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Geopolítica, soberania digital e moedas digitais

por Ericson Scorsim

jun 16, 2021

Semana anteriores a mídia brasileira anunciou investimentos no valor de U$ 500 (quinhentos) milhões de dólares pelo fundo norte-americano Berkshire Hathway do investidor Warren Buffet da aquisição de parte da empresa Nubank de pagamentos digitais. Este fato chama a atenção para a análise do contexto deste novo mercado de pagamentos digitais. O Banco Central do Brasil divulgou, ainda, comunicado a respeito de moedas e fluxos de pagamentos digitais. O Banco Central estuda alternativas regulatórias para a implantação do real digital. E, ainda, recentemente, lançou no mercado a ferramenta PIX, como um sistema de pagamentos digitais. Além disto, busca-se a interoperabilidade entre os bancos de centrais de outros países, a fim de definir padrões internacionais para pagamentos transfronteiras.   

É importante colocarmos este tema do comércio digital nacional e internacional no contexto da geopolítica e geoeconomia global. Em jogo, o tema da soberania digital associada à soberania monetária, isto é, a capacidade do país controlar o valor de sua moeda, base de sua economia. Como se sabe, o valor do dólar alto é ótimo para as empresas exportadoras, principalmente as de commodities (grãos, petróleo, etc.). Também, é ótimo para estrangeiros que investem no Brasil e adquirem empresas brasileiras.  Porém, o dólar alto é péssimo na aquisição de insumos essenciais à economia, através de importações. O dólar alto é péssimo para empresas brasileiras que possuam dívidas indexadas ao dólar.  A questão cambial revela o poder nacional econômico de um país e a sua posição econômica no cenário do comércio internacional. No caso, a cotação do dólar revela na prática o poder econômico nacional dos Estados Unidos sobre o Brasil.  Neste contexto, Estados Unidos e China disputam a liderança global econômica, tecnológica e cultural. De um lado, os Estados Unidos querem manter a superioridade do dólar e de sua tecnologia e manter a sua diplomacia do dólar, isto é, a capacidade de influência econômica dos Estados Unidos sobre os demais países.  De outro lado, a China está em ascensão com as novas tecnologias e seu poder econômico global. Por isso, os Estados Unidos temem que o yuan (moeda oficial chinesa) possa se tornar hegemônico no comércio global. Em contrapartida, o governo norte-americano está a adotar novas ações em reação à ascensão global da China.  

A título exemplificativo, à época do governo Trump foi anunciado a proibição do aplicativo Tik Tok, sob a alegada razão de segurança nacional, pois o aplicativos coletaria indevidamente dados pessoais de norte-americanos.  Este aplicativo é utilizado para a transferência de valores e pagamentos digitais, seria o principal concorrente do WhatsApp. Sobre o assunto, conferir meus artigos Estratégia do governo norte-americano de contenção da China em relação às proibições dos aplicativos TikTok e WeChat e Empresas TikTok e Bytedance processam governo dos Estados Unidos em razão de seus aplicativos por razões de segurança nacional, publicado no Portal Direito da Comunicação. Na nova lei United States Innovation and Competition Acf of 2021, no capítulo dedicado à estratégia em investimentos digitais nos Estados Unidos há áreas chaves para a agência de desenvolvimento internacional, focado em projetos de conectividade por redes de telecomunicações e equipamentos, pagamentos móveis, cidades inteligentes e cabos submarinos.

O tema da moeda digital está associado às redes de pagamentos digitais globais. Com o avanço do comércio global há maior demanda por sistemas eficientes de pagamentos digitais, por isso também surge o tema da moeda digital. Paralelamente ao tema das moedas oficiais, há o bitcoin e outras criptomoedas e criptoativos, tecnologias que pagamentos descentralizados e inclusive preservando-se o anonimato. A moeda oficial tem a função de valor de troca, reconhecida pelo Banco Central. Enquanto que os criptoativos são ativos digitais, porém ainda não legalizados.  Os Bancos Centrais dos países estão avaliando as melhores práticas regulatórias sobre a moeda digital e pagamentos digitais. Importante lembrar que as moedas têm as funções de pagamentos, financiamentos e garantias, entre outras funções. O Bank for International Settlement (BIS), uma associação de bancos sediada em Basel na Suíça, anunciou consulta pública sobre criptomoedas.  Há preocupações quanto à utilização indevida das criptomoedas e criptoativos para a prática de crimes financeiros. Também, há a conexão com infraestruturas financeiras críticas. Além disto, há a associação com a segurança cibernética e a computação em nuvem. Adicionalmente, está entrelaçado com os algoritmos e big data.

O estudo denominado International Strategy to better protect the financial system against cyber threats do think thank Carnergy Endowment for International Peace destaca as melhores práticas para a proteção do sistema financeiro contra ameaças cibernéticas. De fato, há riscos de ataques cibernéticos contra as infraestruturas digitais de pagamentos digitais, algo que vem acontecendo no mundo em escala exponencial. A título exemplificativo, os hackers que atuaram contra a empresa norte-americana Colonial Pipeline exigiram para a liberação dos dados sequestrados da empresa o pagamento em bitcoins.  Há a intensificação de fraudes e crimes cibernéticos em operações financeiras, realizadas por computadores, notebooks e celulares. A adoção de moedas digitais é uma revolução digital no sistema econômico internacional. Por isso, é importante o Brasil participar dos fóruns internacionais relacionados a tema, para evitar o risco de ter de aceitar um padrão monetário global sem ter participado das discussões internacionais. No âmbito da tecnologia, há o entrelaçamento das moedas digitais com o tema blockchain, um sistema descentralizado de transmissão de informações. Big Techs como Amazon, Facebook, Google, WhatsApp, dos Estados Unidos, e Tencent, Ali Pay, da China têm interesse no tema da moeda digital, criptoativos e pagamentos digitais. Algumas empresas interessadas organizar uma associação privada para debater o tema das moedas digitais, como é o caso Diem, com sede em Genebra, anteriormente denominada Libra.

O tema da moeda digital está diretamente relacionado à inclusão digital e financeira. Por outro lado, há evidentemente riscos de ataques cibernéticos. Além disto, toda esta infraestrutura financeira digital trata de dados protegidos pelo sigilo bancário. Por isso, são necessários protocolos de segurança e integridade dos dados e das comunicações. O direito ao sigilo de dados bancários é uma garantia posta na Constituição Federal. Deste modo, são necessárias medidas de criptografia para garantir o sigilo das comunicações e dos dados financeiros. O capitalismo financeiro global vive uma nova fase a partir das novas tecnologias emergentes. Por isso, a atualização do sistema econômico para se adaptar aos novos tempos. Evidentemente que o tema da moeda digital e criptoativos têm desafios, riscos e oportunidades.

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Ericson Scorsim. Advogado e Consultor em Direito do Estado, com foco no Direito da comunicação, principalmente nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia 5G: impacto no Brasil, publicado na Amazon, traduzido para o inglês com o título Geopolitical game between United States and China in Brazil, 2021.