Abuso Militar
Uso abusivo de cargo público e/ou título público para influência militar no jogo político-eleitoral: a perda do cargo e/ou título
O Brasil assiste à escalada da participação de policiais militares da ativa e da reserva em atividades políticas, com manifestações públicas, algumas inclusive com atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito, com manifestações de fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Tudo isto motivado pela liderança tóxica do presidente da república. Este é sintoma grave para o Estado de Democrático de Direito. Esta patologia anti-democrática e representa o movimento de liderança tóxica estimulada pelo Presidente da República.
A Constituição veda a formação de “partidos armados e fardados”. Um poder armado não pode participar da vida política nacional, afinal detém o poder da violência estatal. Por isto, a utilização de cargos públicos e/ou títulos públicos é um ato de desvio de finalidade pelo servidor público militar. O agente militar está subordinado à lei, ao seu código militar. O militar integra uma carreira de estado; não é um agente do governo. Sua atuação deve ser conforme a legalidade, impessoalidade, moralidade. O agente militar não é um cidadão comum; por isso ao ingressar na carreira de estado o mesmo tem suas liberdades restringidas pelo código militar e pela Constituição. O partidarismo por alguns agentes militares rompe com os princípios da hierarquia e disciplina das corporações militares. Por isto, as corporações militares devem reagir com firmeza à participação de militares em eventos políticos. A utilização abusiva do cargo público, para fins políticos-eleitorais, deve ser devidamente investigada. Mesmo fora do expediente, o agente militar tem um código de decoro a ser seguido. Até mesmo o agente militar da reserva, ao receber vencimentos públicos, deve atuar de modo apolítico, respeitando-se os códigos militares. Ora, a ética militar tem regras claras para garantir o apartidarismo dos agentes militares.
Em um Estado Democrático de Direito, não é admissível que a influência militar contamine o jogo político-eleitoral. Em casos-limites de utilização abusiva de cargo público, inclusive o uso indevido de título de militar, poderá ocorrer a aplicação de sanções administrativas, inclusive a exoneração de cargo público e a perda de remuneração. Compete às Promotorias de Justiça Militares investigar a participação de militares em atos políticos. Mas, compete também o Ministério Público Federal, na condição de agente de defesa do Estado Democrático de Direito, atuar em prol da contenção da atuação de policiais militares na participação em eventos políticos. Ora, a sociedade financia o custeio do pagamento das despesas com militares. Todos os contribuintes pagam estas despesas com militares (remuneração e proventos). Por isso, os agentes militares não podem manifestar preferência político em ambiente público. O poder militar deve ser contido pelo poder político. Por isso, em outros artigos tenho manifestado a necessidade urgente de efetivação do princípio do controle civil sobre as forças armadas. Sobre o tema, ver: Janowitz, Morris. The Professional Soldier. A social and political portrait, New York, 2017. Precisamos atualizar as regras de governança e compliance militar de modo de promover a defesa do Estado Democrático de Direito, contra atos anti-democráticos incentivados pelo Presidente da República, em conluio com alguns agentes militares.
A regra deve ficar clara nos estatutos militares; quem participa de ato político deve perder o cargo público e, no caso de militar da reserva, perde os proventos. O compromisso de um agente militar deve ser com a Constituição, com a lei e com os direitos humanos. Um militar não está acima da Constituição e da lei. Um soldado não pode ter lealdade pessoal a determinado candidato, sua lealdade deve ser para com as instituições democráticas. Se é um servidor público deve prestar serviços públicos na área de segurança pública. Por isto, ele deve atender a todos os cidadãos, independência de sua coloração político-partidária. Se o militar resolver descumprir ordem de seus superiores, então haverá um motim, o qual será ser devidamente punidos pela autoridade competente.
A liderança militar tóxica é um risco para o Estado Democrático de Direito. Sobre o tema da liderança militar tóxica, ver: Reed, George. Tarnished. Toxic Leadership in the U.S Military. Nebraska, 2015. A história militar brasileira contêm inúmeros exemplos infelizes de golpes militares. Por isso, a necessidade de resiliência civil quanto a estes sinais anti-democráticos. Precisamos cobrar a responsabilidade institucional das corporações militares na contenção da utilização abusiva de cargos e/ou títulos públicos na promoção de atos políticos-eleitorais. Reprisando-se um profissional da violência, com poder armado, não pode participar de atos políticos-eleitorais. Do contrário, esta simbologia militar passará uma imagem e mensagem distorcida para a população.
O apoio militar a qualquer candidato presidencial, de modo ostentivo e engajado, é uma prova da quebra com a ordem Constitucional e com a legalidade. O engajamento militar em campanhas políticas-presidenciais é uma distorção grave e atentatória ao Estado Democrático de Direito. Jamais poderá ocorrer uma campanha militar e/ou por militares para apoio a determinado candidato presidencial. Precisamos de uma nova cultura militar, comprometida com o Estado Democrático e que perceba que as força armadas jamais poderá ser um poder moderador da República) e que não seja contaminada por líderes tóxicos.
O profissionalismo militar é uma condição fundamental para sua atuação de modo apolítico, garantindo-se o prestígio da própria corporação militar perante a sociedade. Do contrário, a confiança da população em suas instituições militares será quebrada.
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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito Público. Doutor em Direito pela USP.
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