, e de acordo com o espírito do artigo 29;
  2. b)       encorajarão a cooperação internacional para a produção, troca e disseminação de tais informações e materiais de várias fontes culturais, nacionais e internacionais;
  3. c)       encorajarão a produção e disseminação de livros infantis;
  4. d)      encorajarão a mídia de massa a ter especial consideração pelas necessidades lingüísticas da criança que pertença a uma minoria ou seja indígena;
  5. e)       encorajarão o desenvolvimento de orientações apropriadas a fim de proteger a criança de informações e materiais nocivos ao seu bem-estar, tendo em mente as cláusulas dos artigos 13 e 18”.

[87] Sobre o assunto: HAMMABERG, Thomas. A criança e a mídia: relatório  do Comitê da ONU para os Direitos da CriançaIn A criança e a violência na mídia. São Paulo: Cortez Editora, p. 35-45. E FEILITZEN, Cecilia Von. Introdução  aos artigos de Pesquisa sobre A Criança e a Violência na Tela. In A criança e a violência na mídia, 1999, p. 49-61.

[88] Ordenação constitucional da cultura, p. 35.

[89]  (art. 215, §1º)

[90]  (art. 216)

[91] Ibid., p. 51-2.

[92] Ibid., p. 82-3.

[93] LEAL, Laurindo Filho. Atrás das câmeras: relações entre cultura, Estado e televisão. São Paulo: Summus Editorial, 1988, p. 81.

[94] ECO, Umberto, Apocalípticos e integrados. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998, p. 43-48.

[95] Ordenação constitucional da cultura, p. 78.

[96] CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. 7ª ed., p. 43. Citada por José Afonso da Silva em Ordenação constitucional da cultura, p. 77.

[97] LEAL FILHO, Laurindo. A televisão públicaIn A televisão aos 50: criticando a televisão  brasileira no seu cinqüentenário. Eugênio Bucci (org.), São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p.153-165.

[98] KAEMPER, Dirk. Política cultural na televisão  alemãIn Televisão e Cultura no Brasil e na Alemanha (Apresentações no Seminário “Cultura e Política na Televisão do Brasil e da Alemanha”, em Salvador, de 9 a 14 de maio de 1994). São Paulo: Edições GRD. Salvador: ICBA, Instituto Cultural Brasil Alemanha, 1997, p. 20-28.

[99] O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva,  2000, p. 27.

[100] DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. 3ª ed., São Paulo: Editora Perspectiva, 2000,  p. 32-4.

[101] Ibid., p. 144.

[102] Conforme pesquisa do IBGE, realizada no ano de 1999, sobre Informações Básicas Municipais: 93% dos municípios brasileiros não têm sala de cinema; 94% não possuem um shopping center; 85% das cidades não têm museus ou teatros; 35% não contam com ginásio esportivo e 25% não dispõem de bibliotecas públicas (dos municípios que contam com biblioteca 69% dentre eles contam com apenas uma, e, nos municípios com até 20 mil habitantes, 93% não contam com nenhuma biblioteca). Diante desses dados, os autores Christianne Werneck e Hélder Isayama concluem que é flagrante a ausência de espaços públicos destinados ao lazer, distribuídos homogeneamente pelo território nacional. Em verdade, poucas cidades concentram muitos centros públicos de lazer, enquanto que a maioria dos municípios brasileiros conta com pouquíssimos equipamentos urbanos dedicados a essa prática social. Outra conclusão reside na identificação entre os produtos da indústria cultural como sendo a própria cultura. WERNECK, Christianne Luce Gomes e ISAYAMA, Hélder Ferreira. Lazer, Cultura, Indústria Cultural e ConsumoIn  Lazer e Mercado. Campinas, SP: Papirus, 2001, p. 46.

[103] LIMA, Venício A de. Mídia: teoria e política. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 269.

[104] Citada por LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 264.

[105] A afirmação da autora é feita a partir da análise do pensamento de Adorno e Horkheimer. Vide: A teoria crítica: ontem e hoje, 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 72.

Revista de Informação Legislativa, v.46, nº 182, pág. 17-40, 2009.