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Teologia política na indicação de Ministro para o Supremo Tribunal Federal

por Ericson Scorsim

nov 12, 2021

Uma das bases da Constituição do Brasil é o princípio da separação entre Estado e igreja. Em qualquer democracia avançada, prevalece este princípio do secularismo. No entanto, de modo sistemático vê-se a teológica política adentrar as esferas dos governos e parlamentos. Este fenômeno é um sintoma do subdesenvolvimento institucional brasileiro.

Cada pessoa pode ter sua crença religiosa e manifestá-la em sua vida privada e/ou público. O que não é admissível, em mandatos públicos e/ou cargos públicos, que a crença religiosa seja um fator de escolhas que repercutem na vida nacional. A propósito do tema, o presidente da república indicou um candidato a ministro do Supremo Tribunal Federal, sob o critério de o mesmo ser “evangélico”. Ora, desde quando o critério religioso é fator preponderante para a indicação ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal?

A Constituição, em seu art. 101, caput, estabelece como requisito para o cargo de Ministro de Estado o “saber notório e reputação ilibada” e não o critério da crença religiosa. Seguindo-se a lógica dos atos administrativos a indicação presidencial seria um “ato viciado” e praticado com desvio de finalidade pública.

Se o presidente quer agradar sua base eleitoral ele que o faça de outros meios em suas campanhas. Este tipo de indicação é ofensivo à independência do Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal não pode virar alvo de “campanhas de influência religiosa” que afetem a sua autonomia institucional, buscando interferir na formulação de políticas públicas.

A nobreza de uma instituição republicana e democrática decorre justamente de sua autonomia institucional, para além de governos provisórios. O Supremo Tribunal Federal é uma instituição de Estado, não é uma instituição do governo. Por isto, vontades políticas conjecturais não podem ferir a autonomia institucional do Judiciário. A mistura entre poder político e poder religioso é perigosa para o Estado Democrático de Direito. Em casos-limites há configuração de estados/governos fundamentalistas. O fundamentalismo religioso, baseado no tradicionalismo, é uma das principais ameaças ao regime democrático e das garantias individuais e coletivas. Por isto, é essencial a percepção dos riscos democráticos da influência religiosa sobre o sistema político e os governos. Corporações religiosas não representam a totalidade da sociedade brasileira. Além disto, ambientes protofascistas são caracterizados pela simbiose entre corporações religiosas e militares.

Em qualquer lógica de grupo a individualidade é massacrada. Portanto, na minha visão, toda pessoa é sagrada, razão pela qual existe inclusive o princípio da dignidade humana, independentemente de sua crença religiosa. A fé é, evidentemente, importante. O agente público em cargo público não perde a sua condição religiosa, nem sequer é obrigado a renunciar à sua crença religiosa ao assumir o cargo público. O que não é admissível é que o fator religioso seja predominante na indicação para o exercício de uma das mais relevantes funções da República, qual seja, a de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

O Brasil vive um complexo cultural religioso. Deus é invocado como um pretexto para projetos de poder; algo absurdo.  Assim, busca-se manter certa hierarquia e controle social, através das igrejas.  Igrejas mantêm canais de televisão. Há busca pela apropriação do espaço público e influência sobre a vontade política.  Não vejo nenhuma linha religiosa emancipatória (salvo algumas pouquíssimas exceções), voltada ao enraizamento da liberdade humana, ao contrário vejo a exploração do sentimento de dependência da população aos “profetas”, em uma lógica de pastor/rebanho.  Entendo que é claro o fenômeno religioso. Em um país, aonde impera a “lei de sobrevivência”, aonde predominam os fortes sobres os fracos, há um peso da religião que não pode ser ignorado, no aspecto do conforto e consolação psíquica.  No entanto, não vi, nenhum país do mundo, aumentar sua competividade internacional, seu nível de educação, seu nível de atratividade de investimentos, a partir somente da crença religiosa.

Enfim, das relações entre Estado e Religião precisar valer a máxima cada “macaco no seu galho”.  O populismo político e religioso não faz bem ao Brasil. É da responsabilidade institucional do Senado da República preservar o princípio da separação entre igreja e estado (art. 19, CF), sob pena de se ofender a Constituição.

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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado. Doutor em Direito pela USP.