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Responsabilidade institucional do Ministério Público federal por garantir a efetividade do princípio do controle civil democrático sobre as forças armadas

por Ericson Scorsim

jul 16, 2021

A Constituição de 1988 inaugurou capítulo especial com as atribuições do Ministério Público. Dentre elas, a proteção ao Estado Democrático de Direito, às instituições democráticas e ao regime de direitos fundamentais. A partir deste contexto, faz-se a análise da responsabilidade institucional do Ministério Público Federal a respeito da proteção ao princípio do controle civil sobre as forças armadas. Para o detalhamento sobre este princípio, ver: Scorsim, Ericson. Neomilitarismo, desmilitarização do governo, contenção da influência política das corporações militares e a concepção civil de defesa nacional. Princípio do controle civil das forças armadas: a arma da democracia (https://direitodacomunicacao.com/br/).

O Brasil vivenciou o trágico período do regime de ditadura militar de 1964-1985. Neste período, a democracia foi violentada por golpe militar, com apoio de parcela da sociedade e do empresariado. A Constituição buscou superar este passado autoritário, ao inaugurar uma série de garantias aos direitos e liberdades fundamentais, bem como com a proteção às instituições democráticas. Ocorre que há diversos atos praticados pelo Presidente da República, conjuntamente, com agentes públicos militares, que são atentatórios às instituições democráticas.

O Presidente da República, em sua estratégia político eleitoral tem instrumentalizado o apoio das forças armadas para seu governo. O Presidente da República chegou a levantar suspeitas contra a integridade do sistema eleitoral sem, no entanto, apresentar provas. E, o que é pior, chegou inclusive ameaçar que poderia não haver eleições em 2022.  A partir deste contexto, tem ocorrido verdadeiro desvio de finalidade na atuação das forças armadas e do Ministério da Defesa, para fins políticos pessoais do Presidente da República.

Primeiro, a excessiva participação de militares em cargos civis da administração pública federal, bem como em empresas estatais. Sobre isto, ver: Scorsim, Ericson. Em defesa da maximização do controle civil das forças armadas e do seu profissionalismo. (https://direitodacomunicacao.com/br/). É fundamental a compreensão do papel das Forças Armadas subordinadas ao poder civil e à Constituição.

Segundo, há atos de interferência de integrantes do exército na política doméstica nacional. Ao invés de as Forças Armadas projetaram sua força para fora do país, elas projetam sua força dentro da política interna. Há uma distorção de seu papel no Estado Democrático de Direito.

Terceiro, o ato de comemoração do golpe militar de 1964, em página oficial do Ministério da Defesa.  Este tipo de celebração é ilegal, imoral e antidemocrática. Sobre isto, ver: Scorsim, Ericson. Ato de apologia do Golpe Militar de 1964 é inconstitucional, ilegal, abusivo e imoral (https://www.academia.edu/)

Quarto, o ato do Ministério da Defesa de intimidação do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga atos ilícitos em relação à aquisição de vacinas contra o coronavírus.

Quinto, a narrativa do ex-Comandante do Exército General EduardoVillas Bôas, em sua biografia, o que aponta para interferência militar na campanha eleitoral presidencial de 2018, com o exercício de poder de veto sobre candidatura de adversário político.

Enfim, todos estes fatos justificam a atuação incisiva do Ministério Público Federal em defesa do Estado Democrático de Direito, com a contenção de abusos por integrantes das forças armadas, do Ministério da Defesa e Presidente da República. É da responsabilidade institucional do Ministério Público combater atos atentatórios à dignidade das instituições democráticas. Se o Ministério Público Federal se omitir quanto ao seu papel constitucional haverá verdadeiro estado de colapso das instituições democráticas. Forças Armadas e Ministério da Defesa são órgãos de Estado e não de governo, por isso devem lealdade à Constituição. Agentes militares são servidores públicos, por isso se submetem aos princípios e regras gerais do estatuto dos militares e à Constituição Federal. Não há imunidade judiciária para agentes militares. Todos eles são responsáveis perante a Constituição e à legislação. Generais podem, inclusive, ser alvo de processos de impeachment.

O Estado Democrático de Direito não pode tolerar atos repulsivos e anti-democráticos ainda mais quando praticados pelo Presidente da República, em cumplicidade com agentes militares. Toda esta patologia é um sintoma de subdesenvolvimento institucional do Ministério da Defesa e de alguns integrantes das Forças Armadas. Por isso, é necessária a atuação firme do Ministério Público em defesa das instituições democráticas.

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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado, Doutor em Direito pela USP.